sexta-feira, 3 de agosto de 2018

CRÍTICA À POSITIVAÇÃO DO TRABALHO ABSTRATO E À DEMONIZAÇÃO DO ÓCIO

Para o companheiro Apollo Natali, que confrontava
os canhões da opressão com o amor à humanidade
A sociedade do capital incensa o trabalho como virtude humana ao mesmo tempo em que criminaliza o ócio, embora jogue no desemprego grande parte dos trabalhadores. Não são poucas as empresas que afirmam ser o trabalho intenso o seu pretensamente virtuoso leme empresarial.

Não podia ser diferente, na medida em que o trabalho abstrato é a fonte primária do valor e a seiva da existência empresarial, ainda que, contraditoriamente, as empresas cada vez mais se utilizem das máquinas para fazer face à concorrência de mercado e dispensem o trabalho abstrato.

Trata-se, evidentemente, de uma contradição, como tudo que há na dinâmica abstrata, mas que se torna real no capitalismo; este, afinal, nada mais é do que um processo histórico ora se exaurindo por força das muitas contradições que afloram, infelicitando a maior parte da humanidade.

Sob o trabalho produtor de valor, a cada ilha de prosperidade corresponde um oceano de pobreza.  

Veja o caso dos Estados Unidos, país que detém a moeda internacional e a fama de ser exemplo a ser seguido, tanto do ponto de vista político como econômico.

O povo dos EUA agora aceita o fanfarrão burguês Donald Trump por conta dos bons resultados da economia daquele país, relevando todas as suas falhas de caráter e espírito belicoso, assim como a recuperação econômica da Alemanha favoreceu a escalada nazista.

O PIB dos Estados Unidos aumentou 4,1% no segundo trimestre de 2018 (índice fortemente alavancado pela produção adicional decorrente do anúncio de medidas protetivas) e se presume que fechará o presente ano com um crescimento acima de 2,2%, contra uma taxa de desemprego de 3,9%.

A aprovação estadunidense a Trump demonstra cabalmente que a preferência e o pensamento do eleitor começa no bolso. Havendo pão e circo aceitam-se as maiores atrocidades que possam provir de governantes narcisistas e com tendência a posturas ditatoriais; assim, muitos desavisados veem no Trump um exemplo de governante a ser seguido.

Mas se os Estados Unidos, maior PIB do mundo, com população de 325,7 milhões de habitantes e taxa de desemprego de 3,9%, vão bem, o que dizer da América latina, começando pelo México e indo até a Patagônia, com população de 569 milhões de habitantes?

A América latina tem previsão de um crescimento do PIB da ordem de 1,6% em 2018; a taxa de desemprego foi de 9,7% em 2017; os governos são sucessivamente destituídos pelo voto ou por impeachment; e nela campeia a pobreza.
A referência a ser imitada é sempre a do vitorioso, sem que se compreenda que a sua vitória está na exata dimensão da derrota dos que seus adversários na concorrência de mercado, guerra em que há poucos vencedores e muitos perdedores.

Costuma-se endeusar o nível de produtividade dos trabalhadores do chamado 1º mundo, sem, entretanto, ser levada em consideração a interveniência da tecnologia aplicada à produção, que faz com que um trabalhador operando um computador ou robô produza infinitamente mais do que um trabalhador de arado manual puxado por bois.

Não se pode condenar a tecnologia e a máquina na produção de objetos e serviços, mas, ao contrário, devemos saudá-la como o instrumento de explicitação mais clara da irracionalidade e inconsequência social do trabalho abstrato e da forma-mercadoria.

O capital promove a idolatria do trabalho abstrato como virtude humana ontológica, o que é, além de um desconhecimento da história, um abominável conceito, em razão da manipulação semântica que isto promove. O trabalho, como categoria econômica capitalista, não é a única forma de produção social (ou melhor, é uma forma recente de produção em termos históricos).

Associado à idolatria ao trabalho, vem junto a equivocada idolatria ao mercado como se este fosse uma forma eficaz de distorção de irregularidades e manipulações; e, também, o culto à competitividade social da produção, o que é a quintessência da irracionalidade. 

Sob um novo contrato social a máquina nos proporcionará o ócio criativo e produtivo, e os pósteros rirão de nós e da nosso ignorância por termos passado tanto tempo vivendo sob a irracionalidade da mediação social da forma-valor (dinheiro e mercadorias). 
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"TRABALHO" É UMA PALAVRA QUE TEVE ORIGEM NUM INSTRUMENTO PARA TORTURAR ESCRAVOS — O trabalho é uma mercadoria e uma forma de escravização indireta. Não é à toa que essa palavra deriva do nome latino de um instrumento de tortura para que os escravos trabalhassem eficientemente, o tripalium.

O capitalismo é a sociedade do trabalho. Sob tal contrato social alguns trabalham demais, muitas vezes tornando-se workaholics (viciados em trabalho); muitos outros não conseguem trabalho na fase atual do desemprego estrutural, caindo no desespero por não possuírem renda nenhuma. 

A sociedade da escravização indireta do trabalho nega o trabalho! Um paradoxo resultante das contradições de um modelo social que sempre foi irracional e que agora se tornou anacrônico.   

É evidente que, no capitalismo, o tempo é mal distribuído, outra das muitas contradições do seu modo de produção. Sob o capital o tempo é dinheiro, e como o dinheiro não pode ser distribuído, o tempo também é mal distribuído. 
É que a produção social capitalista não está voltada para o social, mas para a sobrevivência da lógica autotélica da forma-valor.

No capitalismo quem não trabalha e produz valor não come, daí os que não conseguem trabalho ou estão inválidos serem tratados como párias sociais... 

O capitalismo demoniza o ócio e até já se cunhou a frase segundo a qual ele é a oficina do diabo. Realmente, o ócio improdutivo, aquele no qual o indivíduo social nada pode fazer por absoluta necessidade material, pode leva-lo à revolta bárbara, cega, inconsciente, bem como à depressão mental. 

Entretanto, isso não pode ser comparado com o ócio criativo, que é aquele em que estão dadas as condições para o engrandecimento das melhores virtudes humanas nos vários campos de sua capacidade.

Se todos os seres humanos (homens e mulheres) pudessem participar ativamente da produção social sem as exclusões próprias da lógica segregacionista e excludente do capital, cada um deles poderia produzir muito e por pouco tempo, e a produção social seria capaz de satisfazer todas as necessidades de consumo comodamente.

Sob tal forma de produção sobraria tempo suficiente para o desenvolvimento das melhores virtudes, dons e capacidades pessoais que são inerentes a cada ser humano, sem que sejam impelidos a fazer aquilo a que a necessidade ou as circunstâncias os obrigam, como agora ocorre. 

Quantos talentos se perdem porque seus detentores são impelidos a abandonar os estudos para, com seu trabalho, sustentarem a família? Quantos são obrigados a deixar de fazer aquilo que mais apreciam e para que têm melhor aptidão?

Com tempo sobrando, todos poderemos estudar, praticar o esporte preferido, desenvolver aptidões artísticas, proporcionar carinho aos familiares e amigos, dedicar tempo para o simples lazer (pescar, jogar xadrez, surfar, nadar, cantar, etc.) e, principalmente, amarmos e sermos amados – com condições materiais para curtir todas essas atividades e prazeres. 

Digo que tudo isso é possível de ser feito com condições materiais porque numa sociedade na qual todos produzem fica acessível a todos o acesso a essas condições, sem o entrave da famigerada viabilidade econômica somente admissível no capitalismo. 

Retirem-se as condicionantes da reprodução do capital, cada vez mais difícil de se materializar, e tudo se tornará factível graças ao imenso domínio hoje existente da ciência e do saber, bem como do uso racional e sustentável dos recursos da natureza. 

Há quem exija de mim uma manual de procedimentos para chegarmos à sociedade emancipada do capital (tipo receita de bolo, que realmente não tenho e nem devo e nem posso ter); há quem veja nas minhas análises um ar sombrio e melancólico ou uma utopia irrealizável. 
Por Dalton Rosado

Pois bem, entendo que devamos fazer o caminho ao caminhar; melancólica é a vida social a que estamos submetidos, mas verdejante é a vida que virá sem a mediação social da forma-valor, pois esta é a pedra de toque de uma utopia saudável. 

Experimentemos e veremos. 

Um comentário:

Unknown disse...

A grande vantagem de estar a 57 anos em meio aos viventes é saber que o mundo não mudou. Continua essencialmente igual, mas eu mudei. Evolui.
E sou mais feliz hoje do que quando era jovem, embora tenha menos recursos.
É por isso que sua percepção do momento atual é correta, sua proposição é factível e daria certo, se mudar as circunstâncias mudasse as pessoas.
Há quem, tendo tempo livre, não aproveitaria de maneira construtiva. Diria, mesmo, a maioria utilizaria de forma prejudicial.
Portanto, o ócio construtivo nunca será uma dádiva de um bem intencionado sistema econômico, mas sim conquista de uma sociedade que estude e trabalhe muito para chegar a ele.
O problema é que todos querem mudança, mas ninguém quer mudar.

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