O STF E A SACROSSANTA REPÚBLICA
das instituições, compromete políticas públicas nas
áreas sensíveis como saúde e segurança, além
de afetar o próprio princípio democrático"
(Celso de Mello, ministro do STF)
O poder Judiciário serve a uma ordem jurídico-constitucional republicana que é injusta na sua essência constitutiva, daí ser o carrasco executor da própria injustiça.
De modo cego e irrefletido, faz cumprir uma sentença que lhe é anterior, ditada por princípios iluministas republicanos que, falaciosamente, parecem ser isonômicos, mas embutem, sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, a explícita prática:
- da desigualdade econômica e social;
- da concorrência fratricida que torna todos inimigos de todos; e
- da falsa liberdade, pois todos têm apenas o direito de escolher a quem servir como escravos indiretos, via trabalho abstrato, da lógica do capital (a qual tem nos capitalistas os seus representantes, que dela tiram proveitos transitórios durante as suas vidas ou parte delas, pois correm sempre o risco de se tornarem falidos);
Sob a ordem capitalista, tais ditames são, na questão patrimonial e política, intrinsecamente injustas, o que, por dedução lógica, transforma o poder Judiciário no carrasco dessa mesma ordem.
Mas os magistrados não devem ser vistos apenas como obedientes servos de uma ordem jurídica intrinsecamente injusta; são geralmente cultos defensores dos princípios republicanos que os jungiram ao poder jurisdicional, como se tais princípios fossem a tábua dos mandamentos divinos que devem reger os atos sociais, servindo-lhes de norte referencial. As leis da republica passam, assim, a serem uma sacrossanta bíblia social.
A luz iluminista republicana, surgida quando as relações mercantis de produção de mercadorias já não cabiam dentro da ordem social estabelecida pelos princípios fisiocratas medievais, pareceu aos olhos de todos um sol primaveril. No entanto tal sol, mesmo representando uma luz lançada sobre as trevas escravistas e feudais, não trazia o clarão definitivo que muitos esperavam dos princípios republicanos iluministas, sob os quais se fez a revolução burguesa.
Ao contrário, a república representava apenas os interesses um novo tipo emergente de escravização social indireta, na qual todos deviam servir a um novo Deus, desumanizado, impessoal, dissociado das consequências e infortúnios sociais e ecológicos provocados a partir da mediação social feita sob seus critérios autotélicos – a forma-valor.
Assim, para dar forma jurídica ao novo contexto mercantilista ascendente, criou-se o Estado republicano como esfera jurídico-constitucional que não deveria servir a um monarca ou a um clérigo, mas a uma ordem jurídica impessoal que, acima de qualquer personalíssima deferência, deveria servir à lógica da auto-reprodução do capital, independentemente das contradições internas e escravagistas nele contida.
Entretanto, o sol iluminista republicano apenas queimou a face dos empobrecidos e exauridos trabalhadores assalariados ditos livres, para, no estágio atual do desemprego estrutural, sequer lhes proporcionar a possibilidade de viver miseravelmente como produtor de valor (dinheiro e mercadorias) via trabalho abstrato.
Agora a razão iluminista, que já era falaciosa no seu sentido libertador, atinge o seu ocaso, dando lugar ao desespero de uma vida sem perspectivas numa sociedade decomposta socialmente, economicamente e organicamente, cujo empirismo da vida cotidiana se distancia cada vez mais da verborragia jurisdicional de defesa das virtudes do estado de direito, da justiça lato sensu e da capacidade de promoção do bem-estar social.
É neste sentido que as leis republicanas e todo o seu arcabouço jurisdicional defendem o princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, justamente porque todos se tornaram súditos da irracional e desumana lógica republicana que dá sustentação jurídica e constitucional à mediação social patrocinada pela produção do valor.
Em nome dessa lógica, republicana, podem-se cometer as maiores injustiças jurisdicionais, numa prática perversa da desigualdade sob o pressuposto da igualdade de tratamento jurisdicional e do fim justificando os meios, independentemente de qualquer critério humanista.
Quando vejo um magistrado, do alto de sua auto-presunção de correção jurisdicional e conscienciosa, justificar-se com a afirmação de que sou um magistrado da república e julgo republicanamente, tenho a sensação de que tal magistrado se desnudou de todo o sentido humanista que deve estar contido na mais alta função social – o múnus jurisdicional – para assumir uma postura de defesa de uma ordem que é injusta no seu sentido social e parcial quando colocada sob o crivo do senso mais elevado da moral humanista e do ideal de realização da justiça.
O Supremo Tribunal Federal, guardião da ordem constitucional (essencialmente burguesa) no plano jurisdicional, é, por essa condição inarredável, um tribunal político.
Como tudo no capitalismo é contraditório, destrutivo e autodestrutivo, o Poder Judiciário vive sob o constrangimento dessa contradição que se evidencia cotidianamente sob vários aspectos, muitas vezes se explicitam entre o mérito da sentença de julgamento e a capacidade material de cumprimento dessa mesma sentença pelo próprio Estado do qual dito poder faz parte (já faltam até tornozeleiras eletrônicas e as cadeias superlotadas mais parecem masmorras medievais).
As esferas jurisdicionais de primeira instância, como um jovem tenente saído das academias militares, acreditam ingenuamente no rigor da letra da lei em relação à força coercitiva do Estado falido, sem darem maior ênfase aos objetivos teleológicos inconfessados da república, e as aplica disciplinadamente.
As esferas jurisdicionais superiores, tais como os generais advindos das mesmas academias militares, por compreenderem que o céu não é tão perto como possa parecer, ponderam sobre a repercussão de suas decisões no plano político, cientes de que são partes integrantes de um universo mais abrangente de relações e interesses.
Resulta da contradição própria do capital um conflito entre a defesa econômica do Estado, combatendo a generalizada corrupção com o dinheiro do erário dito público (que é fonte pagadora do próprio Poder Judiciário e que os indivíduos sociais transformados em cidadãos presumem equivocadamente ser uma esfera social neutra e isenta, situada acima dos interesses corporativos), feita pelos magistrados de primeiro grau; e a defesa feita pelas instâncias jurisdicionais superiores da política e da estrutura dos poderes Legislativo e Executivo que dão sustentação ao Estado burguês.
Tal conflito desarmoniza a função jurisdicional e demonstra o caráter contraditório, histórico, não ontológico, da própria ordem republicana.
Daí os políticos quererem fugir como o diabo da cruz dos julgamentos de primeira instância que instruem e punem a corrupção com o dinheiro público, preferindo que os seus processos sejam apreciados por uma esfera jurisdicional superior (graças ao foro privilegiado) e com acentuado viés político, tanto que os seus membros são escolhidos pelo dedo indicador do Poder Executivo.
É sua melhor chance de amenização das penas ou até da prescrição punitiva e absolvição plena. Isto sem se falar nos indultos de natal republicanos, previstos constitucionalmente como salvo conduto especial capaz de beneficiar os cidadãos ditos especiais.
Como já dissemos em artigos anteriores, a corrupção com o dinheiro público conspira contra o capitalismo por atingir financeiramente o guardião da regulamentação e controle capitalista – o Estado.
É neste sentido que se estabelece uma contradição entre as esferas de primeira instância, que tentam punir os políticos e empresários corruptos, e as esferas jurisdicionais superiores, que sempre procuram estabelecer uma correlação de harmonia entre os poderes da república, contemporizando e conciliando com seus dirigentes máximos, sejam eles das esferas econômica ou política.
A República e seus poderes Legislativo e Executivo, em rota de colisão com o poder Judiciário e sendo todos servos de um senhor abstrato, o capital em fase de descenso, vivem um processo de contradição expresso na dependência entre si e desarmonia de conceitos e práticas, que correspondem ao contrário do que preceituam os cânones constitucionais quanto às suas funções consignadas nessa mesma carta magna republicana.
Um comentário:
o brasil tem 60% dos advogados do mundo...inteiro. Esse é o problema..
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