domingo, 12 de julho de 2009

INTOLERANTES E FANÁTICOS

"Yo soy un hombre sincero
De donde crece la palma,
Y antes de morirme quiero
Echar mis versos del alma.
(José Marti, "Guantanamera")


Fui formado numa geração em que revolucionários eram muito avessos a tudo que parecesse exibicionismo pessoal.

No meu livro conto, p. ex., como uma revista Realidade, com o então presidente da UNE Luiz Travassos na capa, virou alvo de críticas e zombarias em 1968.

Lembro-me de a terem recortado e acrescentado um balão com o que ele estaria pensando: "Dou ou não dou, eis a questão". Isso andou exposto nos murais das faculdades vermelhas.

Enfim, nunca pensei que a publicação, ontem, de minha árvore genealógica pudesse despertar tanto interesse aqui e até em outros espaços. Mas, como isto surpreendentemente aconteceu, vale a pena eu falar um pouco sobre o que está por trás dela.

SEQUESTRADORES SERIAIS - Já faz um tempinho que venho atuando na Web como um articulista de esquerda independente. Ou seja, analiso os acontecimentos sob uma ótica revolucionária, sim, mas sem o sectarismo e o fanatismo de certos companheiros engajados (no mau sentido).

Estes transpuseram a linha que separa a verdade da versão conveniente. Tornaram-se propagandistas, falseando (intencionalmente ou não) a verdade para encaixá-la em sua visão predeterminada.

Várias vezes já me choquei com a rigidez mental dessa gente. P. ex., quando Chávez andava insuflando uma guerra entre o Equador e a Colômbia, por conta do bombardeio de um acampamento de guerrilheiros das Farc no território equatoriano, opus-me radicalmente a essa previsível guerra dos esfarrapados.

E, como as Farc estavam no centro da questão, com suas práticas distorcidas sendo utilizadas para denegrirem-se os movimentos revolucionários em geral, eu e o Ivan Seixas (exatamente os mais frequentes defensores, nas batalhas de opinião, dos grupos armados de resistência à ditadura de 1964/85), recolocamos a posição da guerrilha do nosso tempo: vida só se troca por vida.

Ou seja, só considerávamos lícito sequestrar pessoas (no caso, diplomatas) para trocá-las pela vida de companheiros presos, torturados e ameaçados de morte nos cárceres da repressão. Jamais para trocá-las por grana.

Recursos obtinhamos de forma mais arriscada, expropriando bancos. Víamos sequestros como uma prática indigna, que só admitíamos em circunstâncias extremas. Valores bem diferentes, portanto, dos das Farc, que estavam mantendo centenas de cidadãos em cativeiro degradante.

Reagindo às críticas que então recebi, de primarismo atroz, coloquei como missão do meu blogue a defesa dos ideais revolucionários, dos direitos humanos e do pensamento crítico, em pé de igualdade, sem jamais priorizar uma dessas bandeiras em detrimento das outras.

CAÇA À BRUXA DA VEZ - Nas últimas semanas, os intolerantes que se julgam de esquerda voltaram a tentar intimidações para me tangerem para o que cada um considera ser o único caminho justo.

Antilulistas furibundos cobraram-me posicionamento contra Sarney, atribuindo a uma pretensa "aliança tática" minha com o PT o fato de eu não estar participando da caça à bruxa da vez. Fizeram questão de ignorar que, muito antes do novo escândalo, eu já defendia a posição de que não adianta nem é nossa missão tentarmos moralizar a democracia burguesa. Existimos para acabar com o capitalismo, não para eliminar suas chagas expostas. Além do que eu considero Sarney insignificante demais como alvo; não perco tempo com os office-boys do sistema.

Bolivarianos não engoliram que, embora eu tenha defendido desde o primeiro momento a devolução do poder a Manuel Zelaya, haja tirado a única conclusão possível sobre o comportamento do presidente hondurenho deposto na noite dos encapuzados: comportou-se como um banana. Não consigo imaginar um Salvador Allende ou um Getúlio Vargas se deixando deportar de pijamas. Há horas em que, para cidadãos que assumem grandes responsabilidades, o brio tem de contar mais do que o apego à vida.

AS COTAS DA DISCÓRDIA - Um dirigente de uma igrejinha sectária do movimento negro reprova-me o apoio às cotas universitárias, que, na minha visão, não devem ser extintas, mas sim mantidas e ampliadas, para beneficiar outros pobres.

Vejo-as como um mecanismo para reequilibrar a disputa pelas vagas, distorcidas pela máfia dos cursinhos, que adestram para o vestibular aqueles riquinhos que podem pagar suas astronômicas mensalidades.

E as cotas, onde estão sendo testadas, comprovaram exatamente isto: negros que não conquistariam vagas apenas por não poderem custear cursinhos caros, acabaram tendo desempenho universitário equivalente ou até melhor que o dos brancos.

Mas, os tais "negros socialistas", de tanto combaterem a posição dominante do movimento negro, acabaram atrelando-se à corrente dos reacionários brancos que são contra as cotas por preferirem o capitalismo selvagem em sua plenitude: competição exacerbada e prevalência dos mais fortes. Lamentável.

Finalmente, há os tacanhos que recriminam redes virtuais e sites de esquerda quando publicam os raros artigos meus que não são diretamente políticos, embora eu sempre produza enfoques políticos num sentido maior do termo.

Então, a escolha desses 26 personagens foi como uma profissão de fé, uma reafirmação de valores.

Há um motivo para Trotsky constar e Stalin, não.

Há um motivo para Proudhon e Thoreau aparecerem ao lado de Marx e Gramsci.

Há um motivo para eu dar tanto destaque à frase lapidar de Rosa luxemburgo, sobre a verdade, em si, ser revolucionária.

Alguns, decerto, compreenderão.

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