Por Dalton Rosado |
"Quem tem casa pra morar,
tem meia barriga cheia."
(sabedoria popular)
O capitalismo dá demonstrações de sua exaustão por todos os poros, mas há alguns pontos que evidenciam de modo mais flagrante e explícito a sua natureza segregacionista, socialmente destrutiva e autodestrutiva como forma de relação social.
Dois dos mais perceptíveis exemplos do nefasto resultado do limite interno da expansão capitalista, causa da exacerbação da miséria social crescente, expressam-se no binômio comer/morar. São eles:
a) o aumento da fome mundial; e
b) o da carência de habitação.
Aqui tratamos apenas topicamente do tema habitação, como sugestão sucinta de reflexão, pois o aprofundamento do tema caberia em um livro se quiséssemos aferir com mais acuidade o conteúdo sociológico-estatístico desses dois aspectos.
A terra urbana (e a rural também, que tem outro contexto social, mas com o mesmo resultado segregacionista) é a única mercadoria que não se reproduz e nem se consome de modo a se extinguir. Daí a sua capacidade de servir como instrumento de especulação imobiliária mundo afora, tornando-se muito cara para os padrões dos assalariados.
Ao elevado valor especulativo da terra soma-se o alto custo da construção de uma habitação e da sua infraestrutura viária, sanitária, hidráulica, elétrica, e de serviços urbanos como transporte, educação, saúde, segurança, etc. Uma casa minimamente confortável para uma pequena família, que conte com todos esses insumos indispensáveis a uma habitabilidade digna, não sai por menos de R$ 150 mil ou US$ 43 mil.
Considerando-se que o salário-mínimo no Brasil é de R$ 880 ou US$ 235, o trabalhador levaria 14 anos para obter os recursos necessários à aquisição de uma casa popular, e isto se não tivesse nenhum outro gasto familiar com alimentação, energia elétrica, vestuário, transporte, saúde, educação, lazer, etc.
Para os que estão desempregados no Brasil (e também alhures, incluindo a culta zona do Euro, cujos índices são próximos dos nossos), perfazendo nada menos do que 11% da força de trabalho economicamente ativa ora com poder de compra zero, a possibilidade de aquisição é nenhuma.
Sob o capitalismo, quem constrói as casas, se estiver na faixa salário-mínimo, jamais poderá adquirir uma delas, a menos que sacrifique a família com o trabalho de todos os seus membros, inclusive filhos menores, como sói acontecer; ainda assim, somente conseguirá adquirir um barraco mal construído em áreas de risco ou em áreas de posse precária, padecendo de todas as agruras características de uma vida miserável.
Os valores acima demonstram à saciedade as razões do crescente processo brasileiro de favelização, que não é substancialmente diferente no restante do mundo, com variações a maior nas numerosas populações da África, da Ásia e da América Central.
As estatísticas mundiais do processo de favelização são encontradas, p. ex., numa relatório de 2003 do Programa das Nações Unidas para a Habitação e o Povoamento, intitulado The chalenge of slum (slum é o nome dado a um alojamento superlotado, pobre, informal, sem adequada ligação de água potável, nem esgotos e com poder incerto sobre o solo – a nossa favela),
O quadro que ele mostrava era alarmante... e suas previsões estão sendo absurdamente superadas para pior!
A China contava então com 193,8 milhões de favelados; a Índia, com 158,7 milhões; e o Brasil, com 51,7 milhões.
Os índices de miséria da África eram/são de estarrecer: na Nigéria, país rico em petróleo, existiam 41,6 milhões de favelados para uma população total de 170 milhões de habitantes; a Etiópia tinha 99,4% da população urbana morando em favelas; e em Nairobi, no Quênia, a densidade demográfica das habitações em condições subumanas chegava a ser ainda pior que as de um estábulo, tal o nível de decomposição de habitabilidade.
Na Índia o relatório afirma que cerca de 700 milhões de pessoas satisfazem as suas necessidades fisiológicas nas ruas (vide o livro Planeta Favela, de Mike Davis, Editora Boitempo, 2006). Até nos ricos Estados Unidos se afirmava a existência de cerca de 100 mil pessoas desabrigadas em Los Angeles, Califórnia.
São muitas as estatísticas do horror e da miséria mundiais, suficientes para preencher as páginas de muitos livros com fatos e análises às quais não podemos ficar indiferentes, seja no aspecto humano (principalmente), mas também porque esses contingentes populacionais tornados supérfluos pelo capitalismo estão sendo cooptados por milícias armadas que vendem segurança, por movimentos insurrecionais fundamentalistas, por grupos de traficantes e outras organizações criminosas, etc.
Trata-se de um fenômeno mundial, cujos exemplos são visíveis também no Brasil (caso do índice crescente de assaltos a bancos), representando a fertilização da semente destrutiva da barbárie. Os desesperados imigrantes dos países que já não se coadunam com o ordenamento capitalista mundial que o digam.
A questão habitacional traduz uma clara evidência da pauperização promovida pelo capitalismo em seu estágio de limite de expansão, que implica em involução social, trazendo um resultado trágico não apenas para a periferia mundial, mas também para as restritas zonas de conforto nas quais o capital ainda colhe os frutos da sua exploração mundial.
Estamos todos ameaçados, inclusive ecologicamente, pois os fenômenos físicos decorrentes do ecocídio capitalista não separam países ricos de países pobres, e nem bairros ricos de bairros pobres; neste sentido, os efeitos catastróficos da agressão ecológica são democráticos...
Estamos atingindo um patamar de retrocesso civilizatório que nos obriga a pegarmos o boi pelo chifre, ou seja, a enfrentarmos as causas estruturais de um modelo de relação social que já não pode dar respostas mínimas às necessidades sociais.
Cabe-nos construir novas formas de produção e de organização social, consentâneas com a melhor racionalidade e humanismo, de forma a marcharmos para um estágio superior de civilização. Caso contrário, sucumbiremos à barbárie do retrocesso civilizatório em curso.
A escolha é nossa.
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