quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

DISSECANDO A MIOPIA POLÍTICA

Escrevi esta resposta para uma companheira que postou comentário a meu último artigo, repetindo a versão bolivarianamente correta sobre a crise hondurenha. Serve para muitos outros e outras que mostram idêntico apego às ilusões de ontem, incapazes de assimilar as evoluções dos acontecimentos políticos.

Crianças vivem num mundo de fantasias, adultos são obrigados a defrontar-se com a realidade, que nem sempre é agradável.

O golpe em Honduras foi um retrocesso, mas a chance de revertê-lo passou, infelizmente.

Desde o início, quando o presidente legítimo Manuel Zelaya aceitou ser despachado num avião em pijamas, eu alertei que lhe faltava grandeza histórica e coragem pessoal para cumprir bem seu papel. Não deu outra.

Quando ele foi em carreata até a fronteira e adentrou o território hondurenho, jamais deveria ter recuado. Não é assim que os grandes líderes agem, refugando e retrocedendo com o rabo entre as pernas.

Se seguisse adiante, obrigaria o inimigo a prendê-lo e levá-lo a julgamento. Este seria, provavelmente, o fato político que obrigaria a ONU, a OEA e as potências regionais a saírem de sua letargia omissa.

Depois, quando sua presença na embaixada brasileira não provocou o levante popular com que ele sonhava, Zelaya teria de ousar qualquer coisa, não ficar hibernando lá até a posse do Porfirio Lobo.

Numa luta dessas, quem deixa a iniciativa ao inimigo, perde. Zelaya perdeu. Agora, só lhe resta juntar os cacos e preparar-se para as futuras batalhas.

Quem tem os pés no chão sabe que Lobo logo será aceito pelos organismos internacionais e pelas demais nações, o que dissipará de vez a crise política.

O próprio Zelaya, ao aceitar o salvo-conduto que Lobo lhe ofereceu e ao se dispor a "colaborar para a reconciliação nacional", colocou um ponto final na resistência contra o golpe.

Ele sim não deveria ter negociado com Lobo. Mas negociou, fechando o acordo que lhe propiciou o salvo-conduto. Então, por esse lado, nada mais há a se fazer.

Mas, houve mortos, feridos, torturados, intimidados, ameaçados e estupradas. E, estando Lobo empenhado em botar uma pedra em cima de tudo isso com a anistia geral, faz muito bem a Anistia Internacional ao manifestar posição contrária.

Pois, se tudo acabar em pizza, os próximos golpistas também matarão, ferirão, torturarão, intimidarão, ameaçarão e estuprarão, na certeza de que vão safar-se impunes.

Este é o xis da questão. Hoje, Zelaya está ajudando a consolidar o mandato de Lobo, enquanto quem tenta colocar uma pedra no sapato do novo presidente é a Anistia Internacional.

No fundo, a situação é bem parecida com a da nossa Lei de Anistia. Para os golpistas e para o beneficiário (Lobo) do serviço sujo que os golpistas executaram, convém passar uma borracha no passado.

Mas, em nome da justiça e em reconhecimento pelo sacrifício daqueles que lutaram contra o golpe, deve-se evitar tal desfecho. É o que a Anistia Internacional está tentando fazer.

Fico pasmo com a miopia política dos que não percebem o óbvio ululante: se vier a anistia nos moldes propostos pelo Lobo na cerimônia de posse, o golpe será 100% vitorioso.

O Carlos Lungarzo e eu, ao atuarmos politicamente como os adultos que somos, podemos até chocar as crianças que confundem seus desejos com a realidade.

Mas, estamos comprometidos apenas com nossas causas e nosso caráter. Não almejamos a popularidade fácil.

2 comentários:

Anônimo disse...

Perfeita a análise.

Adriana Tanese Nogueira disse...

No mundo grande as crianças se sentem perdidas. Preferem ficar com seus livrinhos de escola, bem abertos na frente, e repetir as noções que decoraram. Assim estão certos de "terem razão" e ao mesmo tempo não enfrentam o imprevisível e multifacetado rosto da história.
Pensar!
Celso, continue perturbando o sono das crianças. :-))

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