Nesta 2ª feira (15), às 19 horas, a Câmara Municipal de São Paulo conferirá postumamente o título de Cidadão Paulistano a Virgílo Gomes da Silva, o Jonas, dirigente da Ação Libertadora Nacional que foi um dos mortos sem sepultura da ditadura militar.
Preso em 1969 pelo braço militar da repressão, acabou sofrendo um dos acidentes de trabalho que marcaram o período: sucumbiu à violência exacerbada do primeiro dia de detenção.
Mais tarde, na virada de 1970 para 1971, as Forças Armadas decidiram exterminar os militantes que não admitiam ver eventualmente trocados por diplomatas; passaram a encaminhá-los a centros clandestinos de tortura, sem oficializar a prisão. Lá lhes arrancavam informações e depois os executavam, dando sumiço nos cadáveres.
Em 1969 a intenção ainda não era matar, embora isto frequentemente decorresse da bestialidade dos torturadores.
Eis o relato do também ex-preso político Francisco Gomes da Silva:
“Meu irmão Virgílio Gomes da Silva foi preso e morto no DOI-Codi (Operação Bandeirantes), em 29 de setembro de 1969. Virgílio era militante da ALN e estava sendo procurado pelos órgãos da repressão, aparecendo inclusive em cartazes com fotografia onde se lia Procura-se.
Eu fui preso no dia 28 do mesmo mês de setembro, tendo passado por várias sessões de tortura, quando no dia 29, Virgílio chegou no mesmo local, ou seja Operação Bandeirantes, algemado, tendo sido preso pela equipe do Capitão Albernaz (eu, pela equipe do Raul Careca). Eu estava sendo interrogado quando ouvi os gritos de Virgílio, que chegou algemado e estava sendo espancado, quando levou um chute no rosto, que se abriu e comecou a jorrar sangue.
Continuaram os gritos de Virgílio que estava sendo torturado para que entregasse os companheiros. Ele recusava-se a delatar e reagia xingando os torturadores. Acredito que Virgílio chegou ao DOI-Codi por volta de 11h da manhã, tendo sido assassinado por volta das 21h. O corpo foi mostrado ao Celso Horta, também preso político. Virgílio foi morto pendurado no pau-de-arara.
Mais ou menos meia hora depois que eu soube da morte de Virgílio, através de um outro preso, o Capitão Albernaz dirigiu-se a mim, informando que Virgílio havia fugido. Ouvi comentários na prisão que os torturadores haviam retirado os olhos de Virgílio, bem como seus testículos.
Mais tarde fui transferido para o Dops e lá, um delegado cujo nome não me recordo, falou que Virgílio havia sido enterrado na quadra do Dops no cemitério de Vila. Formosa.
Mais ou menos um ano depois, minha mãe e meu irmão Vicente foram ao cemitério de Vila Formosa e souberam através de um funcionário o local onde Virgílio estava enterrado, tendo se dirigido ao referido local que, entretanto, estava fortemente vigiado pela polícia militar, sendo que os policiais determinaram que se afastassem e não voltassem mais ao local. Os jornais publicaram que Virgílio estava foragido, quando, na verdade, já estava morto”.
Seus restos mortais, certamente removidos em seguida, nunca foram encontrados.
As provas da morte por tortura, sim, em 2004, no Arquivo do Estado de São Paulo: um laudo do Instituto Médico Legal de São Paulo, feito àquela época, com a foto de Virgílio depois de morto e suas impressões digitais. Sobre tal laudo aparece um aviso escrito à mão, com a frase "Não deve ser informado", o que comprova ter havido uma ordem para o desaparecimento do corpo e o acobertamento do homicídio.
8 comentários:
A Câmara de Vereadores do Rio fez o mesmo com o Marighella em 2009. Tinha até uma grafitagem com a figura do Marighella no muro em frente a Prefeitura do Rio, na pista sentido zona norte da Presidente Vargas.
Prezado Lungaretti:
Li que Virgílio, apesar de algemado, fez o que pode para tentar acertar os torturadores.
Diante de tamanha valentia, as bestas, enlouquecidas, o mataram.
Assim como outros que ousaram lutar, o Brasil não poderá esquecê-lo. Jamais.
Obrigada, Celso, por estes artigos. Fico horrorizada com isso tudo. é escandaloso e mais ainda é escandalosa a falta de escândalo social. A sociedade ainda está sob o efeito narcotizante do terror, que foi coberto pela corrida pela sobrevivência diária graças à inflação galopante do pós-ditadura e, em seguida, pelo capitalismo selvagem: eu, meu umbigo e minhas férias. E ainda, ninguém tem tempo nem cabeça para PENSAR e SENTIR.
Abração (divulguei o teu artigo no meu facebook)
Adriana
Tanto me preocupo com o que vejo como com o que não vejo. Porque será que nada se vê nos ditos blogs progressistas sobre segurança? (repercussão zero da morte por atentado da juíza Patrícia Accioli em Niterói semana passada, por exemplo). Qual agenda teria precedência sobre a necessidade de permanecermos vivos??? Juntando a questão da violência direta (armada) com o transito são quase 100.000 brasileiros mortos por ano. Que questão comportamental secundaria pode ter precedência sobre isso? Será o viés esquerdista de antipatia cega pela repressão policial ou só – como quase sempre – burrice mesmo?
Quem pariu Mateus que o embale, Iconoclasta. Nunca haverá segurança perfeita numa sociedade que erige a ganância, o privilégio e a diferenciação em valores supremos.
Então, em vez de nos preocuparmos em evitar que alguns realizem seus sonhos consumistas por meio do banditismo, preferimos ocuparmo-nos com o parto da sociedade nova que substituirá o capitalismo putrefato, mudando o foco e a prática dos seres humanos.
Somos radicais: vamos à raiz dos problemas.
ahhhh..sim...quem pariu mateus...
tinha me esquecido que somente banqueiros e grandes industriais morrem aos montes em trombadas de carro e atropelamentos nas marginais..e que somente grandes industriais, politicos e fazendeiros são as vitimas de marginais loucos (revolucionarios primitivos incomprendidos??)nas periferias dos grandes centros, onde esses potentados vivem por excencitricidade ou gosto pela aventura. E enquanto esse novo mundo não vem que morramos todos...
Enquanto as causas estruturais da criminalidade e da violência não forem atacadas, o que se estará conseguindo, com a repressão, será apenas enxugar gelo -- vide meu velho artigo A CRIMINALIDADE É INTRÍNSECA AO CAPITALISMO e o texto impecável de um sociólogo português que reproduzi hoje, O CAOS DA ORDEM.
Então, que os devotos do capitalismo fiquem enxugando gelo. Nós cuidaremos de encaminhar uma solução definitiva ao problema -- o que eles não poderão fazer, já que são parte do problema.
No início do século passado, os sociais-democratas russos pareciam também ser um grupelho de fantasistas, com seus discursos pomposos.
Mas, como tais discursos eram a análise mais acurada daquela realidade, 15 anos depois eles conquistavam o poder, pela via revolucionária.
Hoje, as análises corretas são as dos críticos do capitalismo, como eu e o Boaventura de Souza Santos. Não subestime a hipótese de que a História siga na direção que eu aponto explicitamente e ele, implicitamente.
Aliás, torça para estarmos certos, pois a alternativa é a barbárie.
Postar um comentário