(artigo escrito quando da morte de
Augusto Pinochet, em dezembro/2006) Durante a Guerra Civil espanhola, os fascistas de Franco zurravam “abaixo a inteligência, viva a morte!”. A um ser humano equilibrado dificilmente ocorreria ovacionar a morte... exceto quando a ceifadora nos livra de alguém tão nocivo e vil quanto Augusto Pinochet Ugarte.
Ele conquistou merecidamente o primeiro lugar dentre os ditadores sanguinários latino-americanos: foi quem melhor personificou a monstruosidade dos regimes militares que se abateram sobre a região nas décadas de 1960 e 1970.
Nomeado chefe do Exército por Salvador Allende, tramava o golpe militar na surdina enquanto hipocritamente garantia ao presidente que a ordem seria mantida a qualquer preço e que sua corporação era leal à Constituição.
A tomada de poder foi a mais dramática daquele período: o bravo Allende entrincheirou-se com sua guarda pessoal e os assessores mais leais no Palacio de la Moneda, que os golpistas atingiram com obuses e depois invadiram. Aparentemente, Allende morreu com uma metralhadora na mão, resistindo aos militares desleais. Há quem diga que foi executado.
Ao massacre na sede do poder seguiu-se outro episódio que será sempre lembrado como um dos mais repulsivos do ciclo militar: dezenas de milhares de presos políticos amontoados num estádio de futebol. E a execução pública do extraordinário Victor Jara, cantor e compositor em muito semelhante ao nosso Geraldo Vandré.
Tentando humilhá-lo, os verdugos desafiaram-no a cantar para seus fãs naquele momento. Foi o que o altivo Jara fez, enquanto era espancado até a morte, tendo os companheiros como testemunhas impotentes de sua imolação.
Mais de 3 mil pessoas mortas, 28 mil torturadas, dissidentes assassinados até no exterior: esse banho de sangue jamais será esquecido.
Emblematicamente, o grande poeta Pablo Neruda, Prêmio Nobel de literatura, morreu logo após o golpe, com suas enfermidades agravadas pelo imenso desgosto.
A Unidad Popular estava longe de realizar um governo radical. Tendo como principais forças os socialistas e os comunistas de linha soviética, fazia algo semelhante às reformas de base de João Goulart e nacionalizava uma ou outra empresa estrangeira espoliadora.
Sua desestabilização foi uma clara reedição esquema golpista brasileiro, acrescida de um toque de mestre: o suborno aos caminhoneiros para que promovessem um interminável locaute, de forma que sempre estivessem faltando alguns itens nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais. A consumista classe média chilena foi levada à loucura.
Trata-se da quartelada em que ficou mais evidente a instigação e o apoio financeiro dos EUA. Decididos a vencer a guerra fria com a URSS a qualquer preço, os estadunidenses violavam cinicamente a soberania de nações livres.
Um cidadão norte-americano, pai de um hippie assassinado no Chile, acionou seu governo, acusando-o de cumplicidade na morte do filho. Durante esse processo vieram à baila muitos detalhes do envolvimento da CIA e dos assessores militares estadunidenses no golpe. O episódio deu origem a um ótimo filme de Costa-Gravas: Missing, o Desaparecido.
A era Pinochet, iniciada em setembro de 1973, findou quando os chilenos disseram “não” à sua permanência no poder, em plebiscito realizado no mês de outubro de 1988. Nem o fato de haver conseguido a duras penas estabilizar a economia do país, colocando-a no rumo do crescimento sustentado, foi suficiente para que nuestros hermanos relevassem seus crimes contra a humanidade. Boa lição para nós.
A pá de cal no prestígio de Pinochet foi a revelação, em 2004, de suas contas secretas no exterior. Até então, era tão cultuado pelas viúvas da ditadura quanto seu congênere Brilhante Ustra no Brasil.
Agora, ele deixa a vida para entrar na História... na qual figurará como um carrasco comparável a Átila, Gengis Khan e Hitler.
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