sexta-feira, 9 de março de 2018

AS CAUSAS DO MEDO SOCIOFÓBICO (consequências e enfrentamentos) – 2

(continuação deste post)
O medo social é o medo denominado pela ciência psiquiátrica e sociológica como fobia social ou sociofobia, sendo caracterizado por manifestações generalizadas, as mais diversas e conflitantes entre si, tais como:

— apatia, desilusão e depressão;

— práticas de atos de barbárie e violência gratuita;

— práticas criminosas como revolta (até inconsciente) contra o roubo oficializado, que se corporifica na acumulação de riqueza por parte de uns poucos (natureza criminosa patológica à parte);

— tensão nervosa permanente;

— desconforto perante a avaliação social numa sociedade em que se mede o valor das pessoas por suas contas bancárias ou poder aquisitivo (quem não produz valor e não consome valor é considerado como pária social pela sociedade do capital);

— sentimento de culpa pessoal pelo pretenso fracasso social por não conseguir riqueza pessoal e o provimento mínimo das necessidades pessoais e familiares.

Neste contexto, as virtudes humanas, se não produzirem valor, são consideradas como artefatos de segunda categoria, quando não devaneios de gente fora da realidade. A inversão dos valores verdadeiramente humanistas é cada vez mais presente.  
Observa-se, hoje, no semblante da maioria das pessoas, uma tensão de medo que é a mãe das catarses sociais de alegria, como no carnaval, com seu deboche coletivo da opressão (o lado bom da catarse); ou de selvageria, como as constantes agressões gratuitas e criminosas das torcidas organizadas do futebol (o forma de catarse animal irracional que nos remete à primeira natureza humana).. 
  
A CORAGEM É UMA REAÇÃO DIANTE DO MEDO
.
A coragem é a resistência ao medo, pois, como bem disse Nelson Mandela: 
"Não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas aquele que conquista por cima do medo"
Coragem é, portanto, o domínio do medo pela ação, e não a sua ausência.

Mas a coragem, do ponto de vista da ação social, tem de ser consciente para ser eficaz; a coragem como mera valentia agressiva, autoafirmativa, é inconsequente e denota o desejo de encobrimento de uma fraqueza que vive latente no interior da consciência do valentão. 

Até no reino animal, irracional, a coragem pode advir do medo e com ele permanecer concomitantemente. Uma fera acuada costuma ser mais feroz do que quando sente-se segura e alimentada.  


Mesmo o suicida, que tem a coragem de acabar com a própria vida, age como um contraponto desesperado por medo do enfrentamento dessa mesma vida; age por uma coragem medrosa, extremada. 

Se não nos tornarmos conscientes de que caminhamos celeremente para o abismo caso continuemos com a irracionalidade do nosso modo de produção, será o medo do abismo (que se aproxima de modo célere e temerário) aquilo que nos fará lutar coletivamente contra o genocídio, sem saber como, onde e por que nos rebelamos? É pouco provável que reajamos de modo consistente por mera defesa da vida. 

A coragem derivada da luta pela mera sobrevivência bárbara, sem consciência social, nunca é boa conselheira, porque não atua contra as circunstâncias causais; o genocídio apenas impele à reação natural em defesa da vida, o que não é suficiente para a emancipação social sustentável.

Quando advém da consciência sobre o modo de produção social que inviabiliza a vida, a coragem ganha contornos de humanismo e sensibilidade heroicos.

Os perigosos e atuais movimentos de direita, nacionalistas, próprios de um capitalismo excludente que volta a prevalecer (como ocorreu nos anos de depressão econômica mundial, quando levou às duas grandes guerras), decorrem do medo da perda de alguns poucos privilégios sociais tanto por parte dos pobres, principalmente, como por parte dos ricos; estes últimos tentam colocar as suas barbas de molho, sabendo que, no longo prazo, é insustentável a concentração de suas riquezas, cada vez mais acentuada.     

Mas, tal medo da perda de alguns poucos privilégios pelos pobres (que agora infelizmente estão votando na ultradireita) decorre da inconsciência sobre a possibilidade de um modo de produção que possa proporcionar a todos maior comodidade de vida social.


Neste sentido, só a consciência sobre as opções existentes pode provocar a coragem do abandono do medo parasitário e conformista, que é absolutamente diferente da coragem bárbara dos desesperados que querem resolver os seus problemas pela via da criação de grupamentos criminosos (caso do crime organizado) ou por grupos nacionais-teocráticos (caso do terror político do tipo Al Queda, Estado Islâmico, Boko Haram, etc.). 

Só a coragem coletiva consciente é verdadeiramente libertária. Numa palavra definitiva, podemos afirmar que sem consciência social sobre a natureza do mal que nos aflige e sem justiça natural comportamental de base, a emancipação humana se torna inatingível e o medo sociofóbico tende a aumentar.

Vivemos atualmente sob a égide do medo e da regressão civilizacional.

(por Dalton Rosado)

3 comentários:

SF disse...

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Este é um assunto muito complexo e sobre o qual muitos já se manifestaram.

Existem as fobias e as inumeráveis gradações de medos e idiossincrasias, mas a ausência de qualquer temor é a mais grave doença psiquica.

...

Como sempre, seu argumento aponta para os paraísos igualitários utópicos.

Essas utopias encontram um único óbice, o ego, já apontado e comprovado como causador de todas as misérias humanas.

Dizem que quando Jiddu Krishnamurti esteve por aqui era quase imperceptível sua presença, dado a sua total ausência de ego.

Quantos "K" acreditas que existem neste momento no mundo?

...

Por outro lado, o corajoso é idolatrado.

Lembro que o povo de Mossoró defendeu-se do bando de Lampião e, na refrega, feriram o cangaceiro Jararaca.

Jararaca foi preso e, depois de preso, executado pela polícia.

Conta a lenda, que ele impressionou a todos pelo destemor e a serenidade.
Jararaca não pediu clemência! Mesmo diante da morte.

O sertanejo admira isso.
Quem sabe viver e morrer com coragem.

Advinha o que aconteceu?

Jararaca virou santo popular, com direito a visitas ao seu túmulo, promessas e ex-votos...

Não sei se ainda é assim na velha cidade do sal.

...

Pois é... de um lado um santo e do outro um doido, mas ambos sem medo.

E ambos, a sua maneira, conquistaram o respeito do povo.

Valmir disse...

Sabidos e letrados.
Todos (sabidos e letrados) dizem que as pessoas tem de ler livros...
e como são sabidos e letrados que dizem todos acreditam..e quase todos leem.. e muitos leem livros bons, como Crime e Castigo ou Os Miseráveis..existem muitos livros bons sobre condenados injustiçados. E todos acreditam no que leem, claro pq também querem ser sabidos e letrados. E como todos os encarcerados dos livros são nobres almas inocentes, vitimas das injustiças dos poderosos.. eles, os que leem e acreditam, passam a acreditar que todos os presos são Raskolnikovs, Jean Valjeans e Gavroches..Edmond Dantes, O Conde de Monte Cristo..- nobres almas inocentes, injustiçadas pela "sociedade"...os filmes (acabo de rever Papillon..que roteiro magistral do comunista Dalton Trumbo) também ajudam muito nesse trabalho; pronto: está armado o cenário da tragedia da vida real, cotidiana, com legiões de marias do rosário idolatrando os piores malfeitores...

celsolungaretti disse...

RESPOSTA ENVIADA POR E-MAIL PELO DALTON:

Caros leitores SF e Valmir,

considero que a busca da igualdade de oportunidades e de tratamento social deve ser sempre um objetivo dos seres humanos agrupados socialmente. Isso não significa acreditar em paraísos igualitários, ainda que considere a boa utopia um saudável modo de se acreditar na vida.

As vaidades humanas, advindas do ego exacerbado, são condenáveis, e o capitalismo, na sua segregação social que tende concentrar cada vez mais a riqueza abstrata e material em detrimento da justa distribuição de sua produção, é o campeão da exacerbação egocentrista, pois nele, só vale quem tem, e quem tem muito vale muito mais.

Os bandidos que se tornaram heróis e passaram a ser cultuados pelo povo (principalmente quando inocentes condenados por indução sistêmica pelo próprio povo, como é o caso de Jesus Cristo) podem ser classificados em três categorias:

a) aqueles que são condenados e a história prova a sua inocência;

b) aqueles que mesmo sendo bandidos terminam por ser vítimas de crueldade inadmissível, que iguala os julgadores aos criminosos em suas práticas:

c) e os bandidos assim considerados pela ordem vigente, mas que aos olhos do povo são generosos e libertários, e que apenas se revoltam contra o jugo estabelecido pelos poderosos (caso de Robin Hood).

Mas uma coisa é indubitável: nas sociedades decadentes, nas quais grandes contingentes populacionais são marginalizados do sistema produtivo e lhes faltam os meios de subsistência básicos, crescem sempre assustadoramente a criminalidade e a barbárie. Qualquer semelhança disso com o Brasil atual não é mera coincidência, mas resultado de uma lei sociológica infalível.

Um abraço, Dalton Rosado.

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