quarta-feira, 29 de junho de 2016

O QUE OS ATENTADOS EM ORLANDO E ISTAMBUL TÊM A VER COM OS HINOS DA EUROCOPA E DA COPA AMÉRICA?

Por Dalton Rosado
“Aux armes citoyens! 
Formez vos bataillons!
 Marchons! Marchons!"
(A Marselhesa, hino francês)
Assistimos ontem (3ª feira, 28) a mais um atentado suicida, desta vez no aeroporto internacional de Istambul, na Turquia, no qual morreram 36 pessoas e uma centena de outras saíram feridas. Não mais surpresos, mas sim indignados, face à constância com que tais eventos bárbaros estão se repetindo mundo afora. Não se passaram nem três semanas desde a matança em Orlando, nos EUA, com dezenas de vítimas. 

No Brasil já são comuns, infelizmente, as execuções recíprocas de policiais e civis (bandidos ou não) como se vivêssemos numa guerra civil. Aqui os níveis de violência urbana matam tanto ou mais que as guerras convencionais, e são tantos os atos criminosos, sejam de colarinho branco ou dos descamisados, que o Estado perdeu a capacidade de prender, pois, afinal, um preso sai mais caro do que um professor. 

Quando a polícia, uma dos segmentos do braço armado do Estado, faz greve, como a que ocorre agora nos Rio de Janeiro, função precípua do Estado, é sinal que estamos no fim de um modelo social. 

Mas o resultado de um modo de ser social que concentra a riqueza produzida coletivamente, e cujos índices dessa concentração só aumentam, pari passu a um alarmante nível de desemprego estrutural, não podia ser outro. 
Atentado em Istambul...

Não é uma questão de má gestão e corrupção apenas, mas uma questão estrutural contra a qual todos temem o difícil enfrentamento, ainda que estejamos amedrontados e encarcerados nas nossas residências cercadas de instrumentos de segurança ou carros blindados (para quem os tem). 

As discussões sobre o tema se circunscrevem a questões periféricas que tomam a importância de causas centrais, como o correto combate a corrupção (ainda que nele exista muita hipocrisia) e a má qualidade dos políticos, sem que se coloque o dedo da ferida: a inconciliável contradição de forma e conteúdo social consubstanciada num modo de produção que ao mesmo tempo em que transforma a atividade humana em interação com a natureza, fato natural, em uma atividade antinatural e produtora de valor (o trabalho abstrato). 

Isto, ademais, promovendo a obsolescência desse mesmo trabalho abstrato sem que se altere o conteúdo da relação social, ou seja, sem que se supere a mediação social pela forma valor (dinheiro e mercadorias) cuja substância básica de formação é o próprio trabalho abstrato, tornado supérfluo na sua maior parte. Uma irracionalidade própria de sistema incoerente e inconsciente de si mesmo.      

Vivemos há muito tempo numa sociedade marcada pela beligerância fratricida fundadora do capitalismo; dela somos filhos diretos e inconscientes, mas nela continuamos sem nos apercebermos das causas originais de sua negatividade.  
...e matança em Orlando, duas faces da mesma moeda...

A constatação da beligerância intrínseca ao sistema é óbvia, e basta vermos o conteúdo das letras dos hinos da Eurocopa e da Copa América que se realizam na França e se realizaram nos Estados Unidos, respectivamente, quando tivemos oportunidade de conhecê-las, e comuns aos muitos países que dela participaram/participam. 

O que chama a atenção é o conteúdo belicoso de tais letras, nas quais estão inseridas palavras como guerra, morte, sangue, defesa, etc. Tal vocabulário decorre de um fato inconteste: os países se formaram dentro de uma disputa territorial ou colonial na qual o vencedor geralmente obtinha a vantagem sobre os vencidos, e as independências nacionais foram obtidas em lutas que não significaram a abolição do caráter belicista de cada país independente. 

No momento em que escrevemos esse artigo verificamos uma desintegração da União Europeia que nada mais é do que a incompatibilidade entre a mediação social feita pela forma-valor entre países que têm níveis diferenciados de produtividade de mercadorias ofertadas para a guerra de mercado na qual os mais produtivos vencem os menos produtivos.

...a aceitação do inaceitável como normal.
Estabelece-se, então, uma desigualdade perniciosa; 
  • a Ucrânia é persistentemente fustigada pelo conflito separatista; 
  • na África, no Iraque, na Síria e em vários pontos do mundo árabe grupos políticos religiosos e étnicos se digladiam entre si pelo poder territorial nacional; 
  • no mundo capitalista rico, mas agora decadente, refloresce um sentimento conservador xenófobo que relembra o surgimento das ideologias nazifascistas que desembocaram na II guerra mundial, etc. 
A lista de conflitos seria imensa,  se nos puséssemos a citar todos eles...

A humanidade convive historicamente com esse fratricídio graças ao caráter político-mercantil-militar que sempre norteou e norteia a vida social de cada país nacional e as suas relações internacionais. A economia e a guerra de mercado são o que define a política de cada país, e não o contrário. 

Assim, o interesse econômico é a pedra de toque que dita o comportamento da política internacional, e dentro desse critério de soberania da economia sobre a vida social, no qual o Estado e a política são meros subsistemas serviçais e sem soberania, todos querem conquistar mercados, obter vantagens comerciais, preservar as riquezas naturais para si em detrimento dos demais, etc., etc., etc. Tudo ocorre dentro de um reprovável figurino mercantil belicista.

É evidente que as características étnicas nacionais; as artes e a cultura nacional; o esporte nacional, entre outros aspectos da vida nacional, que são manifestações de identidades nacionais, devem ser preservadas e admiradas, mas o sentimento nacionalista exclusivista, muitas vezes racista e de predominante exclusão econômica, e que se pode inferir do texto belicista das letras da maioria dos hinos nacionais que levam os seus compatriotas às lágrimas, deve ser revisto o quanto antes. 

Mesmo porque a cultura da paz não implica necessariamente o fortalecimento para a guerra, como sempre nos ensinaram, de forma errônea, obtusa e desumana! 

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