sábado, 3 de outubro de 2009

PERDIDO NOS LABIRINTOS DA CIDADE FUTURISTA

Brasília, cidade da distopia. Perco-me em suas superquadras, intrincados labirintos que concentram tudo de que precisamos numa cidade - mas desnorteiam quem se acostumou a viver à luz do dia ou vendo as estrelas à noite, como eu.

Sempre me fazem lembrar uma genial novela de sci-fi, Mundos Fechados, de Robert Silverberg, sobre um futuro em que a atmosfera se tornou letal. Os sobreviventes se distribuem por monumentais edifícios de mil andares, lacrados como redomas, em que seus dispositivos purificam o ar.

A cada andar, sobe a posição hierárquica dos moradores. E todos têm direito de circular à noite, buscando pares para os jogos amorosos. Ninguém recusa ninguém. É a compensação por viver nesse confinamento claustrofóbico.

Homem dos velhos tempos, insisto em andar à pé por Brasília, atravessando as avenidas em que os carros passam zumbindo, enfiando o pé na terra dos caminhos que não foram traçados para pedestres. Brasília é a cidade-automóvel. Quem não o tem, é como se fosse aleijado.

Conheci a Fred Vargas, miudinha e elétrica, com uma disposição de luta invejável. Sempre planejando o próximo passo, buscando novos caminhos para a luta por Cesare Battisti.

Está contente com a visita que as duas filhas, a esposa e o irmão fizeram ao prisioneiro. Ficou meio magoada por vê-lo tão impaciente, como fera enjaulada.

Cesare escreveu uma mensagem para ser divulgada na França e dali irradiada. Fred desaconselhou, temendo que os inimigos comparassem sua situação à de Zelaya, conclamando o povo hondurenho à revolta ao abrigo da embaixada brasileira.

Foi também o que me ocorreu, logo que soube. Idém ao senador José Nery, que conseguiu dissuadir Cesare.

Ninguém que não tenha estado preso sabe como são longas as horas numa prisão, como alguém sente falta de tudo que o define como ser humano, como os sonhos mais inverossímeis ganham forma na mente e alimentam infundadas esperanças.

O ano que passei preso me pesou como se fossem dez. O inferno da tortura durou dois meses e meio, mas, naquele tempo, mesmo quando superávamos o pior, este continuava ao nosso lado: os gritos terríveis, o estado deplorável de outros prisioneiros, tudo nos trazia à lembrança nosso próprio sofrimento.

E a revolta impotente era outra tortura: tanta vontade de esganar aqueles verdugos e a obrigação de sufocá-la, fingindo indiferença.

Quando as prisões preventivas começaram a ser relaxadas e vislumbrei a possibilidade de ser libertado, minha ansiedade foi ao máximo. Cada hora durava um dia.

Então, compreendo demais a situação do pobre Cesare. Ver as filhas depois de tanto tempo e ser delas separado em seguida! Saber que já deveria estar livre há nove meses e continuar mofando na prisão! Ouvir notícias desencontradas e temer sempre o pior! É de enlouquecer.

Logo mais gravarei nova entrevista, desta vez na TV Câmara.

Perdi a conta das que já dei, das palestras que fiz, das matérias que publicaram a meu respeito. Estranho destino, ter tantas pessoas empenhadas em me conseguir espaços, mas continuar fora das páginas e dos microfones da grande imprensa.

Desta vez foi o Douglas Salgado, amigo de quase quatro décadas, quem batalhou para que eu recebesse o convite.

Faço sempre o melhor que posso, até para corresponder à abnegação dos amigos e correligionários.

Mas, intimamente, eu me sinto um estranho no ninho. Os holofotes me ofuscam. Quero mesmo é difundir minhas idéias, ter tribunas para minhas lutas. Não, jamais ser uma celebridade!

Percebo que terei de jogar esse jogo, se quiser que minhas bandeiras tenham visibilidade.

Mas, no fundo, continuo um tímido, como era nos meus 16 anos, quando a revolução entrou na minha vida.

Apenas, aprendi a disfarçar. Era a mesma sensação do Raulzito, ele me disse. E deu um toque no verso famoso da "Metamorfose Ambulante", reconhecendo: "eu sou um ator".

Sempre tenho a impressão de que o destino nos escolhe, mais do que o escolhemos.

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