A NOVA E DESPÓTICA FUNÇÃO DO ESTADO
COMO MANTENEDOR DO CAPITALISMO
Por Dalton Rosado |
"A ditadura perfeita terá as aparências de democracia;
uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não
sonharão sequer com a fuga; um sistema de
escravatura onde, graças ao consumo
e à diversão, os escravos terão
amor à escravidão."
(Aldous Huxley)
Nas sociedades agrárias, feudais, pré-capitalistas, era a aristocracia rural quem comandava o processo de produção e dava as ordens locais numa modalidade de escravidão na qual os servos eram a máquina de produção, posto que, como o próprio nome indica, eram escravos que serviam aos parasitários proprietários de terra.
Vivia-se a era da fisiocracia, na qual se entendia que toda riqueza se consubstanciava na terra que tudo produzia (ainda predominava a riqueza material e não a riqueza abstrata, da forma valor). A produção de bens necessários ao consumo humano era detida em grande parte pelos proprietários rurais; os servos produziam para si em terras a eles reservadas, geralmente as menos produtivas, delas tirando os seus precários sustentos em poucos dias da semana (os de folga); nos demais dias produziam para o senhorio.
Havia também o sistema de produção no qual os servos ficavam com uma menor parte dos produtos agrícolas por eles produzidos (uma exploração material, irmã gêmea da futura extração de mais-valia).
Nas fazendas de tudo se produzia para um consumo de subsistência e restrito a utensílios rudimentares. Havia pouca produção excedente (em razão do baixo nível de produtividade de então) que era trocada por mercadorias não produzidas nas fazendas; tal comércio se operava nas feiras dos pequenos burgos (núcleos embrionários das cidades), consistindo geralmente em artefatos fabricados pelos oficiais carpinteiros, funileiros, tecelões, etc..
Emissão de moeda sem lastro causa uma "absurda inflação" |
Tal produção era trocada muitas vezes sob a prática do escambo (mercadorias por mercadorias) ou por pagamento em moeda emitida pelo poder monárquico-teocrático com valor definido pelo próprio monarca, que era detentor de riquezas materiais enquanto proprietário de terras ou cobrador de impostos em mercadoria sem vinculação com a substância do valor oriunda do trabalho assalariado. A moeda emitida pelo reino era aceita como representação do valor por critérios de mera credibilidade no emissor monárquico e aceitação por todos como válida.
Com o advento das armas de fogo e o enfrentamento bélico de regiões e reinos contra seus adversários (outras regiões e reinos) visando ao domínio governamental e subjugação dos dominados, foi se estabelecendo a necessidade de formação de exércitos regulares, com armas e equipamentos, cujos guerreiros treinados recebiam soldos militares, sendo pagos em dinheiro (daí a palavra soldado). Daí adveio a necessidade cada vez maior de dinheiro em espécie, emitido pelos governantes.
Ao mesmo tempo, foi-se incrementado o comércio de mercadorias em dinheiro nos burgos e o dinheiro passou a ser representado por metais nobres (cunhados em ouro, prata ou em ligas metálicas minerais). Paulatinamente foi se corporificando a substituição do dinheiro sem valor, meramente simbólico do poder e credibilidade governamental absolutista monárquico, pelo dinheiro fundado na produção de mercadorias, fossem elas produzidas por servos e escravos de toda natureza ou pela incipiente forma do trabalho assalariado de então.
Todas as formas de produção tinham como fundamento a escravização (tanto assim é que a palavra trabalho deriva do latim tripalium, um instrumento de tortura do Império Romano), até atingir o estágio mercantil one world, no qual o grande móvel de um sistema é o trabalho abstrato na produção de mercadorias, binômio da constituição da forma-valor que submete hoje todas as sociedades.
"Um mero título de crédito dos governos" |
O antigo modus operandi dos governos monárquicos absolutistas com relação à moeda está voltando a ser adotado na atualidade: a emissão de moeda sem lastro de dólar estadunidense (moeda universal) e do euro pela União Europeia, em grandes volumes, tem sido uma prática usual como forma de suprimento da minguante massa global de valor produzido mundialmente.
Isto se dá porque a produção tecnológica de mercadorias hoje prescinde do trabalho abstrato num patamar incompatível com a necessidade de circulação monetária, daí decorrendo a emissão de moeda sem lastro, que se constitui na causa da absurda inflação mundial nos últimos 50 anos.
Assim é que a onça ouro em 1968 valia US$ 200,00 e hoje, passados apenas 48 anos, vale US$ 1.278,38, demonstrando que a moeda internacionalmente aceita como padrão monetário, teve uma desvalorização de mais de 500%. Como os Estados Unidos emitem moeda internacional desde o pós-guerra (1945), sua inflação é exportada para os países mundo afora.
Estes, ainda por cima, acabam arcando com maiores índices inflacionários, pois não podem emitir moeda sem lastro, sob pena de fazerem explodir suas próprias inflações! Trata-se, evidentemente, de um mecanismo desigual e injusto.
O dinheiro está deixando de ser lastreado pelo valor para se tornar um mero título de crédito dos governos, destituído de valor válido, ou seja, daquele que é lastreado na produção de mercadorias. Consequentemente, estamos caminhando para um impasse no qual todas as regras da ciência social econômica deixarão de servir como lógica de administração do funcionamento social e passaremos a viver sob um critério despótico, com a vontade política do Estado estabelecendo quem vive e quem morre. Sob a égide de tal regramento social, caminharemos definitivamente para a extinção bárbara da humanidade.
Ben Bernanke, ex-presidente da Reserva Federal dos EUA |
As incógnitas são as seguintes:
- se conseguiremos entender o que está em curso e nos rebelarmos contra a nova ordem que está se formatando, passando a colocarmos a produção de bens e serviços indispensáveis ao funcionamento das sociedades modernas sob um critério capaz de emancipá-la do conceito mesquinho de riqueza abstrata (mediação social sob a forma valor), de modo a aproveitarmos todo o potencial produtivo disponível pelo saber adquirido pela humanidade, e com práticas ecologicamente sustentáveis;
- se teremos a sapiência necessária para promovermos a sociedade do ócio produtivo e da abundância da produção de bens indispensáveis à vida (como por exemplo, habitação digna para todos) sem a necessidade da produção das quinquilharias que o capitalismo desenvolve como tentativa desesperada de produção e venda para aqueles poucos que ainda podem comprá-las.
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