segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

BARROSO: AS "BARBARIDADES" DA ITÁLIA E AS "HIPÓTESES INCOMUNS" DO STF

DEMOCRACIA, SOBERANIA E ALTIVEZ 

Luís Roberto Barroso (*) 

A Itália foi tão arrogante ao tentar impor sua vontade...
Não vou gastar o pouco espaço que tenho na demonstração de que Cesare Battisti é inocente das acusações de homicídio que lhe foram feitas e, sobretudo, que não teve devido processo legal.

Não são essas as questões em discussão. Mas é próprio lembrar que os fatos pelos quais é acusado aconteceram há mais de 30 anos. O maior prazo de prescrição do Direito brasileiro é de 20 anos.

Ademais, seria enorme contradição o Brasil ter dado anistia para os dois lados, por fatos idênticos ocorridos no mesmo período, e "entregar" Cesare Battisti para uma vingança histórica tardia e infundada do governo da Itália.

...que hoje a questão é até de patriotismo.
A afirmação de que a Itália era uma democracia durante os  anos de chumbo  é um sofisma sem qualquer relevância jurídica ou política.

Estados Unidos e Brasil também são e, rotineiramente, suas cortes supremas invalidam julgamentos por violação do devido processo legal. No caso de Cesare Battisti, seu segundo julgamento na Itália -- no primeiro não foi sequer acusado de homicídio --, baseado apenas em delações premiadas de pessoas já condenadas, tem passagens dignas de figurar em qualquer futura antologia de barbaridades jurídicas.

Detalhe: todos os acusadores premiados foram soltos após penas breves. Só Battisti, cujo papel na organização era totalmente secundário, foi condenado à prisão perpétua.

O julgamento no STF ficou empatado em quatro a quatro. Portanto, quatro ministros entenderam que a extradição não deveria ser concedida! Se fosse um habeas corpus, ele teria sido solto imediatamente.

Como era extradição, entendeu-se que o presidente da corte deveria votar. E, em hipótese incomum, deu o voto de Minerva em favor da acusação. Mais incomum ainda: a extradição foi autorizada contra a manifestação de dois procuradores-gerais, que consideravam válido o refúgio e se pronunciaram contra a entrega de Battisti!!!

No mesmo julgamento, decidiu-se, também por cinco a quatro, que a competência final na matéria era do presidente da República.

Dos cinco ministros que votaram nesse sentido, quatro afirmaram tratar-se de competência política livre. O quinto, o ministro Eros Grau, entendeu que a decisão, embora política e do presidente da República, deveria se basear no tratado de extradição entre Brasil e Itália.

E foi adiante: disse o fundamento e o dispositivo que o presidente poderia utilizar. Da forma mais clara e didática possível, acrescentou: se assim fizer, sua decisão não será passível de reexame pelo STF. Pois o presidente Lula seguiu à risca o parâmetro estabelecido.

Não concordo, mas entendo e tenho consideração pelo ponto de vista de quem era favorável à extradição. Mas isso, agora, já não está em questão. O presidente da República exerceu validamente sua competência constitucional, nos termos em que expressamente reconhecida pelo STF.

A divergência política em relação a ela será sempre legítima, mas dar-lhe cumprimento é uma questão de respeito ao Estado democrático de Direito e à soberania nacional.

Depois das manifestações impróprias e ofensivas da Itália, citando nominalmente o presidente brasileiro, talvez já seja mesmo uma questão de patriotismo.

Quando a França negou a extradição, nas mesmas circunstâncias, a Itália acatou respeitosamente. No nosso caso, veio de dedo em riste, acintosamente.

Não fará bem ao Brasil vulnerar suas instituições e impor uma humilhação internacional ao ex-presidente Lula, que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação, para subservientemente atender a quem nos falta com o respeito.  (fonte: Folha de S. Paulo)

* professor de Direito Constitucional da UERJ, é advogado de Battisti no STF.

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