sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

EU E DILMA: UM CASO DE DESAMOR À PRIMEIRA VISTA (4ª parte)

Outras cruéis decepções com Dilma vieram na esteira:
  • a negativa pífia ao pedido de asilo de Edward Snowden, sob pretexto burocrático que não iludiu ninguém, Deus e o mundo perceberam que o motivo real foi o receio de desagradar aos EUA;
  • a reação igualmente pífia à constatação de que vinha sendo espionada pelos estadunidenses, preferindo discursar inutilmente na ONU, diante de uma bancada dos EUA esvaziada de personagens do alto escalão, quando tinha uma oportunidade de ouro para dar realmente o troco, revendo a decisão sobre o Snowden;
  • a prorrogação dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade a fim de que o relatório final só fosse divulgado depois do 2º turno presidencial, para evitar que previsíveis protestos de militares jurássicos servissem como munição eleitoral para a direita (ou seja, por motivo politiqueiro, deixou-se de aproveitar o 50º aniversário do golpe de 1964 para aumentar, em muito, a repercussão na mídia dos relatos sobre o festival de horrores da ditadura).
Eram mais razões para eu manter-me à distância da eleição de 2014. Então, nem sequer me animei a protestar contra a negativa de registro da Rede Sustentabilidade, embora estivesse careca de saber qual a mão que movimentara os cordéis nos bastidores. A política oficial me enojava.

Com a morte de Eduardo Campos e a volta de Marina Silva à disputa pra valer, vi com simpatia a possibilidade de outra representante da esquerda interromper o ciclo petista, pois a eternização no poder costuma provocar graves distorções na prática e até na identidade de partidos sem muita consistência ideológica, como o PT (tinha-a em 1980, mas o inchaço, o aburguesamento e a direitização o foram minando cada vez mais, por dentro).

Evitei declarar-lhe apoio, afirmando:
"Marina Silva é uma incógnita; Dilma Rousseff, a continuidade da pasmaceira atual; e Aécio Neves, o retrocesso. 
Aquilo com que sonho não é nenhuma candidatura presidencial de 2014, mas sim a emergência e afirmação de uma nova geração revolucionária, capaz de conquistar nas ruas o que jamais obteremos na Praça dos Três (podres) Poderes".
Mas, vi-me obrigado a sair em sua defesa quando passou a sofrer uma campanha de satanização grotesca e repulsiva, que me fez até lembrar a frase célebre do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels ("Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade").

Mentirosos conscientes de estarem mentindo descaradamente, os responsáveis pela propaganda eleitoral petista e pelo municiamento da rede virtual chapa branca trombetearam que Marina seria subserviente aos banqueiros por estar recebendo o apoio de uma integrante da família proprietária do Itaú.

Omitiram que tal fulana era (é) uma mera herdeira, que apenas embolsa seus dividendos e jamais apitou nada nas decisões do grupo, tendo muito tempo ocioso no seu cotidiano e preenchendo-o com a adesão a causas nobres (na esfera da educação e ecologia, principalmente).  Pior ainda, que ela, na eleição anterior, prestara o mesmíssimo serviço ao candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad.

Depois de martelado à exaustão na cabeça dos crédulos um inexistente vínculo de Marina com banqueiros, a campanha de Dilma passou à mentira seguinte: de que a malévola ex-seringueira, na Presidência, imporia um perverso ajuste fiscal, tirando a comida da mesa do povaréu, enquanto a santa Dilma jamais maltrataria os coitadezas. Nem que a vaca tossisse ela mexeria nos direitos trabalhistas, etc.

Desde o primeiro momento tentei dissuadir os grão petistas de cometerem tal infâmia, lembrando que o nosso lado não pisa no pescoço da mãe para ganhar eleições presidenciais; que, para nós, a verdade é (ou deveria ser) revolucionária; e que, antes da degringola ideológica das últimas décadas, tratávamos os lacaios da burguesia e a ralé ditatorial como inimigos, mas respeitávamos os esquerdistas de outras tendências como adversários, tentando destruir politicamente os primeiros e trazer para o nosso lado os segundos.

Um de meus piores pesadelos sempre foi a tragédia que se abateu sobre a mais proletária revolução do século passado, a soviética, que terminou melancolicamente com uma bestial e parasitária nomenklatura encastelada no poder. Nos nefandos julgamentos de Moscou, veteranos e dignos revolucionários, com décadas de heroicas lutas travadas em seu currículo, eram submetidos a intermináveis torturas e acabavam vindo alquebrados a público admitir que haviam sido sempre espiões das potências imperialistas, envolvidos em conspirações tão mirabolantes como as dos vilões da série 007 (envenenar os reservatórios de água, p. ex.).

Foi canalhice equivalente, embora em miniatura, que o PT cometeu com Marina Silva, a filha pródiga do petismo: desconstruiu-a fazendo o povo acreditar que fosse uma envenenadora de represas. Refleti que um partido que recorre a tais ignomínias para permanecer no poder já está descendo a ladeira.

Paralelamente, comecei a perceber a insistência com que os poderosos do capitalismo exigiam do novo governo, qualquer que fosse ele, a adoção de medidas recessivas na economia. Era uma ação concertada, agressiva. E, analisando os três candidatos principais sem ilusões, cheguei à conclusão de que nenhum deles resistiria a tal rolo compressor.

Isto acendeu o alerta vermelho na minha mente. Os anos de trabalho indesejado em editorias de Economia, remédio amargo que tive de engolir por falta de melhor opção, familiarizaram-me o suficiente com o mundo dos negócios para saber muito bem o que vinha pela frente, um festival de iniquidades, injustiças e abusos contra os explorados.

Aí, mais do que nunca, passei a considerar fundamental a alternância de poder: qualquer partido de esquerda que fosse cumprir o que o poder econômico exigia estaria se condenando à desmoralização e ao opróbrio.

Pior, muito pior, se o partido atendesse pelo nome de PT. Pois, certo ou errado, o povo o vê como a esquerda no poder. E a esquerda no poder não pode se tornar neoliberal da noite para o dia, arrochando os coitadezas para garantir que os bancos brasileiros continuem entre os mais lucrativos do mundo.

A reeleição de Dilma foi a pior vitória de Pirro que poderia nos acontecer: trazia embutida a destruição do PT e da credibilidade da própria esquerda, que demorará uma eternidade para recuperar o prestígio com que saiu da ditadura militar.

Dilma.2 começou da pior maneira possível, com a posse de um office-boy do mercado como ministro da Fazenda: Joaquim Levy, economista sem brilho acadêmico e que respondia por uma diretoria secundária do Bradesco, cujas principais credenciais eram a de ser neoliberal desde criancinha e vir indicado pelo patrão Luís Carlos Trabuco, que astutamente se recusou a assumir ele próprio o posto, quando Dilma o convidou.

Iniciava-se o ano perdido de 2015, que acabaria superando minhas mais pessimistas previsões. (continua)

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