Como se não bastasse sua impotência face aos sucessivos testes nucleares da Coréia do Norte, Donald Trump tem outro sapo dos mais indigestos para engolir: o presidente russo Vladimir Putin acaba de declarar que seu país desenvolveu armas atômicas que não podem ser detectadas pelo escudo antibalístico estadunidense da ABM na Europa, tornando-o obsoleto.
Antecipou que fazem parte do lote bolas de fogo hipersônicas e armas com raio laser. Segundo Putin, tais armamentos "existem e são invencíveis". Aos interessados num aprofundamento dos detalhes técnicos, recomendo esta notícia da BBC Brasil.
Trocando em miúdos, os EUA supunham que pudessem desencadear um ataque atômico súbito à Rússia e respectivos aliados sem serem retaliados à altura. Isto lhes dava uma vantagem óbvia em termos de intimidação: ainda que não ousassem iniciar um conflito de consequências imprevisíveis, podiam exercer forte pressão sobre a Rússia, no sentido de condicionar certas decisões.
Vídeo exibido por Putin apresentou este protótipo de nova arma |
Ahora, no más! A crer-se em Putin, terá sido restabelecido o equilíbrio do terror nuclear que existiu em períodos do século passado.
A advertência do presidente russo foi feita anteontem (01/03) durante seu discurso anual sobre o Estado da Nação, transmitido por TV para todo o país. Disse que a decisão de ampliar seu arsenal nuclear foi tomada pela Rússia depois que os Estados Unidos decidiram abandonar um acordo antimísseis assinado em 1972.
"Na ocasião, vocês não ouviram nosso país. Então nos ouçam agora", trovejou o presidente russo. "Nós consideraríamos qualquer uso de armas nucleares contra a Rússia ou aliados como um ataque nuclear contra o nosso país. A resposta seria imediata."
Evidentemente, Putin não respondeu à questão do momento: a tal resposta imediata ocorrerá caso os EUA ataquem a Coréia do Norte? Rússia e China são aliadas reticentes do regime de Kim Jong-il, recriminando suas bravatas nucleares mas preferindo que se chegue a um acordo pelo qual ele deixaria de dar continuidade ao seu programa militar-nuclear em troca de uma garantia estadunidense de que não sofrerá nenhuma agressão unilateral.
Outro vídeo mostrou mísseis despencando sobre a Flórida |
O certo é que o mundo passou a ter mais um motivo de preocupação, que parecia ter deixado de existir há 55 anos: o de um confronto militar entre nações poderosas.
Foi o tempo que bastou para esquecermos da rosa de Hiroshima, a rosa radioativa estúpida e inválida, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada...
O PESADELO QUE PODERÁ NOS ASSOMBRAR DE NOVO
Quantos saberão hoje em dia que, durante 13 dias do mês de outubro de 1962, a sobrevivência da espécie humana esteve por um fio? Quantos se mostrariam tão indiferentes à atual escalada armamentista se soubessem disto?
Rememoremos. O presidente John Kennedy deu um ultimato à União Soviética, exigindo a retirada de mísseis nucleares instalados secretamente em Cuba, cuja presença fora revelada por fotos de aviões espiões, e ordenou o bloqueio naval da ilha. A resposta do premiê Nikita Kruschev foi despachar uma força-tarefa rumo à linha do bloqueio.
Rememoremos. O presidente John Kennedy deu um ultimato à União Soviética, exigindo a retirada de mísseis nucleares instalados secretamente em Cuba, cuja presença fora revelada por fotos de aviões espiões, e ordenou o bloqueio naval da ilha. A resposta do premiê Nikita Kruschev foi despachar uma força-tarefa rumo à linha do bloqueio.
Militares linha-dura de ambos os lados acalentavam o sonho de destruírem o inimigo atacando em primeiro lugar com suas bombas atômicas. Isto não teria dado certo pois, além de empestear com radiatividade um enorme naco do planeta, ainda sobraria ao país atacado tempo suficiente para lançar seus mísseis antes de ser pulverizado.
Então, quando aquelas dezenas de navios de guerra se colocaram frente a frente, bastaria um dos comandantes perder a cabeça e gritar fogo! para as pedras de dominó começarem a tombar uma por uma. A guerra começaria no mar e, em terra, logo os mísseis seriam libertados dos silos.
O perigo era tão dantesco que, do lado dos EUA, o próprio John Kennedy comandou com mão de ferro a operação. Inclusive contatava pessoalmente, por rádio, os comandantes dos navios, dando-lhes ordens e instruções. Ele e o irmão Bob (seu conselheiro militar) fizeram tudo que podiam para que a situação não escapasse de controle.
Não se sabe ao certo o que Kruschev fez nem quem foi o responsável pela decisão de ordenar aos navios soviéticos que dessem meia volta, desistindo de romper o bloqueio.
Mas o premiê soviético estava tão pressionado que, quando resolveu entrar em contato com John Kennedy para discutirem o impasse, optou por mandar recado por um canal inusitado, ao invés de recorrer aos diplomatas profissionais que imediatamente transmitiriam a novidade ao serviço de espionagem.
Ou seja, escondeu de seu próprio governo que estava negociando em segredo com os EUA até fechar o acordo e só então apresentou o prato feito ao Politburo, obtendo seu aval (seria difícil discordar naquela altura).
Aceitara retirar imediatamente os mísseis soviéticos de Cuba, em troca da promessa de Kennedy de fazer o mesmo dentro de algum tempo, sem alarde, com os mísseis estadunidenses existentes na Turquia e na Itália.
Em termos concretos o resultado foi, portanto, um empate, mas Kruschev permitiu que os EUA posassem de vencedores, pois esta era a imagem que os filmecos de Hollywood sempre impingiram ao resto do mundo.
De quebra, foi instalado o célebre telefone vermelho, linha direta para os dois dirigentes supremos se contatarem em momentos de grave crise, como garantia adicional de que uma guerra apocalíptica não começasse por mero equívoco.
Chegamos a um passo do abismo e recuamos horrorizados; aí atravessamos mais de meio século sem sustos semelhantes. Agora, contudo, podemos voltar às paranoias do tempo da guerra fria, quando aquelas imagens horrorosas da destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki assombravam-nos em pesadelos e cidadãos particulares chegavam ao cúmulo de transformarem os porões de suas residências em precários abrigos nucleares.
Pior: tendo plena consciência de que, mais dia, menos dia, a casa acabará finalmente caindo, caso não transformemos radicalmente a nossa sociedade.
Enquanto os artefatos de destruição em massa existirem, não teremos garantia nenhuma de estarmos vivos no dia seguinte.
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