terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

GERAÇÃO MALDITA


"O anel que tu me deste,
eu guardei pra me ajudar,
construi numa viola
de madeira o teu altar

O amor que tu me tinhas,
eu roubei pra me salvar,
toda hora em que a danada
da saudade me pegar

Joema dos olho claros,
bem verdes da cor do mar,
me dava tanta alegria
que eu não preciso sonhar

Basta me lembrar agora
das coisas que deixei lá,
Joema, sempre esperando
na praia do grande mar

Valdomiro das estrelas
não podia se encurvar,
tinha tudo que queria,
dizia tudo a pintar

Olhando pro céu de frente,
perdido sempre em chegar,
Valdomiro das estrelas
pedia para voltar

Que faço agora, Maria?
Que faço agora, diz já!
Se longe, eu ouço hoje
as coisas que vão voltar 

Me diz, quem vem comigo
agora, ao Deus dará,
nas coisas de todo mundo,
na vida do benvirá?"

Teledrama inspirado no clima
personagens da música "Das 
Terras de Benvirá", de Geraldo 
Vandré; foi exibido em 
outubro/1978 na ECA/USP.

Exilados latino-americanos vivendo na Europa. Carlos entra com estardalhaço.

CARLOS: Todo mundo preso! (sobressalto geral; Valdomiro erra pincelada no quadro)

GERALDO: Porra, eu já te disse pra não fazer esse tipo de brincadeira! Vai ficar toda hora lembrando as coisas pra gente, vai?

CARLOS: Que é isso, Geraldo, calminha! Não vamos fazer nenhuma tragédia por isso, né? O que passou, passou, ficou pra trás, então temos de encarar tudo com naturalidade. É a única maneira de sair dessa e partir pra outra, né? Então vamos lá, companheiro, abre um sorriso pra gente ver, vá!

GERALDO: E eu vou achar graça do que, da condição da gente aqui, das últimas notícias do nosso país?

VALDOMIRO: Do meu quadro, que você estragou?

CARLOS: Olha, Geraldo, nós aqui não poderíamos estar melhor, afinal não fomos expulsos até hoje. Nosso país (tom irônico), dizem que está virando uma grande potência, a gente deveria até festejar. E (para Valdomiro) esse teu quadro é a milésima versão da Lúcia nas praças e ruas da patriamada. Então, ainda sobram umas 999 pra você ficar aí todo embasbaco e macambúzio, sabe?, olhando a tela como se fosse a Virgem no altar. Só falta você se ajoelhar e beijar o cavalete.

VALDOMIRO: Tá, vai à merda! O que é que um liderzinho estudantil de subúrbio entende de arte? É só pintar um monte de proletas dando com as ferramentas na cabeça de uns burguesões...

CARLOS: É isso mesmo, companheiro! De preferência, uns burguesões de fraque e cartola, alisando a ponta dos bigodes, assim (imita o gesto).

VALDOMIRO: Então, bastaria eu partir prum realismo socialista desbragado pra você logo dizer que sou o maior pintor revolucionário do 3º Mundo?

GERALDO (abrupto): Como é, dá pra você me dizer se trouxe o jornal?

CARLOS: Olha, na edição da tarde tem uma notinha parecida com a da manhã. Diz que oito foram presos e dois feridos, mas não traz o nome de ninguém.

ANA: Mas não deve ser nada não, Geraldo, afinal existem tantos grupos atuando lá na Capital, por que teria de ser logo o do Otávio?

GERALDO: É, mas é uma merda estar aqui, longe de tudo, a gente fica o tempo todo se preocupando. Quando menos espera, abre o jornal e vê que pegaram um companheiro, um amigo...

VALDOMIRO: O que a gente podia fazer, já fez. Se ficássemos lá, com todo aquele clima de luta armada, nuncia iriam deixar que nós continuássemos com os movimentos de cultura popular. Iríamos ser vigiados o tempo todo, perseguidos, presos, poderíamos até virar presuntos e a culpa ser jogada em cima de um Sabado Dinotos qualquer. E nem pra clandestinidade iríamos poder passar, todo mundo já viu nossa cara no jornal, na TV. Iria ser pior pra nós e pros companheiros, que teriam de ficar tomando conta da gente.

CARLOS: Não é nada disso, Valdo, que nada! Vamos voltar agora mesmo que eu atiro livros na cabeça dos reaças, você joga a coleção de Lúcias, o Geraldo atira os discos, num instante a gente faz a primeira revolução tropicalista da História!

ANA: E eu, o que é que eu faço?

CARLOS: Ah, você atira as canetas dos teus alunos. Nunca te contaram que a pena é mais afiada que a espada?

VALDOMIRO: E pra você isso vai ser uma revolução ou uma comédia de pastelão?

CARLOS: As duas coisas juntas, afinal estamos falando de um país latino-americano, né?

* * *


Geraldo recordando a sua saída do país.

JOEMA: É a tua oportunidade, você tem de partir, amor!

GERALDO: Mas, eu posso me esconder na casa da tua irmã, eles não vão me procurar lá...

JOEMA: Ela não concorda com nossas idéias, como é que eu vou pedir que ela se arrisque por nós?! E tem também os vizinhos, tem aquele capitão que mora na esquina, tem os parentes que falam demais, você acabaria preso e complicando minha família!

GERALDO: Tem de haver um jeito de eu poder ficar!

JOEMA: Vai ser sempre um risco inútil, benzinho. Você mesmo me ensinou que o importante é a causa, não as pessoas. Agora é a hora de você se sacrificar, se preservar para o futuro. Afinal, você é um símbolo, teus versos vão continuar inspirando o pessoal daqui. E um dia você ainda vai voltar para cantar nossa vitória, junto com o povo na rua. Você precisa viver para esse dia, amor!

GERALDO: Mas, como eu posso partir e deixar você e o Otávio correndo perigo aqui?

JOEMA: Você me deu os primeiros livros e me convidou para aquelas palestras, quando você quis que eu participasse da tua vida e da tua luta. Você já deveria saber que um dia a gente poderia ter de se separar. Mas não se preocupa, não, Geraldo! Olha, eu tomo conta do Otávio porque ele é teu irmão, ele toma conta de mim porque sou tua companheira, então, no fim, não acontece nada pra nenhum de nós dois, tá, benzinho?! Isso, dá um sorriso, eu não quero me lembrar de você tão sério e carrancudo!

GERALDO: Se fosse tudo tão simples...

* * *

O chamado de Carlos desperta Geraldo de seus devaneios.

CARLOS: Geraldo! Geraldo! Acorda, pô! 'Tava querendo saber se você concorda que um companheiro que você não conhece, o Roberto, venha passar uns tempos aqui com a gente. Ele fez umas ações, caiu em fevereiro e foi pra Argélia no último sequestro. Agora ele se desligou da Organização e está com as idéias meio embananadas; quer parar pra pensar antes de decidir alguma coisa. A gente pode dar uma força pra ele, né, que ele está quase sem grana e precisando mudar do apartamento do Osvaldo. Sabem, tem uns dez caras amontoados lá e vão chegar mais na semana que vem.

GERALDO: Por mim, pode trazer quem precisar, a gente sempre se ajeita.

VALDOMIRO: É, tudo bem.

ANA: Mas, pra mim não está nada bem! Solidariedade, solidariedade, é somente nisso que vocês pensam, não? Que importam as leis de exceção, as torturas, a destruição das entidades de massa? Vocês esquecem num instante que estão aqui por causa dos porralocas dos militaristas! Só querem saber de exibir sua solidariedade revolucionária, seu paternalismo pequeno-burguês, ajudar o coitadinho, pobrezinho, que até ontem estava botando fogo no mundo!

VALDOMIRO: Calma, Ana, calma, o que é que há? Estamos caindo no emocionalismjo, assim não dá pra discutir. Se você acha que o pessoal da luta armada provocou uma radicalização de direita, é um juízo político, a gente pode até concordar com você. Agora, você não pode negar que os companheiros que fizeram essa opção agiram por um ideal. Eles arriscaram a vida...

ANA: É, a deles e a nossa também!

VALDOMIRO: ...arriscaram a vida pra fazer a revolução do modo deles. A História provou que não tinham razão, mas...

ANA: Você está sempre botando panos quentes, sempre conciliando! É por causa de gente como você que esses aventureiros se colocaram à testa do processo, provocando uma ditadura que vai durar uma porrada de anos. E nós estamos aqui, fugindo que nem judeus errantes!

CARLOS: Aninha, Aninha, esse negócio de linhas, tendências, partidos, isso tudo é pra quem está lá no meio da luta. Aqui nós não passamos de uma meia dúzia de subdesenvolvidos, somos que nem um bando de índios na terra dos brancos. Se a gente não ajudar uns aos outros, vem a cavalaria e acaba com todo mundo. Uga, uga, mim, grande chefe Pena Desbotada, decreta a paz entre todos os peles-vermelhas...

ANA: Não brinca, Carlos, vamos discutir a sério. A gente está aqui, longe dos companheiros, dos amigos, não conhecemos quase ninguém aí fora; os gringos não querem nem ver cucarachas perto. A única coisa que sobra é nossa amizade, nossa união. Então, vem um guevarista fanático, com toda aquela carga de violência, e estraga nosso ambiente. Aí nem nesta casa vamos ficar em paz.

CARLOS: Mas Ana, isso é uma imagem que você criou, uma fantasia de sua cabeça. O Roberto não é nada disso. Pelo contrário, é calmo, intelectualizado, entende tanto de marxismo como qualquer um de nós aqui.

VALDOMIRO: Eu acho que você deveria fazer uma autocrítica, Ana, analisar até que ponto teu problema pessoal está influenciando teu posicionamento.

ANA: Eu não tenho nenhum problema pessoal. Eu só queria que vocês pensassem um pouco antes de trazer aqui pra dentro um militarista desses, que vai ficar o tempo todo defendendo o seu aventureirismo e quebrando o pau com a gente!

* * *


Ana relembra a noite de sua prisão, a morte do marido, as torturas.

ANA: Acorda, Ju, acorda!

JÚLIO: Hã, hã, o quê?

ANA: Tocaram a campaínha!

JÚLIO: Mas agora, porra! E que horas... mas são quase quatro horas!

ANA: Meu amor, meu amor, e se for a repressão? Eu disse pra você não ficar dando abrigo pra esse pessoal da guerrilha!

JÚLIO: Mas, que é isso, meu bem? Eu tinha de ajudar, a solidariedade revolucionária... (novo e longe toque de campaínha). Mas, não deve ser nada, não. Fica aqui que eu volto já.

VOZ: Onde é que ele está? Diz logo, filho da puta!

VOZ: Aqui! (fuzilaria)

JÚLIO: Não! Não!

VOZ: Algema ela! Bota o capuz!

VOZ: Quem contatava seu marido? Quando ele ia ter o próximo ponto? Você também conhece os aparelhos? Fala, sua vaca, fala! (Ana grita, ofega)

* * *

Ana e Valdomiro conversando, na calmaria subsequente ao ato sexual.

ANA: Você tinha razão. Era por causa do Júlio. Nem sei se por causa dele mesmo ou da minha vida com ele. Era o que vocês chamariam de uma vidinha pequeno-burguesa, mas eu gostava. Gostava de viver sem susto, cuidando da casa, das crianças, do meu jardinzinho. Toda a rotina de uma dona-de-casa alienada. E daí? Não nasci pra grandes aventuras, nunca pensei em mim transformando o mundo. Acho que casei com o Júlio porque ele era seguro, tranquilo, tomava todas as decisões. Sabia o que era melhor pra nós dois.

VALDOMIRO: E mesmo assim vocês entraram pro partido?

ANA: Bom, até o golpe militar a gente não se interessava pela política. Aí foram todas aquelas prisões, perseguições... o Júlio viajando a serviço e conhecendo aqueles cafundós... tanta miséria, tanta injustiça... No fundo, no fundo, nem ele nem eu seríamos revolucionários se vivêssemos numa democracia de 1º Mundo. Quanto muito entraríamos num partido de centro-esquerda, sei lá... Mas, é que no nosso país a gente não tinha opção. Ou ficava quietinha engolindo tudo que o governo fazia ou entrava pra esquerda. Então, o Júlio acabou entrando e me levando junto.

VALDOMIRO: E acabamos todos no mesmo barco, lambendo as feridas e esperando a hora de voltar...

ANA: Depois de tudo isso eu já nem sei se vale a pena voltar. Se não fossem as crianças...

VALDOMIRO: Nem pense nisso, Aninha. A ditadura não é eterna. A gente ainda vai ver todo mundo feliz, todo mundo rindo, todo mundo se amando. Você precisa voltar pra ensinar a seus filhos, a seus alunos. Explicar pras novas gerações o quanto vale a liberdade. Tudo o que passamos não vai valer nada se a gente não fizer com que essa seja a última ditadura. Se a gente não despertar o povo pra defesa dos seus direitos, pra que o povo nunca mais aceite um regime como esse.

ANA: Do jeito como você fala, parece que a gente vai voltar e encontrar o país do jeitinho que era. Mas, será que com todos esses anos de lavagem cerebral eles não vão conseguir mudar as pessoas? Será que quando a gente voltar o povo ainda vai se lembrar de nós, vai querer ouvir o que a gente tem pra dizer?

VALDOMIRO: Não sei, francamente não sei. Até agora eu vivi para minha obra, e fiz da minha obra o instrumento para despertar as pessoas para a vida, para a harmonia, para a felicidade. Eu entrei na política para aprender mais sobre a vida, para ter coisas mais importantes para transmitir. Se tudo isso não serviu para nada, se quando eu voltar ninguém mais estiver interessado num futuro melhor, em ver na arte o que o mundo deveria ser e depois transformar o mundo... aí, não sei, acho que minha vida terá sido completamente inútil (revê sua dedicação à arte, seus esforços para expressar uma verdade maior nas telas).

* * *

A festa e a batucada com que festejam a chegada de Roberto fazem Carlos relembrar suas alegrias passadas, os discursos que fazia quando o povo ainda tinha lugar na praça.

CARLOS: Eles estão sozinhos, trancados nos gabinetes, escondidos atrás das tropas, prisioneiros do próprio poder. Nós estamos livre no seio das massas, são eles que nos dão esperanças, são elas que nos dão força, são elas que nos apontam o rumo, são elas que nos conduzirão até a revolução. Quando estamos ao lado do povo estamos sempre certos, somos tão fortes que ninguém pode nos derrotar. Quando estamos separados das massas não somos nada, somos a poeira varrida pela História!

* * *


Discussão política, com a participação de todos os membros da comunidade.

ROBERTO: Nós não romantizamos a guerrilha, nem endeusamos as armas. Nosso objetivo sempre foi político. Quando a repressão estourou as entidades de massa, quando eles ocuparam cidades operárias com as tropas para prender grevistas e aterrorizar a população, quando as passeatas estudantis já não tinham o que fazer se não andar de um lado para outro no centro da cidade, então nós nos organizamos para oferecer uma opção, um caminho para o qual pudesse ser canalizado todo esse movimento de massas, criando uma alternativa de poder.

ANA: E isso tudo isolados do povo, escondidos nos aparelhos, querendo fazer a revolução só com estudantes e intelectuais?

ROBERTO: Junto com as massas a repressão acabaria localizando a gente. Prende um operário, ele entrega a base da fábrica, daí é aberto o coordenador do movimento de massas e logo acabam caindo todos os elos da corrente. Para sobrevivermos na luta era necessário nos organizarmos como revolucionários profissionais, vivendo unicamente para a causa.

CARLOS: Mas que adiantava sobreviver se o povo não participava da sua luta nem se interessava por suas ações?

ROBERTO: Numa outra fase do processo executaríamos ações de propaganda armada, como expropriarmos gêneros de primeira necessidade para distribui-los nas favelas, tomarmos supermercados para o povo saquear, ações desse tipo. Além disso, não esperávamos vencer o imperialismo só no nosso país, sabíamos que era impossível. Nossa idéia era desencadear a luta em larga escala, coordenada com os grupos guerrilheiros de outros países, como os tupamaros e o ERP.

ANA: E por que deu tudo errado?

ROBERTO: Foi uma corrida contra o tempo. Nós demoramos tanto para priorizar a luta armada que, quando começamos pra valer, já era tarde, o imperialismo estava bem preparado. Veja o caso do nosso país: eles investiram rios de dinheiro, criaram o milagre econômico, a classe média passou a apoiar o regime, nós acabamos sozinhos e agora a repressão está liquidando nossas Organizações, uma por uma.

GERALDO: Você não acha que foi uma tentativa desesperada?

ROBERTO: Até certo ponto, sim. Nós sabíamos que os militares utilizariam o estado totalitário para conduzir nosso país a um estágio capitalista mais avançado, com o predomínio absoluto das grandes empresas na economia, a colocação do ensino a serviço do capital, a propaganda fascistóide, tudo isso. Então, tínhamos de evitar que eles reestruturassem a sociedade dessa forma, caso contrário as possibilidades de uma revolução ficariam afastadas por um longo período. Foi por isso que arriscamos tudo, nenhum de nós queria esperar mais 20 ou 30 anos por outra situação potencialmente revolucionária.

ANA: Só que, com esse imediatismo pequeno-burguês, vocês acabaram quase todos dizimados e a ditadura ficou ainda mais forte...

ROBERTO: Putz, a companheira pega pesado! Olha, pelo menos uma coisa temos certeza que fizemos: nós lavamos a honra da esquerda, depois daquela rendição sem luta quando os militares tomaram o poder. Quem sabe se nós não pagamos as contas do passado, deixando o terreno limpo para que a juventude entre na luta sem traumas, sem nossa necessidade obsessiva de provar que também tínhamos coragem de sangrar por uma causa?

CARLOS: Mas, a repressão está liquidando as lideranças forjadas em décadas de luta. Assim a juventude ficará sem memória, sem referencial, vai ter de recomeçar tudo da estaca zéro.

VALDOMIRO: Não sei, eu às vezes sinto como se nós fôssemos uma geração maldita, que sentiu como nenhuma outra a necessidade de lutar mas não tinha opção correta para fazer. Parece que a História só nos conduziu a ruas sem saída, e mesmo assim brigamos, polemizamos, discutimos, fizemos o impossível para convencer uns aos outros, trazê-los para a posição que achávamos correta, sem perceber que todas elas acabariam num mesmo fracasso. Num enorme fracasso.

CARLOS: Pelo menos cada um de nós seguiu até o fim suas opções, sacrificou tudo por elas, se entregou à luta como nenhuma outra geração. Esse exemplo a gente deixa pro futuro.

VALDOMIRO: O futuro só fixará nossa derrota. Perdemos, logo estávamos errados. Para eles, esse vai ser o veredito da História.

* * *

Roberto se despede de cada um dos companheiros, pois decidiu voltar ao seu país. Todos estão emocionados. Até Ana o abraça, chorando. Depois que sai, comentam sua opção.

GERALDO: Ele sabe que a luta está perdida, não tem mais nenhuma esperança, então por que é que resolveu voltar? Está indo direto pro matadouro.

VALDOMIRO: O problema do Roberto é que ele perdeu os amigos, os irmãos, a companheira. Todos de quem gostava acabaram presos ou mortos. Ainda por cima, ele não vê a menor possibilidade das coisas melhorarem em nosso país nos próximos anos. Então, o Roberto chegou até a pensar num recuo, mas não viu nada do outro lado. Não havia mais lugar onde quisesse ficar, nem pessoa que o prendesse à vida. Acabou se solidarizando com os últimos da sua Organização. Vão lutar até o fim...

GERALDO: E acabar presos ou mortos.

VALDOMIRO: Ou mortos. O Roberto, pelo menos, acho que nunca vai cair vivo. Ele sabe muito bem o que encontrará nos porões.

GERALDO: É, estamos no tempo dos mártires.

VALDOMIRO: E muita gente ainda vai morrer à toa. Mas, para o Roberto, talvez seja mesmo a melhor opção. Gente como ele aguenta qualquer sacrifício no presente porque vive sonhando com o futuro, com o dia em que nosso país for libertado. Mas, quando descobre que a revolução não é mais pra amanhã nem pros próximos anos, já não consegue voltar pra rotina. A vidinha normal não significa mais nada para ele. O Roberto viveu com tanta intensidade seu sonho que tinha de morrer junto com esse sonho.

GERALDO: E você, ainda tem esperanças?

VALDOMIRO: Tenho pensado muito nisso e acredito que ainda valha a pena viver. Mesmo que as novas gerações não se interessem por nossas histórias, temos de insistir, procurar os meios para transmitir tudo que aprendemos. Afinal, poucos dos que participaram das últimas fases da política revolucionária sobreviveram. Temos de tornar conhecidas as lições que aprendemos com tanto sacrifício, para evitar que a juventude pague o mesmo preço por seu aprendizado. Para isso faz sentido voltar, faz sentido esperarmos o dia certo para voltar.


Obs.: trabalho em grupo feito para a cadeira de Linguística. Tínhamos de escolher uma obra artística, dela derivar 
uma história que permitisse destacar o jargão utilizado por determinado grupo social e apresentá-la por meio 
de audiovisual, programa radiofônico, filme, teleteatro, etc. Sugeri a canção do Vandré sobre exilados 
porque era um assunto na ordem do dia e porque seria fácil trabalharmos em cima do jargão
 da esquerda. Fiquei com a tarefa de criar o script. E acabei me envolvendo muito com 
as situações enfocadas, por estarem próximas da minha vivência. O vídeo 
despertou interesse, causando polêmicas.

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