O mundo, não sei. Mas o governo atual é! |
demétrio magnoli
CÍRCULO MILITAR
O Floriano Peixoto de ontem, marechal de ferro, armas na mão, salvou a República da reação oligárquica. O de hoje, um comandante testado no terremoto do Haiti, integra-se ao círculo de aço de militares encarregados de salvar o governo do caos engendrado pelo próprio presidente.
A substituição de Bebianno converte Onyx Lorenzoni no único civil remanescente no núcleo de ministros que despacham do Planalto. Junto dele, figuram três generais: Augusto Heleno, chefe do GSI, Santos Cruz, na Secretaria de Governo, e Floriano, na Secretaria-Geral. De fato, um mês e meio após a posse, assistimos ao ensaio da inauguração de um segundo governo Bolsonaro.
A demissão de Bebianno pode ser narrada em dois registros alternativos. Na linguagem do recreio do pré-primário: um chamou o outro de mentiroso, feio e bobo. No idioma compartilhado entre milicianos e facções do crime: um qualificou o outro como traíra, X-9.
De um modo ou de outro, o evento veicula uma lição de ciência política: o governo Bolsonaro, na sua versão original, é um experimento patológico destinado a perecer sob o efeito das toxinas empregadas na sua concepção. Os militares finalmente entenderam isso.
Nos idos de 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff, a cúpula militar encarava Bolsonaro com indisfarçável desprezo. O ex-capitão baderneiro cercava-se por constelações de extremistas de redes sociais que gritavam pela intervenção militar, ameaçando poluir os quartéis com os gases da política golpista.
Dali, numa brusca oscilação, os chefes fardados entusiasmaram-se com uma candidatura que prometia recuperar a estabilidade econômica, exterminar a corrupção e destruir as cidadelas do crime organizado.
A velha desconfiança dos políticos profissionais, os ressentimentos nutridos pelas comendas oficiais concedidas a Marighella e Lamarca, o sonho desvairado de restauração da imagem da ditadura militar contribuíram para o imprudente abraço dos militares ao candidato da direita populista.
Do desprezo ao entusiasmo —e deste ao pânico:
— o clã familiar dos Bolsonaro, permeado por loucas ambições, inclina-se à guerra palaciana permanente;
— as claques do baixo clero parlamentar que rodeiam Lorenzoni e Bebianno prometem engolfar o governo em perenes disputas mesquinhas;
— os dois ministros nomeados por Olavo de Carvalho, o Bruxo da Virginia, personagens atormentados por moinhos de vento puramente imaginários, fabricam crises fúteis em série.
Segundo o diagnóstico dos chefes militares, o governo afunda sozinho na areia movediça sobre a qual apoiou seu edifício improvisado.
O poder é verde-oliva... |
Você disse fascismo? Sentenças odientas pontilham discursos das autoridades.
Um projeto de lei assinado por Moro concede às polícias uma licença irrestrita para matar.
No Rio de Janeiro, sob o influxo do espírito do tempo, noticia-se uma chacina policial no Morro do Fallet e tiros fatais de snipers na favela de Manguinhos.
Mas só há fascismo na literatura vulgar de uma esquerda que tudo esqueceu ou nada leu. O governo Bolsonaro, tal como exposto pelo episódio constrangedor da demissão de Bebianno, carece de coesão organizativa, estrutura político-partidária e coerência ideológica mínima.
...e o reality show é laranja. |
Fascismo? Bolsonaro não mobiliza camisas-negras ou falanges, exceto a militância virtual comandada pelo filho Carluxo que vitupera nos subterrâneos da internet.
Um paralelo viável não é com Mussolini, mas com Rodrigo Duterte, o populista primitivo das Filipinas que contaminou suas forças policiais com as práticas do vigilantismo.
No Brasil, um governo desse tipo está condenado à implosão. Daí, o alerta de pânico ativado pelos generais do Planalto.
A defenestração de Bebianno assinala uma transição silenciosa. Que ninguém se iluda: está em curso a intervenção militar pela qual clamavam os patetas civis extremistas na hora do impeachment. (por Demétrio Magnoli)
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