Neste domingo (25) acontecerá a tourada de despedida na Catalunha; o espetáculo foi proibido graças às campanhas de ativistas dos direitos dos animais.
É a Espanha sepultando suas tradições. A atividade já vinha em franco declínio, com o número de touradas caindo para pouco mais de um terço da quantidade anterior à atual crise capitalista.
Trata-se do tipo de notícia que me deixa dividido. De um lado, estão certíssimos os que querem impedir a imposição de tais tormentos aos touros. Trata-se de uma crueldade? Sem dúvida! Animais não devem ser torturados e sacrificados para nossa diversão? Sem dúvida!
Do outro, sempre me fascinou o desafio à morte assumido por toureiros, pilotos de automobilismo, pugilistas, etc. Que têmpera a de quem entra na arena confiando na sua perícia contra as investidas furiosas de uma montanha de carne!
Segundo um bom amigo espanhol, dos dois ícones máximos das plazas de toros, Dominguín construiu sua fama deixando que as chifradas passassem assustadoramente próximas do seu corpo. O menor erro de cálculo seria fatal. Mas, sua frieza era espantosa; sua técnica, refinadíssima.
E havia também o loco Cordobés, menos estilista e mais raçudo. Este levantava a platéia com seu passionalismo, suas bravatas, como se quisesse igualar a ferocidade do touro, enfrentando-o de igual para igual.
E havia também o loco Cordobés, menos estilista e mais raçudo. Este levantava a platéia com seu passionalismo, suas bravatas, como se quisesse igualar a ferocidade do touro, enfrentando-o de igual para igual.
A altíssima voltagem desses espetáculos não poderia escapar aos artistas. Hemingway e Picasso foram dois que se prostraram à sua beleza selvagem. E a apoteose do toureiro na Carmen de Bizet é um dos temas de ópera mais populares em todos os tempos.
Uma página romântica se fecha, deixando o mundo um pouco menos desumano... e um pouco mais insosso.
São as tais contradições.
6 comentários:
Sou totalmente contra as touradas.
Era uma matança desnecessária. O toureiro não poderia poupar a vida do touro no final das touradas? Ele sempre está com a espada, em vantagem.
Se foi proibida, acho que demorou até demais.
Ismar
Desculpe-me, Celso! Não vejo que o mundo ficou insosso, jamais vi beleza alguma em um "ser humano" "desafiar" um animal estando este em total desvantagem. Barbarismos iguais ainda há pelo mundo, mas algum dia eles se exterminarão endogenamente!
Preciso concordar que nunca vi muita beleza no espetáculo, e nunca considerei os toureiros como corajosos, afinal, o touro já tinha sido espetado no coração várias vezes e estava sempre cansado. Bravura era do animal, que continuava investindo, mesmo a beira da morte. Admiraria um toureiro numa luta de igual para igual, da qual ela não sairia vivo de forma alguma. E admito que sempre tive vergonha de ter tanto sangue espanhol (além de um passaporte) em mim, apenas por causa das touradas.
Atordoado ou não, é um animal poderoso, uma ameaça descomunal. Constantemente toureiros saem feridos ou mortos.
Tentem imaginar-se diante de um bicho daqueles, sabendo que um único vacilo poderá ser fatal. Há formas bem mais amenas de se ganhar a vida.
É, sim, um espetáculo altamente dramático, que tinha tudo a ver com a cultura espanhola do passado.
Admito que fosse cruel com um pobre animal e devesse ser abolido. Mas, não que deixasse de ser fascinante.
Não devemos negar as contradições. Elas fazem parte da vida e de nossa psique. O que nos diferencia das pessoas "normais" é guiarmo-nos por valores éticos, no frigir dos ovos.
Então, posso muito bem concordar com o fim das touradas e continuar curtindo as descrições do Hemingway e as duas sequências em que elas aparecem no "Carmen" de Francesco Rosi. Meu ser racional não reprime minha alma estética.
Celso, gostei do texto. Está bem escrito e rompeu as porteiras do politicamente correto. Sou contra as touradas, mas admito que seja possível enxergar alguma beleza nelas, quiçá a estética dos suicidas. Fiquei pensando em duas figuras do nosso tempo, uma em declínio (toureiro) e outra se impondo mundo afora (generais estadunidenses). Ainda que reduzida, existe a chance da “montanha de carne” chifrar o toureiro; um militar estadunidense dispara suas armas a quilômetros de distância, sem que seus alvos tenham qualquer possibilidade de defesa e reação. Espero que a humanidade possa abolir também estas figuras covardes (generais estadunidenses etc.), assim como está fazendo com as touradas.
forte abraço,
Júlio
Celso, vai ver era a mersma "beleza" que os torturadores da ditadura viam em seus "touros"!
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