Em 1972, mal saído dos cárceres da ditadura, eu comecei a cursar a Escola de Comunicações e Artes da USP.
O bom senso me aconselhava uma postura cautelosa, já que a ECA era muito visada pela ditadura. A existência de espiões entre os colegas era dada como favas contadas.
Mas, leopardos não perdem as pintas. Então, deixei-me levar pelos meus humores quando, certa manhã, encontrei trancada a sala de aula.
Uma velha professora de História das Artes, que passara um tempão licenciada, tinha voltado a lecionar naquele ano. E resolvera impor disciplina à antiga, vedando o acesso dos retardatários.
Aula finda, entrei irritadíssimo e gritei para a classe inteira:
Depois do desabafo que não conseguira conter, eu havia decidido ficar calado. Não intervira nos debates. Mas, quando chegou a hora de escolher os redatores do tal manifesto, todo mundo olhou na minha direção e o colega que comandava a mesa perguntou: "E aí?".
Noblesse oblige, assumi a tarefa e os riscos. E, claro, o texto final acabou sendo meu.
Levamos nossa luta ao presidente do centro acadêmico, que era o Augusto Nunes (acreditem, ele já foi de esquerda...).
O Nunes prometeu:
O bom senso me aconselhava uma postura cautelosa, já que a ECA era muito visada pela ditadura. A existência de espiões entre os colegas era dada como favas contadas.
Mas, leopardos não perdem as pintas. Então, deixei-me levar pelos meus humores quando, certa manhã, encontrei trancada a sala de aula.
Uma velha professora de História das Artes, que passara um tempão licenciada, tinha voltado a lecionar naquele ano. E resolvera impor disciplina à antiga, vedando o acesso dos retardatários.
Aula finda, entrei irritadíssimo e gritei para a classe inteira:
"Se vocês deixam uma anta dessas prender vocês aqui dentro, se permitem que ela passe a chave sem levantarem para ir embora, estão todos mortos!"Meu esporro acabou provocando uma reunião da turma, na qual se decidiu redigir um abaixo-assinado pedindo à direção que removesse a professora autoritária, por estar na contramão do espírito liberal da escola, além de desatualizadíssima na sua didática.
Depois do desabafo que não conseguira conter, eu havia decidido ficar calado. Não intervira nos debates. Mas, quando chegou a hora de escolher os redatores do tal manifesto, todo mundo olhou na minha direção e o colega que comandava a mesa perguntou: "E aí?".
Noblesse oblige, assumi a tarefa e os riscos. E, claro, o texto final acabou sendo meu.
Levamos nossa luta ao presidente do centro acadêmico, que era o Augusto Nunes (acreditem, ele já foi de esquerda...).
O Nunes prometeu:
- entregar nosso documento ao diretor;
- distribuir cópias para os alunos das outras turmas.
Dia seguinte, voltou com a resposta:
E como a turma era de calouros que haviam dado um duro danado para entrarem na meca da USP, é claro que eles preferiram o recuo, como o Nunes evidentemente previra.
A luta deixada pela metade me chamou a atenção para o fato de que o Nunes vinha sempre propor lutas que também não levaria até o fim. Lançava bandeiras inviáveis, como se quisesse que a turma fosse politizada pelos fracassos...
Eu detestava tal postura desde o movimento estudantil de 1968. Nunca considerei derrota nenhuma salutar, nem admiti entrar numa briga para perder.
Então, quando o Nunes chegou certa vez para iniciar outro desses coitus interruptus, levantei-me ostensivamente e saí batendo a porta.
Ganhei outra inimizade, claro. Mas, desopilei o fígado.
Por que fui tirar estas reminiscências do fundo do baú?
Porque foi exatamente como a esquerda agiu ao levar para a Justiça uma luta que só tinha chance real de êxito se travada nas esferas do Executivo e do Legislativo.
Com isto, colocou o tema da punição dos torturadores em evidência, para desenvolver a chamada conscientização, mas sabendo que, no final, perderia. E perdeu.
Depois da derrota, vem o jus sperniandi, o chororô. Textos e mais textos desancando o Supremo, como se não fosse caçapa cantada, óbvio ululante, que ele decidiria contra a posição da OAB.
Então, saúdo com entusiasmo o artigo de hoje (5) do Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos da União, que não se limitou a fornecer catarse, mas apontou o caminho para seguirmos em frente:
Como bem disse o Paulo Vanzolini, poeta maior da MPB:
"O Ferri [diretor] disse que o pedido de vocês vai ser discutido pelo Departamento. E que, se esse manifesto circular na ECA, ele vai considerar caso de expulsão, pelo artigo 477. Mas, se vocês ainda quiserem que seja distribuído, o centro acadêmico manterá sua promessa".Como o titular daquele departamento estava convalescendo de qualquer coisa, seria a própria professora, que ocupava a chefia interina, quem decidiria sobre seu afastamento ou não.
E como a turma era de calouros que haviam dado um duro danado para entrarem na meca da USP, é claro que eles preferiram o recuo, como o Nunes evidentemente previra.
A luta deixada pela metade me chamou a atenção para o fato de que o Nunes vinha sempre propor lutas que também não levaria até o fim. Lançava bandeiras inviáveis, como se quisesse que a turma fosse politizada pelos fracassos...
Eu detestava tal postura desde o movimento estudantil de 1968. Nunca considerei derrota nenhuma salutar, nem admiti entrar numa briga para perder.
Então, quando o Nunes chegou certa vez para iniciar outro desses coitus interruptus, levantei-me ostensivamente e saí batendo a porta.
Ganhei outra inimizade, claro. Mas, desopilei o fígado.
Por que fui tirar estas reminiscências do fundo do baú?
Porque foi exatamente como a esquerda agiu ao levar para a Justiça uma luta que só tinha chance real de êxito se travada nas esferas do Executivo e do Legislativo.
Com isto, colocou o tema da punição dos torturadores em evidência, para desenvolver a chamada conscientização, mas sabendo que, no final, perderia. E perdeu.
Depois da derrota, vem o jus sperniandi, o chororô. Textos e mais textos desancando o Supremo, como se não fosse caçapa cantada, óbvio ululante, que ele decidiria contra a posição da OAB.
Então, saúdo com entusiasmo o artigo de hoje (5) do Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos da União, que não se limitou a fornecer catarse, mas apontou o caminho para seguirmos em frente:
"...a consagração, pelo STF, da impunidade dos agentes do Estado bandido faz ainda mais candente e urgente o estabelecimento de uma comissão da verdade, para que a sociedade, tendo-lhe sido negado o acesso à justiça, possa ao menos conhecer a verdade".Ou seja, vamos arregaçar as mangas e lutar melhor a luta que está aí para ser vencida. Chorar derrotas não adianta, temos é de conquistar vitórias!
"Um homem de moral
não fica no chão,
nem quer que mulher
venha lhe dar a mão,
reconhece a queda
e não desanima,
levanta, sacode a poeira
e dá a volta por cima"
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