domingo, 27 de março de 2016

CONY DESEJOU QUE DILMA E LULA SE F... O TROCO FOI UM CHUTE NA VIRILHA.

O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony se tornou nonagenário duas semanas atrás.

Como não sou preconceituoso nem grosseiro, descartarei o peso da idade como causa de sua coluna infeliz deste domingo de Páscoa. Apenas lembrarei que celebridades idosas tendem a superestimar a própria genialidade e, às vezes, exageram na dose. Sabem como é, após passarem tanto tempo sendo bajulados, acabam por acreditar no confete que os áulicos derramam incessantemente sobre eles. 

O pomo da discórdia são os parágrafos finais de seu texto tedioso-divagativo O felix culpa. Estes:
"A Páscoa é o ponto mais alto do calendário cristão, de certo modo, é a continuação de uma das mais importantes festas do judaísmo, o Pessach, que o próprio Cristo comemorou pouco antes de ser traído e morrer no calvário. 
Enquanto a Páscoa cristã celebra a ressurreição de seu fundador, o Pessach relembra a noite em que os judeus se libertaram do jugo egípcio. 
É uma festa de liberdade em que um povo inteiro prefere passar 40 anos no deserto, mas se liberta do cativeiro. 
Agnóstico por convicção, gosto de comemorar as duas páscoas. Evito o terrível cativeiro de me tornar refém de Dilma e Lula. Desejo que ambos se f..."
O achado não é tão novo assim. Lembrei-me logo da música "Zebedeu", que Sérgio Ricado gravou em 1967, quase meio século atrás. Refere-se a um violeiro que canta suas desventuras para os transeuntes, mas acaba irritado por não lhe darem esmolas e, ademais, zombarem dele e dos filhos. Então arremata: 
"A risada dos presentes, pelo amor de Deus/ Traz o sono à minha gente, pelo Zebedeu/ Eu encerro a cantoria, pelo amor de Deus/ Mandando vocês à merda, pelo Zebedeu".
Achei que Dilma e Lula entraram de gaiatos nessa incomum crônica pascal. Não vi motivo para o Cony citá-los, muito menos de forma tão estridente.  

Mas, como sempre faço nesses casos, repudio também os que dão chutes na virilha como troco, assassinando reputações na base do ouvir dizer

Um daqueles jornalistas que defendem incondicionalmente o petismo correu a comparar a besteirinha atual com dois editoriais golpistas publicados pelo Correio da Manhã (RJ) ás vésperas da derrubada de João Goulart: o Basta e o Fora. Cometeu exagero similar ao que vituperou.

Para começar, editoriais são a voz do dono, ponto final. Pouco importa quem o coloque no papel, tal profissional está apenas expressando a posição do veículo que o emprega.

E tem mais: o rumor de que teria sido ele o escrevinhador de tais editoriais, difundido por Elio Gaspari, foi desmentido pelo próprio Cony, que assim relembrou o episódio:
"Até hoje não se sabe quem escreveu o Basta e o Fora, atribuídos a Edmundo Moniz, que era o nosso redator-chefe. (...) 
Na crise de 1964, os editoriais eram discutidos exaustivamente pela equipe liderada por Moniz e da qual faziam parte Otto Maria Carpeaux, Osvaldo Peralva e Newton Rodrigues, entre outros. 
Eu estava recém-operado, no meu apartamento em Copacabana, e Edmundo Moniz, que ia me visitar todos os dias, telefonou-me para comunicar que Carpeaux desejava pisar forte, com um editorial virulento contra Jango. O próprio Carpeaux sugerira que Moniz me consultasse, uma vez que nós dois éramos afinados, tanto em política como em literatura. 
Minha participação limitou-se a cortar um parágrafo e acrescentar uma pequena frase. Hora e meia mais tarde, Moniz telefonou-me outra vez, lendo o texto final que absorvia a colaboração dos editorialistas, e, embora o conteúdo fosse o piloto elaborado por Carpeaux, a linguagem traía o estilo espartano do próprio Moniz".
Quem respeita as boas práticas jornalísticas, nessas situações nunca omite que o acusado negou a acusação. O leitor que tire suas conclusões.

De resto, Cony tem muitos altos e baixos na sua trajetória. Eu mesmo já o critiquei duramente, mas sem cometer injustiças nem fazer-lhe imputações duvidosas. Neste artigo.

Mas, assim agi porque ele tinha atropelado um princípio fundamental para jornalistas e para revolucionários: a firme rejeição a toda e qualquer forma de censura.

Nunca escreveria com tanta indignação na defesa de políticos, ainda mais quando se trata de presidentes e ex-presidentes cujos governos não foram revolucionários. 

Talvez eu seja um pouco antiquado, mas sempre esquivei-me de qualquer identificação com o poder e suas benesses. Pois concordo inteiramente com o Millôr Fernandes quanto a jornalismo ser oposição, o resto não passando de armazém de secos e molhados. E, se a independência significa tanto para um jornalista, ainda mais imprescindível é para um revolucionário.

Numa sociedade capitalista o poder realmente corrompe. Fede tanto quanto esgoto, carniça e petrolões.

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