sexta-feira, 13 de julho de 2018

O DESRECALQUE PROTO-FASCISTA É UM ENCONTRO DO PAÍS COM UMA PARTE BRUTAL DE SI MESMO

Por Vladimir Safatle
CAINDO A MÁSCARA
Com a estabilização dos votos em Jair Bolsonaro e a inanição de outros candidatos conservadores, o Brasil começa a ver a máscara cair. Aos poucos, setores do empresariado nacional, dos pequenos comerciantes, das classes tradicionalmente privilegiadas e das igrejas aparecem para expor sua adesão à brutalidade do proto-fascismo nacional.

De fato, esse fenômeno é recente. Quando empresários da CNI aplaudem alguém como Bolsonaro, eles estão a dizer que não estão mais dispostos a pacto social algum, que confiam agora que ganharão em um confronto aberto com seus empregados e com os grupos que procuram, ao menos, regular os excessos do processo produtivo.

Conflitos trabalhistas poderão ser resolvidos a bala, fazendeiros poderão passar por cima de licenças ambientais com trator, qualquer traço de solidariedade social poderá ser chamado impunemente de vitimismo.

Pouco importa qual é, de fato, o programa econômico do candidato ou suas promessas. Liberalismo e protecionismo poderão andar de mãos juntas, já que a questão realmente não passa por aí. Ela passa pelo desejo inconfesso de esconjurar toda e qualquer possibilidade de transformação da sociedade brasileira.

Da mesma forma que Bolsonaro parece ter fixação em banheiros masculinos e femininos, seu eleitorado se volta contra qualquer coisa que pareça colocar a sociedade brasileira fora do eixo de suas formas tradicionais de reprodução.

Nada disso seria compreensível sem lembrarmos dos desdobramentos de 2013. As manifestações de 2013 expuseram a possibilidade de abalar os alicerces do poder governamental brasileiro em profundidade.

Prédios públicos foram queimados, carros de imprensa foram virados, o país viu 2.030 greves em apenas um ano e manifestações todos os dias, ao menos até o mês de novembro.

No entanto toda verdadeira possibilidade de transformação traz no seu bojo sempre uma outra possibilidade, a saber, a emergência de um sujeito reativo. 

Esse sujeito reativo será composto por aqueles que, diante da decomposição virtual da adesão ao poder, aumentam ainda mais sua violência a fim de fazer a roda girar para trás.

Diante da possibilidade de uma mutação no conceito de força que dá forma à democracia —esta força do povo—, haverá aqueles que procurarão recolocar a força em seus fantasmas mais hierárquicos e soberanos.

Contra uma força que se metamorfosearia em dissolução do centro, em destituição do poder e na abertura a uma sociedade descontrolada, haverá sempre aqueles que procurarão a segurança paranoica de uma força que é adesão a um corpo social unitário, estático e violento.

Soma-se a isso o fato de essa regressão social poder agora ser vendida sob a forma de revolta anti-institucional, do poder que não respeita mais as negociações necessárias à governabilidade corrompida.
Não foram poucos aqueles que perceberam que, nos tempos presentes, a extrema direita consegue se colocar como o discurso da ruptura, enquanto os setores progressistas se apresentam como o discurso da preservação (de direitos, de pactos, de garantias).

Em uma sociedade que apresenta a consciência tácita de que suas instituições e sua democracia fracassaram, essa mistura de reação e ruptura é extremamente atraente para alguns.

Por isso, há de se admitir que o fenômeno Bolsonaro não desaparecerá do cenário político brasileiro, mesmo se seu representante-mor for trocado por uma figura mais palatável a certos setores da sociedade brasileira.

Esse desrecalque proto-fascista é um encontro do país com uma parte de si mesmo. Esse encontro ganha agora uma função maior para a definição do futuro. De nada adiantará tentar fazer um jogo miserável entre radicalização e moderação, entre discurso do ódio e discurso do vamos viver juntos.

Como dizia Jean Baudrillard (que tem ao menos o mérito de uma bela frase), "melhor morrer pelos extremos do que pelas extremidades".

7 comentários:

Valmir disse...

o Bolsonaro é até moderado considerando como a esquerda cagou e sentou em cima quando no poder. Hoje o povo sabe o que esperar da esquerda..por isso só tem candidatos conservadores.

celsolungaretti disse...

Que esquerda? Quem esteve no poder foi apenas uma força auxiliar da burguesia, gerenciando o capitalismo numa perspectiva capitalista.

Quanto ao Bolsonaro, lembro um interessante filme do Werner Herzog: "Os anões também começaram pequenos". Alguns deles, quando crescem, viram Hitler...

Rui Martins disse...

Acho muito importante esses alertas contra o nazifascista Bolsonaro. Levei um susto quando li no Facebook que o PT considera Bolsonaro um mito e chamam mesmo de Bolsomito minimizando o risco de chegar à presidência.

Valmir disse...

não Celso..de vc não esperava "a verdadeira esquerda"....como diriam os lesados do PT ou PSOL.
não existe essa "verdadeira" coisa alguma...
o que existe é o que existe..não nenhum ideal delirante e distante do mundo onde vivem as pessoas de carne e osso.
Quanto ao Nazismo, quanto mais se torna possível conhecer as circunstancias da época na Europa mais se torna evidente foi algo gestado pelo caos que a esquerda trouxe ao continente com sua ação tresloucada.
O comunismo sim foi o que gerou o nazismo.

celsolungaretti disse...

Se o termo te incomoda, fiquemos assim: o que os maiores teóricos do marxismo e do anarquismo propunham era algo bem diferente das revoluções do século passado.

Era internacional e não circunscrito a países isolados.

Era socialista e não um híbrido que, em países de desenvolvimento tardio, teve de cumprir também tarefas características de revoluções liberais, como a implantação de uma infra-estrutura de nação moderna.

Então, o que temos é o seguinte: as propostas marxista e anarquista jamais foram verdadeiramente testadas e, em termos teóricos, continuam em pé.

As propostas liberais foram exaustivamente testadas, nas melhores condições possíveis, e fracassaram por completo, ameaçando, inclusive, conduzir a espécie humano ao extermínio.

São as opções existentes: extermínio, barbárie ou a construção de um novo modelo social, baseado na cooperação entre os homens e não na ganância e na competição canibalesca.

Henrique Nascimento disse...

Celso, para eu entender e confirmar o que li em posts anteriores: para a implantação do comunismo (sem problema para mim usar esse termo), é condição sine qua non que que o país atinja um nível de nação moderna com infra-estrutura consolidada aliado a um alto nível de bem-estar social? Sem essa condição, torna-se impossível a implantação de um modelo socialista/comunista baseado na teoria marxista? Se positivo, então explica em parte o porquê do modelo comunista ter fracassado em vários países.
Não lhe parece que existe um certo paradoxo aí?

celsolungaretti disse...

Não. Marx sonhava com o pleno desenvolvimento das forças produtivas, de forma a garantirem todo o necessário para o bem-estar material da humanidade, mas via nas relações de produção capitalistas, limitadas pela ganância, um empecilho a isto.

Então, sua visão era de uma revolução internacional que, a partir das nações com maior desenvolvimento econômico, "destravasse" as forças produtivas em escala global.

E via essas nações desenvolvidas como aquelas que apontariam o caminho para o restante. Ou seja, os grandes avanços começariam nelas e depois as atrasadas seguiriam.

Mas, a revolução inicial se dando num país de desenvolvimento tardio (a Rússia), a grande nação mais atrasada da Europa, bagunçou todo o esquema.

Como Isaac Deutscher colocou, o socialismo soviético foi uma mistura indigesta das teorias revolucionárias mais avançadas daquela época com o atraso secular da Santa Mãe Rússia e o misticismo da ortodoxia grega.

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