sábado, 13 de agosto de 2011

AS FALHAS DA 'FOLHA': PICARETAGEM

Um depoimento do repórter, escritor e radialista Edward de Souza, escrito há três anos, deu uma boa idéia dos padrões éticos e jornalísticos do Grupo Folha, em passado não muito distante (foi pouco depois daquela época em que a empresa cedia suas viaturas para o DOI-Codi). 

Reproduzo os trechos principais:

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO BEBÊ DIABO

Vou relatar, com absoluta exclusividade, toda a história sobre o nascimento de um menino com chifres e rabo em São Bernardo do Campo, Região do ABC Paulista, que viraria um marco no jornalismo brasileiro.

Em 1975 eu trabalhava pela manhã como repórter policial no jornal Correio Metropolitano, em Santo André, no ABC, e à tarde no jornal Notícias Populares, pertencente ao Grupo Folha, como repórter especial. José Lázaro Borges Campos, falecido, amigo inesquecível, era o editor de polícia do NP. Ibrahim Ramadan, nessa época, o diretor de redação.

Eu e o "Lazão", assim ele era conhecido, morávamos em Santo André e todos os dias seguíamos juntos para o NP, no 5° andar da Folha de S. Paulo, na Alameda Barão de Limeira. No mês de maio daquele ano corria forte um boato dando conta do nascimento de um bebê que tinha chifres e rabo, num hospital de São Bernardo, ABC, que aterrorizava enfermeiras, médicos, falava grosso e até soltava fogo pela boca.

Com o passar dos dias, o boato se alastrou de tal forma que em todos os cantos das sete cidades do ABC só se falava nessa estranha criatura. (...) Com tantos comentários, Lázaro Campos me incumbiu de apurar os fatos e escrever uma nota sobre esse boato para o NP de domingo. Falei com a direção do Hospital São Bernardo, enfermeiras (os) e médicos. (...) Na verdade, garantiram-me os médicos, um bebê nascera com um prolongamento no cóccix e duas pequenas saliências na testa, problemas resolvidos com uma simples cirurgia na própria maternidade.

Escrevi esse relato, sem nenhum sensacionalismo, no dia 10 de maio de 1975, um sábado e deixei o texto, de 30 linhas, sobre a mesa do Lázaro. O jornal estava para ser fechado e eu desci para esperá-lo na padaria da esquina. Fomos embora juntos, sem comentar nada sobre jornal. No domingo pela manhã percebi que a banca de revistas perto de casa estava repleta de pessoas comprando o NP.

Curioso, me aproximei e consegui o último exemplar que trazia a seguinte manchete: "Bebê-diabo nasce em SBC". Fui à página 5 e gelei. Minha assinatura estava abaixo da manchete forçada. Fiquei apavorado, temendo processo e a demissão do jornal por justa causa.

...Entrei cabisbaixo no prédio da Folha. Na verdade, estava apavorado. Fiquei mais ainda quando recebi o aviso para me dirigir, imediatamente, com o Lázaro, à sala de Octávio Frias de Oliveira, dono do Grupo Folha.

Entramos assustados na sala de Frias, esperando um sermão, antes da demissão. Pelo contrário. O homem, que eu ainda não conhecia pessoalmente, estava sorrindo e nos estendeu a mão, cumprimentando pela manchete e informando que, pela primeira vez na história, o NP bateu todos os recordes de venda em bancas.

Custei a acreditar que tudo aquilo era verdade. Segurava a xícara com café, oferecida pelo Frias, com dificuldade, tremendo e ouvindo somente elogios. E a ordem era para darmos sequência no assunto. E assim foi feito. A notícia tornara-se uma bola de neve. A tiragem do periódico, que era de 80 mil exemplares, ultrapassara a marca dos 200 mil. O povo acreditou na história e o NP começou a inventar uma saga para o bebê-diabo. O caso permaneceu na primeira página do jornal por inacreditáveis 37 dias.

Nas manchetes que seguiram, o bebê-diabo infernizou pessoas, pulou em telhados, pediu sangue para beber, tocou campainhas, palitou os dentes com um facão e até parou um táxi à noite, deixando o motorista assustado ao falar que o destino da corrida seria o inferno. Amado por uns, odiado por outros e temido por milhares, o bebê-diabo aterrorizou moradores de São Paulo e do Brasil, mesmo sem ter existido.

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Lungaretti:
1)Se Octávio Frias de Oliveira era o pai do bebê-diabo, a mãe pode ter sido a Danusa Leão...
2)Creio que na série faltou o bebê-diabo atracar-se com alguma dona de casa, como foi o caso do "macaco tarado" do Luta Democrática (RJ). Assim poderíamos ter manchete igual:
"Bebê-diabo não podia ver calcinha".
3)A Folha, mais dia, menos dia, vai se transformar em pasquim, semelhante ao NP. Qual será a "criatura híbrida" que o Otavinho porá em circulação?

Anônimo disse...

Caro, CL

Graças a Deus o NP e congêneres acabaram.
Eu lembro que muita gente (certamente os mais intruídos) comprava o NP como diversão. Ou seja, as desgraças da periferia, recheadas de sensacionalismo, eram entretenimento para os mais abastados.
Marcílio
Agora, em sua opinião, ao que se deve o fim desses periódicos sensacionalistas?

celsolungaretti disse...

Talvez o estilo televisivo dos Datenas da vida já preencha a sede de sangue desse universo de leitores. Mas, não tenho informações suficientes para emitir uma opinião mais conclusiva.

Anônimo disse...

Não tarda muito não e esse jornaleco terá o mesmo fim do Jornal do Brasil. O Globo já está até entregando exemplar de graça- diariamente nas residências - em Copacabana e em vários bairros da zona sul. Vai de ralo, também, num futuro próximo.

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