quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

"O CARNAVAL REPRESENTA HOJE A GRANDE CATARSE DA NEGATIVIDADE DE UM FETICHE SOCIAL OPRESSOR", DIZ DALTON ROSADO.

"A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na 4ª feira"
(Vinícius de Moraes)
A letra do poetinha na antológica música do maestro Tom Jobim nos mostra que vivemos sob a égide da temporalidade e de um modo sob o qual nos é determinado um breve momento para respirarmos felicidade, antes de voltarmos para a sofreguidão permanente do tempo-trabalho sufocante.

Não fazemos o que nos dá prazer, mas o que nos faz apenas sobreviver. Há um longo tempo todo para o sacrifício, e tempo quase nenhum para a vida.

Na grande avenida onde rolava o carnaval, uma militante um tanto entediada com qualquer coisa que dissesse respeito às dificuldades do difícil embate com as forças conservadoras, encontra-se com um bloco que fazia um escracho ao sistema produtor de mercadoria e de tudo que se lhe incorpora negativamente, e recrimina o uso do carnaval para fins contestatórios. Retruca pejorativamente dizendo: hoje eu quero apenas me divertir e ser feliz...

O bloco contestatório, na verdade, estava justamente se divertindo, mas incluindo nessa diversão o escracho de uma vida que deveria ser plena de felicidade em todos os momentos.

Este episódio, aparentemente banal, revela-nos algo extremamente grave: já estamos condicionados a aceitar passivamente a determinação temporal dos momentos da vida como algo natural, dividindo-os em breves momentos aparentemente bons e outros necessaria e demoradamente maus. 

Ou seja, habituamo-nos de tal maneira à opressão temporal que a acatamos como se fosse uma norma de conduta e não uma forma de coerção que sofremos. Nem sequer nos damos mais conta do quanto estamos domesticados.
Tempo é dinheiro. Esta máxima, cunhada na modernidade (quando a riqueza abstrata assumiu uma forma temporal e abstrata em contraponto a uma forma material), corresponde ao resumo da destrutibilidade de uma vida que é mensurada sob o padrão métrico do tempo-valor.    

O carnaval, nascido num momento no qual aos súditos era permitida excepcionalmente a sátira aos monarcas déspotas e gordos com seus áulicos (daí o rei Momo desde os entrudos), representa hoje a grande catarse da negatividade de um fetiche social opressor num momento de extravasamento da alegria submetida temporalmente.
É dia de carnaval e hoje todos nós queremos nos divertir, mas sem termos de esquecer que essa diversão deve ser e pode ser extensiva a todos nós de modo atemporal. Para isto é necessário transformarmos o modo de ser de nossa vida e estabelecermos a alegria de viver como padrão linear para todos os nossos dias.

RUMO À OCIOSIDADE PRODUTIVA.

O conceito moderno de tempo está estreitamente vinculado às relações de produção de mercadorias, e atinge negativamente todos os aspectos da vida. Assim, como não podia deixar de ser, estende-se, também, ao conceito de lazer, modificando-lhe a forma e o conteúdo.

No capitalismo o tempo se transformou numa mercadoria, posto que a mensuração do valor está condicionada ao tempo de trabalho exigido para o fabrico de uma determinada mercadoria dentro do processo de produção que lhe é inerente.

Em assim sendo, o tempo-mercadoria insere-se na lógica concorrencial de reprodução do valor, que implica a necessidade de aumento constante da produtividade per capita (maior extração de mais-valia relativa); passou a ser expropriado dos trabalhadores de modo violento, exigindo-se dos incluídos no processo de produção uma intensiva carga de trabalho (tempo-produtividade) que se torna massacrante.

Vivemos socialmente sob um modo sacrificante sob muitos aspectos (tempo de transporte de casa para o trabalho e do trabalho para casa, jornada com horas extras e salários cada vez menores em face de um processo inflacionário renitente, etc.) que corresponde a um monótono e repetitivo fazer no qual os poucos momentos de ação fora da ordem, como o carnaval, significa a catarse de uma vida sem sentido.
Agora, paradoxalmente, é esta mesma sociedade do tempo-valor quem exclui do processo produtivo um grande contingente humano, conhecido atualmente como vítima do desemprego estrutural, no qual ocorre uma ociosidade destrutiva e sem poder de compra, responsável em grande parte pelo aumento insuportável do aumento da violência urbana e da criminalidade.

Para os supérfluos sociais ainda resta o bloco de sujos no carnaval ajudados pela cachacinha amiga, ofertada pelos eternos biriteiros solidários.

Na sociedade emancipada do futuro restará superado o conceito tempo-mercadoria, que é sinônimo de alienação; e o tempo de produção dos meios necessários à vida serão associados ao correto conceito de lazer, que significa simultaneamente tempo livre e diversão. Será a era prazerosa da ociosidade produtiva e do desenvolvimento das melhores virtudes humanas. (por Dalton Rosado)
Danilo Caymmi interpretando A felicidade

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails