Ontem este blogue completou um ano. Distraído, eu ia deixando a data passar em branco. Mesmo porque havia algo mais urgente a fazer: repudiar outra transição negativa da política brasileira.
O conceito é de Norman Mailer. Há momentos em que enfrentamos uma prova de fogo e dela saímos engrandecidos, com injeção de ânimo para concretizar metas ainda mais ambiciosas.
E outros, como o do mar de lama no Senado, nos quais a derrota frustra os justos e a vitória de nada serve aos injustos, pois, em médio e longo prazos, perderão também.
A desmoralização das instituições só faz aumentar o desencanto do cidadão comum com a política e sua tendência a perseguir apenas objetivos pessoais, descrente da possibilidade de influir nos destinos da coletividade. Condena-nos a viver num mundo de apetites e ambições, sem ética e sem ideais. Valeu a pena agravar de tal forma a apatia política apenas para preservar... Sarney?!
O desfecho deste desafio foi a revelação da impotência de uns e do aviltamento de outros.
Demorará muito tempo para as pessoas decentes deste país esquecerem que, unidos pelas conveniências da politicalha sórdida, um dia estiveram na mesma trincheira Lula, Sarney, Collor e Calheiros.
Demorará muito tempo para os jovens deste país recobrarem a vontade de derrubar presidentes, pois, quando o fizeram, de nada adiantou: o presumido bandido acabou aos sorrisos e abraços com o presumido mocinho.
Então, eu tinha mesmo de botar ontem para fora esta bílis, antes que ela me sufocasse.
Hoje, entretanto, quero falar do primeiro aniversário do blogue Náufrago da Utopia.
Para começar, vale a pena recapitular sua mensagem inicial, de 08/08/2008, começando com um título brincalhão, inspirado no filme Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída:
"Eu, Celso L., 57 anos, anistiado e... blogueiro (?!).Passado um ano, o destino parece continuar indeciso quanto ao que me concederá.
Não era exatamente o que eu esperava fazer, nesta fase da minha vida.
Recapitulemos. Em novembro/2005, ao lançar meu livro de estréia, Náufrago da Utopia, acreditava ter desimpedido os caminhos para um projeto maior: propor um novo ideário para a esquerda, retomando, num contexto mais propício, as propostas neo-anarquistas da geração 68.
Mas, passados dois anos e meio, nada marchou como esperava.
O Náufrago não concretizou seu potencial, mantendo-se apenas como um cult para algumas dezenas de pessoas e uma referência para alunos e professores de História.
Não encontrei espaço para meu great come back à grande imprensa, sonho que jamais abandonei. Só que, como nunca, as tribunas estão hermeticamente fechadas para os articulistas de esquerda.
Vai daí que a nova utopia singra os mares meio sem rumo, incapaz de encontrar seu porto seguro.
O segundo livro será a hora da verdade: ou decola, ou não vou ter outra chance. Então, trata-se de um cartucho a ser queimado apenas no momento ideal.
Não pretendo fazer-me interessante para a mídia, nem sair da minha postura de uma vida inteira: discrição e coerência. Se meu trabalho tiver de acontecer, será a partir de sua qualidade. Travarei a luta até o fim com as mesmas armas de hoje.
Como o Roberto Campos fez no outro lado do espectro ideológico, não cortejarei meu público-alvo com concessões baratas. Deixarei que ele, por sua própria evolução, venha até onde estou... ou não.
Então, só me resta mesmo continuar escrevendo e espalhando meus textos, na esperança de que eles me levem aonde quero chegar.
Daí a iniciativa de abrir esta nova frente, para testar outras possibilidades de expressão e tirar a ferrugem das minhas ferramentas.
E seja o que o destino quiser.
No primeiro mês, o blogue tinha uma média de 12 visitantes diários. Hoje está por volta de 210. Parece ainda pouco, mas é, como diriam os profissionais de marketing, uma audiência qualificada. Pessoas que têm ideais e que ajudam a espalhar as mensagens, principalmente quando se referem a lutas em curso.
Os artigos em defesa de Cesare Battisti inegavelmente repercutem -- tanto que, para minha satisfação, vários parlamentares participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal a respeito do refúgio concedido ao escritor italiano, repetiram a argumentação que eu criara.
A internet é assim. O texto que colocamos na rede, eventualmente, espalha-se em círculos concêntricos, causando efeito semelhante ao da pedra lançada num lago.
Então, pouco se-me dá que quase ninguém se lembre de que fui o primeiro a lançar um alerta geral sobre o editorial da ditabranda ou de que minha imediata resposta à repulsiva matéria-de-capa da Veja sobre o Che Guevara inspirou praticamente todas as que vieram em seguida.
O importante é que houve um amplo repúdio à Folha de S. Paulo e à Veja. O objetivo foi atingido.
É claro que, jornalista por vocação, ainda me frustra ter ficado sem tribuna na grande imprensa.
Acompanhei tempos melhores, em que alguns profissionais idealistas conseguiam usar seus espaços na mídia para abrir as mentes, ao invés de impingir-lhes os valores do sistema. Preparei-me para exercer o mesmo papel e, quando me sinto apto para fazê-lo, deparo-me com a blindagem da imprensa aos articulistas consequentes.
As ironias da História são sempre dolorosas para quem é atingido por elas. Mas, as leituras marxistas ajudam, no meu caso. Sei que pequenas sementes às vezes frutificam em grandes comoções históricas.
Então, ao invés de praguejar contra as listas negras em que me colocaram, tenho mais é de exultar por existir a internet, que me permite exercer meu papel de formador de opinião mesmo na contramão do sistema.
Talvez nem chegue a ver o resultado dos meus esforços, mas tenho a sólida convicção de que uma nova maré revolucionária virá. E de que ela se iniciará no ponto mais alto atingido pela última: os ideais e posturas da Geração 68.
É isto que me dá forças para conviver com a estreiteza mental, a indigência intelectual, o sectarismo e o fanatismo daqueles que, às vezes sem sequer perceberem, são herdeiros de Stalin.
Pois, do grande embate que decidiu o destino da maior revolução até hoje inspirada pelos ideais marxistas, não emergiu apenas o desvirtuamento do ideal revolucionário, mas também as bases teóricas para seu aprofundamento.
Hoje, a perspectiva de recolocar a revolução nos trilhos é dada não só pelo legado dos que nunca se deixaram seduzir pelo autoritarismo, como também dos que, como Trotsky, recuaram aterrorizados ante o Leviatã, reaprendendo a duras penas a lição de que não devemos deixar que partidos substituam os trabalhadores, que núcleos dirigentes substituam os partidos e que um dirigente máximo substitua o núcleo dirigente.
É para impulsionar a gestação de uma nova vanguarda revolucionária, libertária e internacionalista, que este blogue existe. E, bem ou mal, tem desempenhado seu papel.
Então, a sensação com que encerro este primeiro ano é de missão cumprida.
7 comentários:
Belo balanço. Discordo em alguns pontos e concordo em outros. Infelizmente a "grande" imprensa defende antes seus próprios interesses. A "pauta" é definida em função de seus interesses a técnica e a ética, em grande parte das vezes, fica em segundo plano.
Fica aqui meus votos de que a comunicação, no nosso país, dê notícias de fatos e pare de produzir fatos para gerar notícias que conduzam aos seus interesses.
Só assim poderemos ter bons e vocacionados comunicadores como você ocupando o lugar que merecem. Parabéns.
Amigo Celso,
Parabéns pelo primeiro aniversário do seu excelente blog. Você é um dos poucos jornalistas que leio com frequência diária.
Nós do movimento negro também admiramos muito a sua luta.
Grande abraço.
ISMAR C. DE SOUZA
ismarsouza@hotmail.com
Continue remando meu caro náufrago, você está quase lá.
Feliz aniversario
Acima de tudo temos duas forças gigantes que oprimem os ideais coletivos, infelizmente ainda teremos petróleo por muitos anos e o desenvolver da energia atômica.
Acredito que trabalhos como o seu é de importância para o futuro.
Portanto ainda tens muito folego pra chegar a sua praia.
Boa sorte.
Um abraço.
Celso, acho que o que vc disse cabe uma bela discussão. Acho que o que vc explicitou neste texto uns 90% eu concordo. Larga mão de achar que vc já realizou teu trabalho. Mesmo com teu sofrimento é agora que tua voz está chegando até nós. Vc é imprescindivel rapaz. eu te leio diarimente. Abs
OI CELSO!!! ACHEI QUE ESTE BLOG TIVESSE MAIS DE UM ANO!!...
PARABÉNS!! E QUERO DIZER QUE SEU TRABALHO É IMPECÁVEL! VITAL! PRA lÀ DE FUNDAMENTAL! AQUI NÃO HÁ NADA DE NAUFRÁGIO!! AQUI HÁ LUTA DE VERDADE!!! SUA UTOPIA NUNCA MAIS PODERÁ SER CHAMADA DE NÁUFRAGA!! SEM VOCÊ A BLOGOSFERA É QUE NAUFRAGARÁ!! E O NOSSO DIREITO DE EXCELENTE INFORMAÇÃO TAMBÉM!! GRANDE ABRAÇO!!! MUITA FORÇA!!! E MUITO SUCESSO!!!SEMPRE!!
NADIA STABILE - 10/08/09
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