Por Guilherme Boulos |
VAI TARDE
A saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda é uma boa notícia. Levy entrou há um ano prometendo ajustar as contas, que hoje estão ainda mais desajustadas. Prometeu também uma "travessia para o crescimento", mas afundou o país em uma recessão histórica. Era o fiador do "grau de investimento". Este também se foi.
A questão agora é se a política econômica vai junto com o ministro. De nada adianta crucificar Levy e esquecer que foi Dilma quem o colocou e o manteve até agora. De nada adianta tirá-lo do cargo e deixar intocada a política suicida de austeridade (*). Seria trocar seis por meia dúzia.
O ajuste fiscal de Dilma e Levy –além de desastroso para os trabalhadores– jogou a economia num ciclo vicioso, alavancado pela redução do investimento público, a retração do consumo e o aumento dos juros.
O desestímulo à atividade produtiva e ao consumo popular reduziu consideravelmente a arrecadação. Em outubro, caiu 11,3% em relação ao ano anterior. A queda acumulada de 2015 chega próxima a 4%, levando à pior arrecadação em cinco anos. Redução da arrecadação significa desajuste fiscal.
Outro disparate foi o aumento galopante dos juros. Das eleições de 2014 para cá, a taxa Selic foi elevada em 3,25%. Segundo cálculo do economista João Luis Mascolo, realizado para a BBC, cada meio ponto percentual de aumento dos juros representa um ônus de até R$ 10 bilhões por ano para a União com o pagamento da dívida pública. Ou seja, R$ 65 bilhões de acréscimo com juros apenas em 2015. Novo desajuste fiscal.
Por isso, este ajuste não é apenas antipopular. Além de atacar direitos trabalhistas, cortar investimentos em programas sociais e produzir recessão e desemprego, nem sequer ajustou as contas. Ao contrário, ampliou o rombo.
Para manter o pacto com a elite financeira, Dilma reforçou a ideia do senso comum midiático de que as dificuldades fiscais remetiam a gastos sociais elevados. Argumento falacioso de quem tem preguiça de ver os números. Muito mais do que programas sociais, o que pressiona o Orçamento são as desonerações fiscais e subsídios pelo BNDES –o Bolsa Empresário– e principalmente os escorchantes juros da dívida pública –o Bolsa Banqueiro.
Neste ano, estima-se a perda de R$ 104 bilhões em desonerações e R$ 25,5 bilhões em empréstimos subsidiados, que, aliás, foram ambos "compensados" pelos empresários com retração de investimentos e com demissões. O gasto com juros da dívida ultrapassou R$ 277 bilhões. A previsão para o Orçamento de 2016 é de R$ 304 bilhões, sem contar a amortização.
Já o investimento com o Bolsa Família foi de R$ 27 bilhões neste ano. Com o Fies de R$ 12 bilhões. O Minha Casa, Minha Vida foi praticamente paralisado em 2015. O ajuste fechou a torneira no andar de baixo e a manteve escancarada no andar de cima.
Essa política fracassou. Conseguiu de uma só vez agravar a recessão, retrair a indústria, ampliar o desemprego e atacar duramente os mais pobres. Só os bancos comemoram novo aumento de seus ganhos.
Levy vai tarde e não deixará saudades. Nelson Barbosa, o novo ministro, cumprirá as ordens da chefe. Resta saber quais serão elas. Afundar o país de vez na política de austeridade ou apontar caminhos populares para o enfrentamento da crise.
Por tudo o que temos visto, é difícil acreditar na segunda opção, mas talvez seja esta a última chance de Dilma Rousseff.
* os grifos são todos meus
2 comentários:
Celso,
Vc foi magistral ao colocar o dedo na ferida que é o "bolsa rico". Afinal, doar 406 bilhões ajuda e tanto para que os pobres empresários e banqueiros poderem continuar gastando com futilidades, luxos e dorgas.
A mudança no austericídeo terá que vir, pois até os parasitas sabem que se matarem o hospedeiro (o povo), morrem também.
O que, porém, não muda o fato de que o estado é um preposto a serviço dos empresários e banqueiros, sempre!
Companheiro,
agradeço, mas quem merece o elogio é o Guilherme Boulos, o autor do artigo.
Eu me esforço para colocar diariamente pelo menos um post novo no ar. Mas, nem sempre estou inspirado. Então, costumo também aproveitar textos alheios com os quais concordo parcialmente ou na íntegra.
Esse que vc elogiou foi o melhor que encontrei sobre a mudança ministerial: não basta a saída física do Levy, é preciso que saiam também as concepções que levaram Dilma a escolher o Levy e sustentá-lo durante esse tempo todo.
Um forte abraço e ótimo domingo!
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