domingo, 2 de dezembro de 2018

UM NOVO MAIO-68 SE DESENHA EM PARIS

Eles usam um colete amarelo e convulsionaram ontem a cidade de Paris, transformada
(em diversas ruas e, principalmente, na região da avenida Champs Elysées e no
 próprio Arco do Triunfo) numa praça de guerra. O contingente policial,
 o máximo do qual o governo poderia dispor, não foi suficiente
para conter a indignação popular. Houve
agitações semelhantes em
toda França.
Os principais ataques com coquetéis molotov, martelos, lanças, quebrando vitrinas das grandes lojas em plena venda e promoção de pré-Natal, incendiando carros, apedrejando policiais, tomando o Arco do Triunfo e quebrando o que encontravam pelo caminho até chegarem ao topo, foram praticados por grupos violentos infiltrados entre os manifestantes.

Porém, o descontrole dos policiais diante da tática de guerrilha desses grupos e o uso excessivo de bombas de gás lacrimogêneo logo na manhã de sábado (01/12), acabou por irritar os próprios manifestantes pacíficos, os quais, se não aderiram ao quebra-quebra, davam seu apoio, esperando que diante da rebelião incontrolável, na qual mais de cem pessoas ficaram feridas e quase 300 foram detidas, o presidente Emmanuel Macron aceitasse retroceder nas últimas medidas que encarecem os combustíveis e reduzem os salários dos franceses.
Tudo lembra Maio-68. A diferença é que, desta vez, o movimento não começou com estudantes, mas com a população dependente do carro para trabalhar; e, numa fagulha, espalhou-se, conseguindo o apoio da maioria da população, cujos salários têm diminuído com impostos criados pelo governo do presidente neoliberal Emmanuel Macron, ausente de Paris por participar do encontro do G20.

O movimento popular de raiva e de revolta começou há três semanas da maneira mais pacífica possível, contra as taxas incluídas no preço da gasolina e do diesel, que tornam o combustível excessivamente caro. Naquele momento, o preço internacional do barril do petróleo, repercutido nas bombas de gasolina, era um fator grave do encarecimento do custo de vida. 

Na última semana, o preço internacional do petróleo diminuiu, embora ainda não tenha chegado aos postos de gasolina. Porém, nestes últimos dias as reivindicações passaram a englobar toda a insatisfação popular, que inclui todos os fatores de elevação do custo de vida, pedindo aumento do salário mínimo e, mesmo a demissão de Emmanuel Macron. 

Ele é um jovem presidente neoliberal de formação tecnocrata, ex-banqueiro, que sucedeu ao governo socialista: 
— inepto no tratamento das primeiras manifestações pacíficas de barragens de carros nas autoestradas; 
— intransigente quanto aos os impostos criados pelo governo, que se nega a reestudar; e
— inábil na transição francesa para as energias alternativas e no respeito às decisões de menos poluição decorrentes do Acordo de Paris.

A intransigência de Macron exacerbou os ânimos e, neste domingo, ninguém pode prever qual será a sequência do movimento dos coletes amarelos e suas repercussões na política francesa.

O movimento começou de maneira espontânea, cidadã, sem chefes, do qual participa o chamado francês médio de salário apertado no fim do mês. A ideia original era de chamar a atenção do presidente para a perda salarial e para que adotasse uma diminuição dos impostos anexados no custo do combustível. 
A maneira antipática como Macron rejeitou fazer concessões ampliou o descontentamento dos manifestantes e o movimento passou a ter o apoio político das extremas direita e esquerda, entre os quais estariam os chamados agitadores responsáveis pelas depredações deste sábado em Paris.

Entretanto, hoje já conta com o apoio dos socialistas e da direita convencional. Ainda ontem, aconteceram manifestações dos coletes amarelos com sindicatos. 

Se essa tendência perdurar e se propagar, com decisões favoráveis a participações das centrais sindicais; e se os caminhoneiros também aderirem, a França viverá um clima semelhante ao de maio de 1968, de consequências imprevisíveis.

por Rui Martins,
no Correio do
Brasil

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