quinta-feira, 26 de abril de 2018

FILME "SÁBADO" CONTRAPÕE O BRASIL REAL AO IMAGINÁRIO CRIADO PELOS ANÚNCIOS

Toque do editor
O assíduo comentarista Valmir pediu que eu trouxesse o filme Sábado (d. Ugo Giorgetti, 1995) para o blog, com minhas apreciações, e eu estou atendendo parcialmente: eis aí o vídeo, mas não me aventurarei a desincumbir-me pessoalmente da crítica, pois tenho muita dificuldade em compreender filmes falados em português. 

Minha deficiência auditiva hoje é acentuada. Quando escrevo sobre fitas nacionais, é por tê-las visto no passado distante (caso das do Glauber Rocha). E à minissérie O Mecanismo, recente, eu assisti com as legendas em espanhol que encontrei, uma boa solução, mas nem sempre viável.

Usando o limão para fazer uma limonada, será uma oportunidade para eu aproveitar aqui uma crítica do ótimo Inácio Araújo, a quem conheço de outros carnavais:
Por Inácio Araújo
A melhor sequência de Sábado talvez seja aquela em que a mulher do zelador (Luiza Helena), após descobrir algumas relíquias preciosas, pertencentes a um antigo nazista, atira pela janela fotos, papéis e até uma condecoração de guerra.

É uma cena curta e um dos momentos de atriz mais memoráveis do cinema brasileiro nos últimos anos: ela consegue transmitir, ali, a mistura espantosa de ignorância e auto-suficiência que define, em um nível, o olhar que Ugo Giorgetti lança ao Brasil em Sábado.

Trata-se de mostrar um país ineficiente, atabalhoado, boçal, incapaz de decifrar os signos culturais elementares. Quase sempre, também, predisposto a jogar o tempo (e outras riquezas) pela janela.

Nem por isso o filme é expressão de um desses brasileiros que renegam o país para alardear as virtudes de, digamos, Miami. Seu esforço em captar essas características nos gestos cotidianos dos diversos personagens de Sábado não tem também a intenção de fazer um papel de polícia e juiz das coisas. É como se dissesse: isto acontece; pense o que achar melhor.
O eclético Tom Zé contracenando com Otávio Augusto
Mas esse não é o aspecto central do filme, que se passa em um antigo edifício da região central, onde uma equipe de cinema faz um comercial para a TV. Nesse nível, o da trama, Sábado contrapõe um Brasil real (esse da boçalidade) ao imaginário criado pelos anúncios.

Os anúncios estabeleceram, como se sabe, a ideologia do glamour, da perfeição, das coisas que funcionam. Elas não supõem fracasso e depressão nem no conteúdo (a conquista amorosa é sempre bem-sucedida, graças a tal ou tal produto), nem na forma (os filmes não admitem defeito).

Essa oposição entre real e imaginário é propícia a acertos de contas. Mostrar a realização de um comercial todo certinho e colocá-lo em oposição a uma realidade bem mais áspera poderia ser uma maneira de criticar a artificialidade dos comerciais de televisão. Ainda uma vez, porém, Giorgetti suspende o juízo, quase como um zen-budista: o comercial está lá porque está, é da ordem das coisas e pronto.

No entanto, resta esse abismo desconfortável entre duas instâncias que não se conectam: o real vai para um lado, o imaginário para outro.

Eventualmente, elas se cruzam dramaticamente. P. ex., quando o elevador em que viajam uma diretora de arte pernóstica (Maria Padilha), um cadáver, dois funcionários do Instituto Médico Legal (Otavio Augusto, Tom Zé) e um gordo que só ia comer um churrasco com uns amigos do prédio (André Abujamra).

Começa então a convivência obrigatória que atravessa o filme inteiro— entre seres desiguais e diferentes, forçados a partilhar um mesmo espaço.

É esse o quadro escolhido por Giorgetti para situar o problema que mais parece interessá-lo: o tempo e seu escoamento.

O filme se passa num sábado, que é uma mistura de feriado e dia útil. Nesse dia (e na situação descrita acima) colocam-se urgências exasperantes, como a necessidade de terminar as filmagens ou de consertar um elevador. Paralelamente, uma série de obstáculos colocam-se a esses objetivos e produzem o desperdício de tempo.

Giorgetti insere aí tanto o ganho engendrado pela perda (a conversa, o humor, a troca), como a monumental perda gerada pela eficiência (o comercial resulta, no fim, uma futilidade).

É nesses paradoxos que Sábado baseia seu encanto de filme que não tenta impressionar com brilharecos. Traz, em troca, uma vivência e um olhar bem paulistanos, ao juntar no mesmo espaço experiências contraditórias, opostas, em que dois brasis se espelham e se interrogam. É um filme de humor inquieto, que assume seus riscos e sabe administrá-los.

2 comentários:

Valmir disse...

valeu Celsão...na mosca... a já que estou com certo prestigio na casa, continuamos o bate bola: como sei que vc gosta de ver o mundo pela ótica dos filmes, ousaria perguntar: sabia que temos um verdadeiro Fellini aqui mesmo no Brasil? mais precisamente em MG e que faz de Montes Claros o equivalente da Rimini do passado na obra do mestre peninsular? Carlos Alberto Prates Correia, se vc vê os 4 ou 5 filmes dele pelo viés da memoria afetiva, da alegoria e da estética de sonhos (onírico é uma dessas palavras que me dão urticaria nem sei porque) o resultado me parece perfeitamente equivalente ao do grande Federico. Pena que tenha problemas de audição porque no caso dos filmes dele, e por ser na nossa língua, isso é crucial não é?
enfim..como somos todos meio idiossincráticos pode ser que que vc não concorde com o paralelo não é? mas não custa lembrar para o caso que vc querer rever - pq certamente já viu - e do mesmo modo que Sábado trata da insensatez de nossa boa gente pela ótica paulistana...essa outra obra é um equivalente mineiro.

celsolungaretti disse...

Desta vez vou ficar devendo, Valmir. Existe pouca coisa dele disponibilizada no Youtube e eu não domino a técnica de processar os filmes para exibi-los no blogue.

Eu só sei garimpar downloads e legendas compatíveis, sincronizar e assistir no computador ou botar num DVD. O resto para mim é grego.

O CABARÉ MINEIRO existe no Youtube, mas em cópia ruim, muito escura, há cenas em que mal se veem os personagens.

NOITES DO SERTÃO está satisfatório e eu o aproveitaria... se quem postou não tivesse desativado a incorporação. Que chato!

Há duas outras postagens, mas com duração menor. Eu não posto filmes que, por qualquer motivo, tenham sido cortados. Cortar para reduzir o tamanho adultera o filme e a coisa piora ainda mais quando se trata de censura.

Se de repente vc souber de um jeito para eu mostrar algum filme dele em boas condições no blog, me avise. Abs.

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