sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

TRÊS ANOS SEM PINOCHET: QUE ALÍVIO!

Comemora-se na próxima semana o terceiro aniversário da morte de um dos mais sanguinários ditadores latino-americanos em passado recente: Pinochet.

Numa contribuição para manter viva a lembrança dos atentados contra a liberdade, pois o conhecimento das tragédias históricas é fundamental para evitarmos a repetição desses horrores, republico o artigo que escrevi na ocasião.

Que sirva como alerta -- mesmo porque o péssimo desfecho da crise hondurenha é indício inquietante de que o ciclo do golpismo não está encerrado entre nós. Recaídas são sempre possíveis.

Aliás, foi a advertência que o chileno Luis Advis lançou em 1969, relembrando um massacre do passado em sua extraordinária Cantata Santa Maria de Iquique: "Ustedes que ya escucharon/ la historia que se contó/ no sigan allí sentados/ pensando que ya paso/ (...) quizás mañana o pasado/ o bien en un tiempo mas/ la historia que han escuchado/ de nuevo sucederá...".

Sucedeu. Como em 1907, também em 1973 "murieron tres mil seiscientos/ uno tras otro./Tres mil seiscientos mataron/ uno tras otro".

E poderá suceder de novo, se não estivermos sempre atentos e determinados a esmagar os ovos da serpente.

VIVA A MORTE!

Durante a Guerra Civil espanhola, os fascistas de Franco zurravam “abaixo a inteligência, viva a morte!”. A um ser humano equilibrado dificilmente ocorreria ovacionar a morte... exceto quando a ceifadora nos livra de alguém tão nocivo e vil quanto Augusto Pinochet Ugarte.

Ele conquistou merecidamente o primeiro lugar dentre os ditadores sanguinários latino-americanos: foi quem melhor personificou a monstruosidade dos regimes militares que se abateram sobre a região nas décadas de 1960 e 1970.

Nomeado chefe do Exército por Salvador Allende, tramava o golpe militar na surdina enquanto hipocritamente garantia ao presidente que a ordem seria mantida a qualquer preço e que sua corporação era leal à Constituição.

A tomada de poder foi a mais dramática daquele período: o bravo Allende entrincheirou-se com sua guarda pessoal e os assessores mais leais no Palacio de la Moneda, que os golpistas atingiram com obuses e depois invadiram. Aparentemente, Allende morreu com uma metralhadora na mão, resistindo aos militares desleais. Há quem diga que foi executado.

Ao massacre na sede do poder seguiu-se outro episódio que será sempre lembrado como um dos mais repulsivos do ciclo militar: dezenas de milhares de presos políticos amontoados num estádio de futebol. E a execução pública do extraordinário Victor Jara, cantor e compositor em muito semelhante ao nosso Geraldo Vandré.

Tentando humilhá-lo, os verdugos desafiaram-no a cantar para seus fãs naquele momento. Foi o que o altivo Jara fez, enquanto era espancado até a morte, tendo os companheiros como testemunhas impotentes de sua imolação.

Mais de 3 mil pessoas mortas, 28 mil torturadas, dissidentes assassinados até no exterior: esse banho de sangue jamais será esquecido.

Emblematicamente, o grande poeta Pablo Neruda, Prêmio Nobel de literatura, morreu logo após o golpe, com suas enfermidades agravadas pelo imenso desgosto.

A Unidad Popular estava longe de realizar um governo radical. Tendo como principais forças os socialistas e os comunistas de linha soviética, fazia algo semelhante às reformas de base de João Goulart e nacionalizava uma ou outra empresa estrangeira espoliadora.

Sua desestabilização foi uma clara reedição esquema golpista brasileiro, acrescida de um toque de mestre: o suborno aos caminhoneiros para que promovessem um interminável locaute, de forma que sempre estivessem faltando alguns itens nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais. A consumista classe média chilena foi levada à loucura.

Trata-se da quartelada em que ficou mais evidente a instigação e o apoio financeiro dos EUA. Decididos a vencer a guerra fria com a URSS a qualquer preço, os estadunidenses violavam cinicamente a soberania de nações livres.

Um cidadão norte-americano, pai de um hippie assassinado no Chile, acionou seu governo, acusando-o de cumplicidade na morte do filho. Durante esse processo vieram à baila muitos detalhes do envolvimento da CIA e dos assessores militares estadunidenses no golpe. O episódio deu origem a um ótimo filme de Costa-Gravas: Missing, o Desaparecido.

A era Pinochet, iniciada em setembro de 1973, findou quando os chilenos disseram “não!” à sua permanência no poder, em plebiscito realizado no mês de outubro de 1988. Nem o fato de haver conseguido a duras penas estabilizar a economia do país, colocando-a no rumo do crescimento sustentado, foi suficiente para que nuestros hermanos relevassem seus crimes contra a humanidade. Boa lição para nós.

A pá de cal no prestígio de Pinochet foi a revelação, em 2004, de suas contas secretas no exterior. Até então, era tão cultuado pelas viúvas da ditadura quanto seu congênere Brilhante Ustra no Brasil.

Agora, ele deixa a vida para entrar na História... na qual figurará como um carrasco comparável a Átila, Gengis Khan e Hitler.

Um comentário:

Diego Novaes disse...

Oi Celso,

"(...) o péssimo desfecho da crise hondurenha é indício inquietante de que o ciclo do golpismo não está encerrado entre nós. Recaídas são sempre possíveis." (...)

Concordo plenamente com sua análise. Paira no ar uma impunidade inquietante. Que bom que não se trata de uma neurose minha.

Bom, publiquei um texto em meu blog sobre aquele "novo" mensalão, se vc tiver tempo, dá uma lida lá. Se quiser comentar fique á vontade. Queria saber se é possível publicá-lo no consciência.net.

Grande abraço!!

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