Caetano Veloso foi, juntamente com Gilberto Gil, apresentar-se em Israel, apesar de enfaticamente advertido por muita gente boa (incluindo o bispo Demond Tutu e Roger Waters) de que estaria assim coonestando a nova forma de apartheid que o estado sionista hoje personifica.
Na volta, procurou limpar sua barra com um artigo chocho e evasivo, cujo grand finale apenas indica que, talvez, procurará outros lugares para ir rechear a conta bancária:
"Gosto de Israel fisicamente. Tel Aviv é um lugar meu, de que tenho saudade, quase como tenho da Bahia. Mas acho que nunca mais voltarei lá".
"Acho que nunca mais voltarei a recusar um cachê elevado" |
No mínimo, para ser crível, sua mea culpa deveria incluir a doação integral do cachê da discórdia aos que lutam contra a ocupação militar dos territórios palestinos e expurgos truculentos de seus habitantes.
Mesmo assim, um expoente do Movimento Internacional de Boicote (BDS), à falta de coisa melhor, saudou o acho de Veloso, fazendo de conta que não percebeu a ambiguidade da afirmação (quem garante que ele não achará outra coisa se receber uma oferta irrecu$ável, fascinado como mostra ser pela "força da grana que ergue e destrói coisas belas"?).
Compreendo haver sido o mico que o digno médico palestino Othman Abu Sabha teve de pagar para transmitir sua mensagem num jornalão brasileiro. Ele é responsável pela clínica de Susiya e diretor da Sociedade Palestina de Socorro Médico da região de Hebron (Cisjordânia).
Inteiramente solidário ao BDS, transcrevo aqui o artigo de Abu Sabha, até porque fornece um ótimo quadro da opressão do povo palestino por parte daqueles que foram vítimas de um genocídio e parecem ter dele extraído a única e repulsiva conclusão de que mais vale ser quem o pratica do que quem o sofre.
DE SUSIYA PARA CAETANO
Saber da intenção de Caetano Veloso de nunca mais voltar a Israel me deu esperança. Esperança de que há um entendimento crescente no mundo sobre o que está acontecendo na Palestina. É bom saber que a visita de Caetano a Susiya, aldeia palestina na Cisjordânia, ajudou a mostrar que por trás da imagem de um ambiente vibrante de alta tecnologia está uma uma dura realidade de ocupação e apartheid.
Há anos sou o médico responsável pela clínica local de Susiya. No entanto, agora, a clínica e toda a vila estão sob ordem de demolição. Planos e políticas israelenses pretendem limpar etnicamente 60% da Cisjordânia ocupada, começando por 86 vilas rurais e áreas agrícolas que serão destruídas.
O povo palestino está sendo forçado a abandonar Jerusalém: Israel já expulsou muitos e revogou o direito de residência na cidade de 14 mil palestinos. Aqueles que permanecem enfrentam, diariamente, repressão, demolição de suas casas, políticas racistas e linchamentos.
O objetivo é nos situar nas chamadas zonas de realocação, as quais serão circundadas junto ao resto das cidades e áreas residenciais palestinas por um muro de mais de 700 quilômetros de extensão e oito metros de altura.
Se os planos israelenses forem finalizados, o povo palestino estará confinado à faixa de Gaza, às partes restantes da Cisjordânia, menos de 12% de nossa terra natal histórica, e ao exílio, onde mais de 5 milhões de palestinos refugiados esperam que seu direito de retorno seja respeitado. Como diz Caetano, não é essa a paz que queremos.
Não à toa, uma nova geração de palestinos está liderando uma série de manifestações em mais de 50 localidades ao longo das terras controladas por Israel. Esses jovens sabem que Israel não permitirá a eles nenhum futuro e hoje protestam por sua esperança e dignidade. Removem a aparência de normalidade do regime de apartheid, ocupação e colonização de Israel.
Israel, por sua vez, tenta manter uma cortina de fumaça para garantir que relações econômicas, políticas e culturais com o restante do mundo se perpetuem normalmente. Essa é uma das razões pelas quais, há dez anos, chamamos o mundo para pressionar Israel a respeitar suas obrigações, por meio do movimento internacional de boicote (BDS). Um pedido apoiado amplamente pelos palestinos, porque vincula o mundo a nós por uma solidariedade efetiva.
Esse chamado não traz nenhuma solução final, mas reivindica três direitos básicos estabelecidos pelo direito internacional: o direito dos refugiados, maioria de nosso povo, de retornarem; o fim da ocupação e desmonte do muro; e igualdade para os palestinos cidadãos de Israel. Fico feliz que Caetano tenha atestado publicamente que essas demandas têm fundamento.
Para nós, palestinos, romper os vínculos e a cumplicidade econômica e institucional com as violações de Israel é um elemento imprescindível de nossa luta. De Susiya a Salvador, o movimento BDS une as pessoas ao redor do mundo.
Esperamos que Caetano siga conectado com nossa vila e com nossa luta por justiça, liberdade e igualdade. Convidamos Caetano e todos os artistas latino-americanos a se unirem ao BDS e caminharem conosco rumo à paz que queremos.
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