terça-feira, 3 de março de 2009

A NOVA DIREITA E O ANTÍDOTO

Faz muito tempo que não leio um comentário político tão lúcido como A nova direita ( http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0303200906.htm ), de Marcos Nobre, publicado na Folha de S. Paulo de hoje (3).

Segundo ele, a esquerda antes predominava no debate político com teses como as de que "aplicar pena de prisão não diminui a criminalidade, porque o crime (...) é (...) falha de toda uma sociedade"; "o desemprego não é culpa do desempregado, mas de um sistema econômico que produz injustiça"; "o progresso material só significa progresso social e político se houver uma justa e solidária distribuição da riqueza", etc.

Nos últimos 30 anos, entretanto, faltou-lhe a percepção de que havia uma demanda de mais liberdade por parte dos movimentos e grupos sociais. Esquivando-se ao desafio "de pensar uma nova relação entre liberdade e igualdade", boa parte da esquerda respondeu de maneira desastrosa: "liberdade, só com igualdade primeiro".

A direita, então, entrou por essa brecha, apresentando-se, demagogicamente, "em nova roupagem, como paladina da liberdade e mãe da democracia". E assim foi ocupando "um a um, os espaços disponíveis nos meios de comunicação de massa e na esfera pública".

Como resultado, "o que se pede hoje de todos os lados é mais prisão, mais responsabilização dos indivíduos, mais progresso material puro e simples" e por aí vai.

Nobre aproveitou para aplicar uma merecida alfinetada no jornal que o publica: "A nova direita vê a forma atual da democracia como imutável, como o 'fim da história'. Avalia toda tentativa da esquerda de transformar a democracia como um ataque à liberdade. Mas, ao mesmo tempo, não vê problema em aceitar - como fez a Folha a propósito da ditadura militar brasileira - o revisionismo histórico e gradações no autoritarismo".

Como a esquerda poderá reagir? É uma discussão longa, mas eu tenho apontado alguns caminhos:
- colocar em pé de igualdade os ideais revolucionários, a defesa dos direitos humanos e o exercício do pensamento crítico, sem estabelecer nenhuma priorização entre estes valores e apostando na possibilidade de se desenvolver uma prática coerente com os três ao mesmo tempo;
- descartar a estratégia de conquista do governo, como trampolim para a conquista do poder e transformação vertical da sociedade (de cima para baixo);
- partir para a organização autônoma e não-autoritária dos cidadãos, construindo, horizontal e gradativamente, uma sociedade livre, solidária e igualitária no seio da própria sociedade capitalista, até suplantá-la e "engoli-la" (o que poderá ser propiciado pela brecha histórica que se abre nos períodos de grandes crises, quando os homens são compelidos a unirem-se para assegurar a própria sobrevivência).

2 comentários:

Anônimo disse...

descartar a estratégia de conquista do governo, como trampolim para a conquista do poder e transformação vertical da sociedade (de cima para baixo);
- partir para a organização autônoma e não-autoritária dos cidadãos, construindo, horizontal e gradativamente, uma sociedade livre, solidária e igualitária no seio da própria sociedade capitalista, até suplantá-la e "engoli-la"

Comentário: 1) não sei por que é preciso descartar a conquista do governo para criar a organização solidária e igualitária. As duas coisas não se opõem, em princípio. Na prática política é difícil, claro, porque a esquerda não PODE governar sozinha dentro do regime eleitoral brasileiro. Mas não vejo porque criar a sociedade proposta fora do poder seria mais realizável, a não ser como retórica porque a direita existe e reage, esteja a esquerda no poder ou não. A segunda alternativa me parece coisa do "purismo" teórico do PSOL, uma espécie de esquerdismo, a terrível doença infantil que esquece a dureza da luta política real e concreta, a única que permite às classes subalternas fazer seu necessário aprendizado. Ficar de fora da política real, burguesa, para destruí-la é adiar as aeternum a possibilidade dessa destruição.

celsolungaretti disse...

Companheiro, parto de duas evidências que saltam aos olhos: no caminho para a conquista do governo por via eleitoral, os revolucionários acabaram sempre deixando pelo caminho seus ideais; as revoluções nacionais invariavelmente se deturparam, além de fornecerem (como espantalho útil) o inimigo.

Voltamos a um século atrás: a revolução terá de ser mundial, ou nada será.

Só que, em função dos gravíssimos desafios que a humanidade enfrentará nas próximas décadas, é bem capaz de a união de esforços para a sobrevivência inspirar a adoção de um modelo diferente quando da reconstrução da sociedade.

Ainda apresentarei melhor estas teses, em livro.

Abs.

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