quarta-feira, 24 de outubro de 2018

É COMUNICAÇÃO DE GUERRA: OS DEBATES FORAM SUBSTITUÍDOS PELAS CÂMARAS DE ECO DO SUBTERRÂNEO DAS REDES SOCIAIS

A cara de um (o fascista turco)...
"...[um registro] merece ser feito sobre os danos já sofridos pela democracia brasileira no curso desta corrida eleitoral. É por estes rasgos que o iliberalismo do candidato líder nas pesquisas tende a vicejar, mais cedo do que se espera. Neste balanço, os rasgos mais profundos são a desorganização da esfera pública e a disseminação do pânico e da violência privada.

A democracia, para funcionar como um regime que organiza o poder e oferece oportunidades de participação política, requer protocolos. O debate público requer alteridade e racionalidade. Alteridade significa reconhecer o outro, o dissidente, como igualmente legitimo, como sujeito de direitos, com cujas ideias se deve dialogar e discutir.

E é isso que Jair Bolsonaro está afrontando ao propor prender, perseguir a banir a imprensa livre ou quem pensa diferente.

A racionalidade representa os parâmetros que devem organizar esse debate. Não vale tudo na disputa política. A contraposição de ideias comporta interpretações diferentes sobre um mesmo fato, mas exige fidelidade aos fatos. A eleição na democracia demanda, portanto, debate e linguagem adequada.

Em 2018, no entanto, não tivemos nem um e nem outro. Os debates foram substituídos pela câmaras de eco do subterrâneo das redes sociais. 
...é o focinho do outro (o fascista brasileiro)
Ali, sem a mediação institucional da imprensa, sem a cobrança de fontes e a consistência das informações, a linguagem da democracia foi atropelada pela comunicação de guerra. O adversário foi estigmatizado como inimigo e como inimigo deve não apenas ser derrotado, mas abatido.

Para isso vale tudo. Começa-se por negar a legitimidade do postulante contrário, em uma espécie de argumento contra hominem: se eles quem falam, não está correto. Deriva disso, a eliminação de qualquer possibilidade de discussão.

As fontes, os dados, os argumentos, as evidências não valem, porquanto estão contaminadas pela sua origem. As consequências são óbvias. Sem um escrutínio público consistente, o eleito adquire um mandato com menos constrangimentos do que seria prudente esperar. 

Quem terá legitimidade para dizer sobre seus equívocos no governo? Mais grave: o que serão equívocos, se não há contrapontos, mas posições inimigas, nas quais não se deve confiar?

Foi-se além. A desorganização da esfera pública ultrapassou seus limites e alcançou a vida privada, aqui como violência física. Já são inúmeros os casos de agressão e até de homicídio, ocorridos entre os turnos eleitorais. Os casos deixam claro que a linguagem de guerra de fato comunica a sua mensagem.

Se a democracia é uma opção de conflito procedimentalizado, em que as disputas entre os diferentes deve ocorrer dentro das regras, parece evidente que a Turquia de amanhã já é o Brasil de hoje..."
(trechos principais do artigo A democracia sob eventual governo de Jair Bolsonaro,
de autoria do secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública Renato Sérgio de Lima e o professor de
Direito da FGV Mário Schapiro) 

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