Ronaldo Nazário deixa os gramados melancolicamente, como tantos deuses do esporte que não souberam a hora exata de parar.
Embora haja visto muitos futebolistas nesta condição, o drama que mais me impressionou foi o de um pugilista: Muhammad Ali.
Depois de haver revolucionado o boxe peso-pesado com sua técnica admirável de dançarino, de ter sido despojado do título por honrar suas convicções e de o recuperar na maior luta de todos os tempos, insistiu em se manter no ringue quando o corpo já não conseguia mais executar o script desenhado na sua mente.
Acabou, vitimado pelo mal de Parkinson, tornando-se uma sombra do seu antigo esplendor.
Para Ronaldo, igualmente, não caiu a ficha de que seu canto do cisne tinha sido a marcante contribuição dada para o Corinthians conquistar o Campeonato Paulista e a Copa do Brasil de 2009, com direito a um gol de placa contra o Santos.
Ressuscitara para o futebol mais uma vez, como já havia ocorrido depois das graves contusões que sofreu e na Copa do Mundo de 2002, quando a todos surpreendeu voltando à plenitude no momento em que a Seleção Brasileira mais necessitava dos seus gols.
No entanto, desde o malfadado Mundial de 1998, esses momentos mágicos vinham durando pouco, no máximo alguns meses.
Então, deveria ter agradecido aos céus a oportunidade para deixar como última imagem seu magnífico desempenho nos meses de abril e maio de 2009.
Com a mesma ingenuidade evidenciada em sua vida particular e amorosa, ele acreditou que a boa fase fosse finalmente durar, que ajudaria o Corinthians a conquistar a Libertadores e o Mundial Interclubes, que Dunga o convocaria para a Copa de 2010...
Nada deu certo. E ele acabou se curvando à evidência dos fatos, depois de ser apontado pela torcida como um dos culpados pelo vexame na pré-Libertadores.
Mas, merece nosso reconhecimento e nosso carinho por um sem-número de lances inesquecíveis e por ter sido para a Seleção Brasileira, em 2002, o que Garrincha foi em 1962 e Romário em 1994: o craque decisivo.
Conquistamos dois títulos mundiais (1958 e 1970) graças ao brilho conjugado de várias estrelas e outros três devido, principalmente, à intensa luminosidade de uma estrela maior.
E não deveremos jamais esquecer o quanto Ronaldo Fenômeno sofreu e se esforçou para ressurgir das cinzas, após cada armadilha do destino.
Como em 1998, quando uma infiltração de xilocaína mal aplicada fez dele o pivô de uma derrota cuja culpa, na verdade, foi toda do cartola Ricardo Teixeira (que impôs a escalação de um atleta sem condições de jogo) e do técnico Zagallo (servil cumpridor de ordens aberrantes).
Ter-se sacrificado tanto para nos dar uma Copa de presente, em substiuição àquela que não foi ele quem perdeu, mostra uma firmeza de caráter rara em futebolistas.
Como bem disse o genial Paulo Vanzolini, "ali onde eu chorei, qualquer um chorava/ dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava".
5 comentários:
Ronaldo não deveria ter parado. Deveria continuar jogando, mas não os 90 minutos. Deveria jogar 1 tempo apenas ou entrar no segundo para tentar decidir a partida.
Mas quanto aos títulos da seleção, o Pelé não foi o craque da seleção de 70???
Abrass
O Brasil teve talentos de sobra em 1970: Carlos Alberto, Clodoaldo, Gerson, Pelé, Tostão e Rivelino, além de um artilheiro em estado de graça (Jairzinho).
Apesar de alguns lances maravilhosos, eu não vi o Pelé em plano tão superior aos demais. O que havia era uma sinergia de supercraques.
Assim como, em 1958, é difícil destacá-lo tanto de Garrincha, Didi e Nilton Santos, principalmente.
Já em 1962 e 1994, Garricha e Romário, indiscutivelmente, carregaram o Brasil nas costas.
E Ronaldo, até porque a concorrência era fraca, ficou num patamar acima dos demais em 2002, além de haver decidido a final com seus dois gols.
Infelizmente eu não vi Pelé jogar, cresci ouvindo meu pai e meu avô contando as peripécias do Pelé pelos campos. O futebol divíde-se entre aqueles que viram e aqueles que não viram Pelé. Não tenho dúvidas que vivemos mais um desses momentos, daqui a anos poderei a contar a filhos e netos que vi o Fenômeno jogar, e mais, vi pessoalmente, coisa que me orgulha muito. Sem dúvida agora teremos a divisão entre os que viram e os que não viram Ronaldo jogar.
Romário quando esteve no auge, eu era muito pequena pra lembrar, tinha 7, 8 anos, mas o Ronaldo eu cresci vendo, lembro da primeira vez que o vi jogar, eu tinha 9 anos e desde então sou sua fã.
Há poucos meses eu debatia com um amigo, assim como eu, fanático por futebol, discutíamos sobre os melhores jogadores que nós havíamos visto, ele disse seus preferidos e eu disse que pra mim sempre ficará a dúvida entre Ronaldo e Zidane, dos que EU vi, são os melhores, os realmente gênios.
Ronaldo vai fazer falta, mas acho que tomou a decisão mais correta, eu sei exatamente o que significa a cabeça querer e o corpo não deixar, eu sei muito bem o que é isso, sei o que é ter que abandonar algo que ama fazer, que faz há muitos anos, porque o corpo não suporta mais.
Ronaldo agora vira lenda, quanto a nós, só resta agradecer.
Resta saber se Ronaldo desconhece ou ignora as atividades escusas que a Nike pratica em países pobres.
Uma pequena elocubração que me ocorreu depois de escrito o artigo.
Ninguém falou nisto, mas a falta de esportividade do São Paulo e do Palmeiras, entregando os dois jogos contra o Flu e um contra o Cruzeiro, não só desmoralizou o Brasileirão 2010 como contribuiu para o último drama do Ronaldo.
Se a competição fosse disputada a sério, provavelmente o Corinthians teria sido campeão e nunca cairia na Pré-Libertadores. Ronaldo conquistaria mais um título e a torcida nem sonharia em pegar no pé dele.
A pequenez desses dois clubes acabou derrumbando um gigante.
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