Revista e contagem após a carnificina |
Eu ganhava meu pão como redator da Coordenadora de Imprensa do Palácio dos Bandeirantes quando ocorreu o massacre do Carandiru, em 1992. Fazia parte de uma equipe de mais de 20 jornalistas e fotógrafos, incumbida de preparar material noticioso sobre as andanças/realizações do governador e dos seus secretários, além de apresentar a versão oficial dos acontecimentos.
O que se falou a boca pequena nos corredores do palácio, naquele momento?
Que o governador Luiz Antonio Fleury Filho teria ordenado, ele próprio, a invasão da Casa de Detenção, contra a opinião de assessores que o teriam aconselhado a esperar a rendição inevitável dos amotinados, em função da falta de alimentos e de água.
Que Fleury teria dado a ordem por rádio, quando voava de São Paulo para Sorocaba, sua cidade natal.
Que Fleury teria dado a ordem por rádio, quando voava de São Paulo para Sorocaba, sua cidade natal.
O sangue demorou a secar depois que tudo terminou |
Que o secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, teria mentido ao assumir a paternidade da ordem de invasão, aceitando sacrificar-se para salvar a pele do governador, seu velho amigo. Um dos dois precisaria cair para aplacar a indignação pública, depois de a invasão acabar com um saldo de 111 mortos.
Oficiais da PM comentaram em off conosco, os jornalistas da casa, que, cumprindo a ordem recebida, seus soldados se descontrolaram diante do perigo e reagiram por medo: mataram porque temiam ser mortos. Diziam que, quando o pânico desperta o instinto assassino, oficial que tenta impedir a matança é baleado também.
Se acreditarmos nesses papos de bastidores, os 74 PM's cujos julgamentos acabam de ser anulados seriam apenas os peixes pequenos da história. Mas, peixinhos malvados e indignos, que atiraram em gente indefesa pelas costas, enchendo-os de balas!
É importante que a decisão da 4ª Câmara do TJ paulista não prevaleça na batalha legal que há pela frente. Oficiais que não controlaram seus efetivos (supondo-se que o tenham realmente tentado) e soldados que esgotaram seus pentes de munição no frenesi da matança não podem ficar impunes, caso contrário se abrirá um precedente terrível para a civilização: o de agentes do Estado, quando ameaçados, sempre atirarem para matar, convictos de que não serão depois punidos.
Dez anos depois a Casa de Detenção foi desativada |
Mas, que a desigualdade de tratamento incomoda, incomoda. Seria mais fácil fazer-se Justiça caso a corda não tivesse arrebentado do lado mais fraco, como sempre.
Afinal, Fleury nada sofreu; Pedro Franco só perdeu o cargo; José Ismael Pedrosa (então diretor da Casa de Detenção), idem; e o Cel. Ubiratan Guimarães (então comandante de Policiamento Metropolitano da PM) foi inicialmente condenado, depois absolvido, acabando por morrer antes de esgotados todos os recursos legais, sem ter ficado um único dia preso (de quebra, elegeu-se deputado!).
O meu palpite é de que nem os réus serão absolvidos, como quer um dos desembargadores responsáveis pela polêmica decisão desta 3ª feira (27), nem as condenações restabelecidas. A tradição brasileira é retardar o desfecho de casos em que o veredicto, qualquer que seja ele, contrariará muita gente.
Então, para empurrar o massacre com a barriga, nada melhor do que um novo julgamento, que levará anos. Afinal, conforme a frase atribuída a Charles De Gaulle, o Brasil não é um país sério.
O meu palpite é de que nem os réus serão absolvidos, como quer um dos desembargadores responsáveis pela polêmica decisão desta 3ª feira (27), nem as condenações restabelecidas. A tradição brasileira é retardar o desfecho de casos em que o veredicto, qualquer que seja ele, contrariará muita gente.
Então, para empurrar o massacre com a barriga, nada melhor do que um novo julgamento, que levará anos. Afinal, conforme a frase atribuída a Charles De Gaulle, o Brasil não é um país sério.
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Assista aqui, na íntegra, o filme de Hector Babenco sobre o massacre.
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