segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

JÁ FAZ TEMPO QUE EU PEDI, MAS O MEU PAPAI NOEL NÃO VEM...

PAPAI NOEL E O MENINO DE RUA 
(crônica de Dalton Rosado, inspirada na canção Anoiteceu, de Assis Valente)
Anoiteceu

Na vida daquele menino, o clarão do dia representa apenas mais uma etapa da luta pela sobrevivência. Debaixo da marquise, coberto por um velho cobertor furado e tendo como cama uma folha de jornal, acorda e vai para o sinal de trânsito lavar os pára-brisas, na tentativa de ganhar uns trocados e garantir a merenda que serve como café da manhã. 

Se o sino gemeu chamando para a missa e se a gente ficou feliz a rezar, isso não é coisa que lhe pertença, pois ele está mais para o aniversariante do dia do que para um Papai Noel do shopping no qual ele não pode entrar com seus andrajos. 

Aliás, como todo mundo pede presente nessa época, ele até sentiu vontade de dizer ao bom velhinho: Papai Noel, vê se você tem a felicidade pra você me dar... 

Mas logo concluiu que aquele Papai Noel que desceu de helicóptero não pode lhe dar ouvidos. Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel, mas, na verdade, faz tempo que eu percebi que não é bem assim; e felicidade, eu pensei que fosse uma brincadeira de papel impressa no folheto que anuncia a venda de um apartamento de luxo, distribuído no mesmo sinal de trânsito em que eu ganho meus trocados. 
Todo ano é a mesma coisa. Já faz tempo que eu pedi, mas o meu Papai Noel não vem

Pedi um lugar pra morar; uma alimentação decente; tempo, lugar e condições para brincar; e carinho, mas ele nunca me escuta. Será que ainda está vivo? Com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não temAcho que ele é como as pessoas que passam apressadas nos carros de luxo e me veem, mas nunca não me enxergam. 

Mas tem uma coisa que eu não entendo: eu ouço uma música de Natal que todo mundo canta alegremente ano após ano, e as lojas insistem em repetir, mas que fala justamente do triste papel do Papai Noel; eu até já ouvi dizer que essa música foi feita por um homem triste, o Assis Valente, e o que eu acho mesmo é que ele queria zoar com a cara do velhinho; mas ninguém entende mesmo, não é?  

Mas eu vou continuar aqui no sinal ganhando uns trocados e, mais tarde, vou lá pra Favela Cidade Aflita, porque lá tem a distribuição de presentes da dona Ritinha, que passa o ano pedindo doações para distribuir algo pra gente no Natal. Sabe de uma coisa, eu acho que o que existe mesmo é Mamãe Noel, como ela e como todas as mães da favela que dão um duro danado pra sustentar a filharada.

6 comentários:

Anônimo disse...

Fim de ano

Nas ruas a pressa
e a falta de rumo de sempre
Luzes que piscam
para enganar a opacidade do olhar
Em cada canto de loja um Noel
para lembrar que o amor
tem o mesmo brilho de uma Barbie
e pode ser parcelado no cartão
Seguranças atentos
inibem que maltrapilhas crianças
embacem os vidros das vitrines
com seus olhares pedintes
Nas igrejas e bares
a oração e a cachaça
anestesiam a vida de tantos
Enquanto as praias
se entopem de gente
a esperar, ansiosamente,
a chegada de mais um ano velho...

Marcelo Roque

celsolungaretti disse...

Caro Marcelo,

o brilhante texto seu sobre o Natal coloca o dedo na hipocrisia de um momento em que parece que somos obrigados a fingir que tudo vai bem.

Concordo que temos de ter bons sonhos e esperança sempre, e não apenas num período, mas isso não implica necessariamente a perda da visão crítica que em nada deve obscurecer a nossa crença na vida e num futuro onde as riquezas materiais (representadas pelas riquezas abstratas, do dinheiro) não se sobreponham à fraternidade humana e à felicidade geral.

Parabéns e felicidades o ano todo. Dalton Rosado.

celsolungaretti disse...

Um forte abraço, meu caro Marcelo. Foi bom te receber aqui! (Celso)

Anônimo disse...

Dalton e Celso, os textos de ambos são mais que necessários, leio sempre.O Náufrago é um dos raros espaços onde se estimula o livre pensar.

Um forte abraço nos dois !


Marcelo

celsolungaretti disse...

Pra vc também, Marcelo!

VC é um grande companheiro. Só tem um defeito: apoia azarão nas eleições...

Um forte abraço e ótimas festas!

Celso

Anônimo disse...

Hahah... companheiro, saímos derrotados, mas vitoriosos !

Um grande abraço e ótimas festas, Celso !


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