"Na
mesma medida em que a perda de substância do sujeito do trabalho e do dinheiro
tem por consequência a perda de substância do sujeito do Direito e do Estado, o
próprio positivismo constitucional e jurídico ostenta os traços do poder
autoritário e da barbárie violenta; a democracia converte-se no seu próprio
estado de exceção, no qual desvenda o seu verdadeiro rosto." (Robert
Kurz, em A guerra do ordenamento mundial)
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Num determinado momento da nossa história recente, o
Congresso Nacional foi cercado por forças militares e fechado. Os que o
cercavam eram pertencentes à estrutura do Estado; os que estavam cercados
também pertenciam ao Estado. Tal fato era resultante da iminente possibilidade
de ruptura institucional, fato desinteressante aos privilégios da elite
nacional.
A resultante foi uma intervenção do capital internacional (que havia
ajudado financeiramente e com uma espreita militar naval na costa brasileira o desencadeamento do golpe militar e, depois, a gestação do fugaz milagre brasileiro como forma de se
apascentar a ebulição provocada pela insatisfação popular que servia de
fermento à convulsão social em curso.
A
técnica romana milenar do panis et
circenses sempre funcionou a contento quando aplicada à população inconsciente
dos mecanismos sociais de sua opressão, e como forma de manutenção dela mesma.
Agora, acabamos de assistir a um fato historicamente inédito: o Congresso Nacional ocupado por várias viaturas e membros das forças da Polícia Federal que, cumprindo ordem do Poder Judiciário, invadiram suas dependências em busca de comprovação de possíveis e prováveis interferências de membros do poder legislativo contra ações do dito Judiciário. Alguns policiais legislativos foram presos nas dependências do Poder Legislativo e muitos documentos e computadores apreendidos.
Polícia Federal chega ao Congresso Nacional para buscar e apreender documentos... |
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A DITADURA CONSTITUCIONAL
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Todas
as atrocidades cometidas na chamada modernidade tiveram como substrato jurídico
a norma constitucional, ou em pretensa defesa dela.
O partido nazista na Alemanha assumiu o poder legalmente, apoiando-se na norma constitucional que institucionalizou um discurso nacionalista excludente de agressão e assassinatos a cidadãos alemães judeus, comunistas e opositores, bem como de invasões que descambaram na 2ª guerra mundial e na morte de 60 a 70 milhões de pessoas. A máquina assassina nazista teve como condição essencial de sua legitimação o fato de ter exercido o seu poder mortífero dentro do cumprimento da norma jurídica então legiferada.
A ditadura militar brasileira assumiu o poder em 1964 a partir de um golpe militar que teve como justificativa a preservação da constituição ameaçada, para alterá-la três anos depois (1967) sob o arbítrio do autoritarismo político da doutrina defendida por um grupo militar de linha dura.
...como se ainda estivéssemos sob o tacão da ditadura militar. |
Por sua vez, a Constituição de 1988, nascida sob um poder constituinte jungido institucionalmente no caldeirão do anseio de um povo cansado da decadência econômico-institucional e sedento por franquias democráticas, nada mais produziu do que um conjunto de institutos jurídicos que hoje legitimam uma relação social injusta na sua essência e que tem no fetichismo da mercadoria o comando autoritário do sujeito-automático da forma-valor. Embora a causa essencial da segregação social continuasse a mesma, a chamada Constituição cidadã foi sancionada em nome do povo e sob o pálio da sua pretensa vontade, representada pelos Deputados Constituintes.
Tudo isso demonstra cabalmente que não é a norma constitucional legiferada aquilo que proporciona a garantia de justiça social, ou da preservação ou dos direitos civis básicos, mas o que está subjacente à norma: a forma de relação social. Não é por menos que Thomas Hobbes firmou a citação latina auctoritas, non veritas facit legem, ou seja, é a autoridade, não a verdade, que faz a lei.
A Constituição cidadã frustrou as esperanças despertadas |
As nações ditas civilizadas, que sempre viveram bem graças ao seu capital hegemônico, estão agora apavoradas com o desemprego estrutural no seu interior e com a dessubstancialização de suas riquezas abstratas; e reagem histericamente contra as levas de seres humanos colocados à margem do sistema produtor de mercadoria que se deslocam para seus territórios.
Trata-se de um fenômeno comum nas fronteiras dos Estados Unidos com países latinos, cuja mão-de-obra barata já não lhes interessa; e na União Europeia, contra os pobres do leste europeu, asiáticos de todos os matizes étnicos e africanos. O Brasil, ultimamente, passou de importador à condição de exportador de imigrantes e volta e se juntar aos coitadezas do mundo.
Com o capitalismo em crise se modificaram os parâmetros de hegemonia econômica pela conquista militar, embora a guerra de extermínio provocada pela disputa de um novo ordenamento econômico mundial esteja recrudescendo, até porque, adicionalmente, na guerra se compram e se vendem armas, e ainda se matam os imigrantes supérfluos e se toma a propriedade do petróleo (o aquecimento do planeta pela emissão de CO² que vá às favas!).
Com o capitalismo em crise se modificaram os parâmetros de hegemonia econômica pela conquista militar, embora a guerra de extermínio provocada pela disputa de um novo ordenamento econômico mundial esteja recrudescendo, até porque, adicionalmente, na guerra se compram e se vendem armas, e ainda se matam os imigrantes supérfluos e se toma a propriedade do petróleo (o aquecimento do planeta pela emissão de CO² que vá às favas!).
O drama dos imigrantes atinge proporções chocantes |
Mas agora são os excluídos do sistema, tornados supérfluos por não produzirem valor e nem poderem consumir valor, que estão a invadir as ilhas outrora prosperas do capitalismo mundial, num processo de migração populacional continental jamais visto na humanidade.
O acentuado êxodo da modernidade é um fenômeno inesperado
para um capitalismo acostumado à exploração dos eternos pobres do mundo em seus
locais de origem, constituindo-se numa invasão sem armas, meramente presencial e
incômoda. Os errantes de nossa era são tratados como não cidadãos mal-vindos (afinal, no
capitalismo somente se considera cidadão e bem-vindo quem tem dinheiro).
Neste
contexto, a Constituição cumpre o seu papel conservador, mormente quando se lhe
dá uma interpretação conservadora, pois, afinal, um mesmo fato social pode ter
interpretações diversas a partir do interesse institucional que lhe é
subjacente.
O
estado de exceção ditatorial constitucional em momentos de crise explicita o que é a democracia burguesa em crise, comprovando a
saturação do atual modelo de relação social. (por Dalton Rosado)
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