Jacques Brel me chamou a atenção como ator de um filme notável de André Cayatte: Testemunhas do Medo (Les assassins de l'ordre).
Interpretou um juiz de instrução íntegro, tentando fazer com que policiais fossem condenados por espancarem um preso comum até a morte, na conservadora sociedade francesa do pós-1968.
Seus esforços e sacrifícios são inúteis, a impunidade dos assassinos da ordem prevalece.
O filme é de 1971, mas, tendo sido lançado com grande atraso no Brasil, estava em evidência mais ou menos na época do Caso Herzog. Os pontos de contato nos chocaram, a arte antecipara a vida.
Depois, tomei conhecimento da carreira musical de Brel, cujo destaque absoluto é a canção que está na janelinha abaixo, "Ne me quitte pas", composta para a companheira que o estava abandonando: a cantora, atriz e apresentadora de TV Suzanne Gabrielle (desimportante nas três atividades, hoje ela só é lembrada como musa de Brel).
Foi em 1959, quando ele tinha 30 anos.
Os versos são um arraso. Belíssimos. Daqueles que qualquer poeta gostaria de ter escrito.
E a interpretação de Brel, no calor dos acontecimentos, é simplesmente dilacerante.
Merece ser vista e revista infinitas vezes, por aqueles que são suficientemente fortes para gritar suas dores, ao invés de sofrerem em silêncio, como é de bom tom na nossa sociedade repressiva e hipócrita.
Houve internauta a depreciando como "canção de rastejar". Sou muito mais o Paulo Vanzolini: "Se eu tivesse de chorar, chorava no meio da rua".
8 comentários:
Jacques Brel é um dos meus ídolos. Já escutei praticamente toda sua discografia. Magnífico na interpretação teatral e vocal de suas músicas, vc sente toda a dor e a alegria que ele transmite. Existe uk blog português con a tradução de todas as letras dele, se chama "O canto de Brel". O considero junto com Chico Buarque e Bob Dylan os maiores letristas que tivemos. Uma pena ele ser tão pouco conhecido, gostaria se saber se na Bélgica (país natal de Brel) ele é reconhecido. Muito bom ler sobre ele em seu blog, Celso.
Abraços!
Daniel Oliveira
Daniel,
eu conhecia uma ou outra música do Jacques Brel, mas não supunha que ele fosse capaz de fazer algo tão bom como "Ne me quite pas". Uma leitora me deu o link e foi uma revelação.
Curiosamente, no cinema eu já o tinha notado, exatamente por "Testemunhas do medo" e também outros filmes que gostei muito, "Os gangsters de Bonnot" e "Meu tio Benjamin".
Depois, bem impressionado, fui atrás de outras atuações dele. "Fuja enquanto é tempo" eu tinha visto há tempo, mas não sou muito ligado em comédias. Já "Atentado ao pudor" também é muito interessante e ele está ótimo no papel de professor falsamente acusado de assediar uma aluna.
Quanto aos grandes letristas, bota mais um nome na lista: Leonard Cohen. "Everybody knows", "The partisan" e "Stranger song" são clássicos absolutos.
Um forte abraço!
Nunca vi um filme com ele, irei procurar. Tenho um sério problema com filmes, depois de conhecer Al Pacino só consigo ver filmes com ele rs.
Já ouvi muito falar do Cohen, mas ainda não me aprofundei por pura preguiça. Seguirei as dicas.
Abraços!
Daniel,
os filmes com o Jacques Brel são meio raros na rede. Como estou há uns 5 anos garimpando, encontrei os difíceis num determinado momento, baixei, mas hoje estão sumidos. Nas locadoras, os mais "encontráveis" são A AVENTURA É UMA AVENTURA e FUJA ENQUANTO É TEMPO.
Quanto ao Leonardo Cohen, seu melhor concerto é o LIVE IN SAN SEBASTIAN 1988. Aqui no Youtube já não existe mais o filme do concerto inteiro, mas boa parte das canções você encontra, uma por uma.
Abs.
Diria o velho Buk: o amor é um cão dos diabos. Grande interpretação e muito corajoso o ato de tornar público um sentimento tão original.
Rapaz, e o Vandré, hein? Tá completando 80 anos.
Agora há pouco tava vendo o Nelson Motta, no Jornal da Globo,
dizendo que Vandré é um enigma da música brasileira.
Não tem enigma nenhum, a Ditadura quebrou o homem, e que mais?
Eduardo,
ele era só um artista, mas sonhava ser revolucionário. A contradição o detonou.
Estava a salvo no exterior, mas não conseguiu aguentar a barra do exílio, que qualquer revolucionário tiraria de letra.
Negociou a volta com a ditadura que, tão logo ele aterrissou, praticamente o sequestrou e impôs-lhe um tratamento psiquiátrico que o virou do avesso.
Isto não seria suficiente para torná-lo o que se tornou. Mas, creio que aí entra também uma dose de vergonha por não se ter comportado à altura do personagem que queria representar na vida real.
Quando voltei a falar com ele, pouco depois de a "Caminhando" ter sido liberada pela censura e a Simone gravá-la, ele deu-me a entender que temia ser morto pelos terroristas de direita que estavam incendiando bancas de jornal e enviando cartas-bombas. Fingir-se de louco seria uma forma de ser considerado inofensivo, não se tornando um alvo para essa gente.
Parece que gostou da fórmula e que a melhor forma que ele encontrou para levar sua vida adiante foi manter essa ambiguidade sobre se está 'pancada' ou não. É triste.
Pois então, eu fico me perguntando como teria sido o tal tratamento psiquiátrico.
Pelo que você diz a respeito dele, viu-se a certa altura acossado pelo sentimento
da vergonha, e também por um medo enorme, paralisante.
Com toda a sinceridade, não me importa um pepino o fato de ter se acovardado se
foi mesmo isto o que aconteceu. Cada um tem os limites das próprias forças, e Vandré
talvez não tenha lidado bem com isto. O que lamento é não tê-lo como
um bom poeta e um bom cantor do Brasil na atualidade, e um bom fotógrafo segundo
ouvi alguém dizer, aquele tipo eloquentíssimo do Nordeste fecundo, sempre com o
significado de uma grande brasilidade em termos de cultura.
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