sexta-feira, 31 de julho de 2009

CAI A MÁSCARA DO SARNEY. E TAMBÉM A DA "FOLHA"

Com a coluna desta 6ª feira de José Sarney na Folha de S. Paulo, intitulada O fim dos direitos individuais (ver aqui), caiu mais uma máscara que o jornal utilizava para conceder privilégios indevidos aos amigos do rei. É uma história que merece ser contada em detalhes.

Diante das evidências gritantes de que práticas ilicitas nas esferas executiva e legislativa tinham participação, acobertamento, consentimento ou omissão de José Sarney, leitores da Folha vinham manifestando, há várias semanas, sua indignação por ele manter um espaço fixo como colunista.

Um desses leitores foi meu companheiro de lutas na defesa dos direitos humanos, o promotor Jorge Marum. Associei-me à sua manifestação de repúdio, estendendo-a a Delfim Netto que, como signatário do AI-5, deu sinal verde não só para todos os genocídios e atrocidades perpetrados pela ditadura militar a partir de dezembro/1968, como também para a censura e intimidação da imprensa. Que memória curta tem a Folha!

Na verdade, não são apenas os dois que jamais deveriam ter espaços fixos como colunistas em veículo nenhum da mídia. Mesmo no caso de uma ave de outra plumagem, como Fernando Gabeira, há um óbvio conflito entre o papel de deputado envolvido nas lutas políticas e o de comentarista que opina sobre elas.

Direta ou indiretamente, poderá sempre estar advogando em causa própria. Então, o justo é que o faça nos espaços noticiosos, como parte do tiroteio político. Não num espaço opinativo, que teoricamente deveria ser reservado para analistas, tanto quanto possível, equidistantes e neutros.

Ou seja, concede-se a um ator político um espaço cativo no jornal, mas não se dá o mesmo direito aos demais atores políticos que possam sentir-se prejudicados por seus textos. Para um, visibilidade e prestígio. Para os que queiram constestá-lo, a seção de leitores, que Paulo Francis apropriadamente chamava de muro das lamentações.

DEMOCRATIZAÇÃO ABORTADA

O ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva, sabe muito bem quais são as boas práticas jornalísticas e quais as que as infringem. Então, agiu certo, tanto quanto nos casos da ditabranda, da ficha policial falsa de Dilma Rousseff e da manchete alarmista sobre a gripe suína: comunicou suas críticas à redação.

Infelizmente, os leitores há muito deixaram de ser representados no jornal, que só mantém a seção do ombudsman para não passar recibo de que sua arrogância olímpica é incompatível com os limites que jornais mais sérios impõem a si próprios.

Criou tal seção, apresentou-a como um grande avanço na democratização dos meios de comunicação, depois arrependeu-se do que havia feito e a esvaziou, mantendo-a apenas como fachada.

Então, de nada adianta Carlos Eduardo estar sempre com a posição correta, salvo em benefício de sua biografia como profissional de dignidade exemplar. Mas, a única obrigação da redação da Folha tem sido a de escutar pacientemente suas ponderações; depois, age como bem entende.

Uma maneira evasiva de mascarar a contradição entre o papel de senador e o de colunista na imprensa vinha sendo a escolha, por Sarney, de temas distantes de suas preocupações e atribuições como presidente do Senado.

Assim, nas últimas semanas, com a cabeça permanentemente a prêmio, ele escreveu sobre a afirmação econômica da China, a disputa de mercado Windows/Google e o acordo nuclear EUA/Rússia, além de prestar homenagem ao falecido professor José Aristodemo Pinotti.

Tal comedimento foi para o espaço diante da evidência de que será mesmo expelido da presidência do Senado, agora que perdeu seu último sustentáculo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Aliás, ao desembarcar da canoa furada, Lula cometeu mais uma frase extremamente infeliz:
"Não é problema meu. Não votei no Sarney para ser presidente do Senado nem votei para ele ser senador no Maranhão [na verdade, Amapá]".
Depois de empenhar todo seu prestígio para tentar evitar a degola de Sarney, retardando inutilmente a única solução cabível, Lula agora dá de ombros, como se não tivesse feito uma opção desastrosa e eticamente inaceitável.

Tanto quanto no recente episódio em que andou aos sorrisos e abraços com Fernando Collor, deveria pedir humildes desculpas a quem acreditou em suas promessas e o ajudou a chegar onde ele está. Pois, não foi para isto que os militantes deram sangue, suor e lágrimas nos tempos difíceis.

DE FLEUMÁTICO A DESTRAMBELHADO

Quanto a Sarney, perdeu até a pose, usando o espaço que a Folha lhe concede para um desabafo irado:
"Hoje, com a sociedade de comunicação, os princípios da guerra aplicados à política são mais devastadores do que a guilhotina da praça da Concorde. O adversário deve ser morto pela tortura moral disseminada numa máquina de repetição e propagação, qualquer que seja o método do vale-tudo, desde o insulto, a calúnia, até a invenção falsificada de provas.

"Como julgar uma democracia em que não se tem lei de responsabilidade da mídia nem direito de resposta, diante desse tsunami avassalador da internet e enquanto a Justiça anda a passos de cágado? Como ficam os direitos individuais, a proteção à privacidade, o respeito pela pessoa humana?"
Para quem sempre recebeu tratamento diferenciado da imprensa, é de um ridículo atroz vir agora se queixar de que seu direito de resposta não foi respeitado. Bastaria Sarney ter convocado uma coletiva e todos os espaços se-lhe abririam, caso tivesse alguma resposta consistente a dar. Mas, não tinha. Só enrolava e despencou como uma fruta podre.

Já a internet só parece um "tsunami avassalador" para quem acostumou-se à conivência da imprensa burguesa diante dos maiores descalabros, como o cometido por alguém que falseia domicílio eleitoral para eleger-se senador a despeito de estar sendo merecidamente repudiado pelo seu Estado de origem.

Finalmente, cabem duas indagações à Folha de S. Paulo:
  1. considera que o jus sperniandi de Sarney é uma opinião relevante para os leitores que compram o jornal?
  2. caso contrário, que motivo ainda falta para que sua coluna seja extinta?

3 comentários:

Anônimo disse...

Não vejo problema no Lula abraçar e sorrir pra Collor, se ele faz isso com políticos de direita em geral. Sabemos que Collor não é pior nem melhor que a média dos políticos brasileiros. Se Lula fez o mesmo com George Bush, e por aí vai, o Collor é fichinha.

Ossos do ofício, não?

Infelizmente na política tem que se enfiar a mão na merda, e é um dos motivos que não gosto dela.

Maria Carolina Bissoto disse...

Achei péssima a frase do Lula sobre o Sarney. Me pergunto qual é o motivo de Lula apoiá-lo tanto. O que será que há por trás?

celsolungaretti disse...

Recebi o seguinte esclarecimento do ombudsman Carlos Eduardo Lins da Silva, atencioso como sempre:

"Esta questão de colunistas (...) é uma em que o ombudsman não pode mexer, a não ser no encaminhamento das manifestações dos leitores à direção. É uma decisão que cabe inteiramente à direção tomar. Se a coluna contém erros factuais, eu posso e devo apontá-los. Se o jornal está muito enviesado para um lado ou outro na composição da sua equipe de colunistas, também. Mas não posso pedir ao jornal que retire a coluna de alguém por nenhum motivo".

Então, como ele me comunicou anteriormente ter transmitido à redação a posição que eu e o Jorge Marum manifestamos, contra a continuidade da coluna do Sarney, supus erroneamente que o fizera por concordar com nossas ponderações. Fica registrado que o fez em cumprimento da sistemática de sua função.

Já nos três outros casos citados, ele se posicionou na sua coluna dominical enfaticamente contra a postura adotada pela redação.

De qualquer forma, o certo é que, nos quatro episódios, a redação ignorou os questionamentos que foram feitos às suas decisões equivocadas. Preferiu persistir no erro.

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