planetas se chocam, e do caos nascem
as estrelas" (Charlie Chaplin)
Ouvi do crítico de teatro, cinema e teledramaturgo Gilberto Braga a afirmação de que é o medo, não o amor, o sentimento mais comum entre as pessoas, e aquele que mais as direciona no comportamento.
Achei interessante e verdadeira a afirmação, até porque vinda de quem escreve tomando a pulsação dos sentimentos sociais como forma de obtenção de audiência.
Achei interessante e verdadeira a afirmação, até porque vinda de quem escreve tomando a pulsação dos sentimentos sociais como forma de obtenção de audiência.
Este artigo vai no sentido do aprofundamento dessa questão do ponto de vista social.
O medo do novo, ainda que o presente seja caótico, é aquilo que faz com que vivamos eternamente tentando reformar o que não deve ser reformado, mas superado. Todo sentimento conservador decorre do medo e dele igualmente advém a tentativa de melhorarmos o que julgamos conhecer, mas que somente conhecemos superficialmente (o objeto da adoração social –o dinheiro– é desconhecido na sua essência pelos que o adoram).
O que é socialmente desconhecido, ainda que seja auspicioso, é amedrontador.
Há nesse componente comportamental conservador uma boa dose de medo por inconsciência sobre a essência do que temos e sua natureza negativa, até porque é diuturnamente positivada pelos formadores de opinião (pessoas, educadores, e veículos de comunicação) e dominantes econômicos e políticos, pois, se conhecêssemos coletivamente a essência do que temos, decerto não permaneceríamos tão arraigados a ele, o velho decadente.
Em primeiro lugar, a inconsciência da sociedade sobre si mesma provoca uma acomodação medrosa, ainda que a natureza injusta do nosso contrato social seja empiricamente percebida (e dolorosamente sentida) pelos pobres e até mesmo captada pelos ricos (estes, confortavelmente situados).
Em segundo lugar a inconsciência sobre a negatividade do que temos incapacita a percepção do que podemos ter e ser.
Em segundo lugar a inconsciência sobre a negatividade do que temos incapacita a percepção do que podemos ter e ser.
Muitos, por intuição e falta de alternativas, acabam buscando saídas marginais, ainda que sejam as mais inviáveis do ponto de vista coletivo. Neste contexto está inserida a questão do crime, pois os bandidos que espalham terror pela cidade e agora também nas zonas rurais são, em sua maioria, a resultante da barbárie social que os marginalizou (exceções comportamentais e de personalidade criminosa à parte).
Eles constantemente arriscam as suas vidas e a liberdade na esperança de levarem uma existência de fausto e riqueza; é a simbiose inconsequente do medo como indução à coragem.
Bandido se espelhando nos seus opositores de classe: Pablo Escobar e filho diante da Casa Branca |
Cumpre-nos esclarecer que é apenas contra esse último roubo não autorizado, subproduto da capitalismo na máquina estatal, qual seja a corrupção ativa e passiva com o dinheiro público, e contra o crime comum entre particulares, que a justiça se insurge, como defesa do Estado que a sustenta e da ordem patrimonial, a propriedade, um roubo em si.
Os bandidos são destemidos, impulsionados que são por um temor maior: as vicissitudes de consumo e mortes pela miséria social a que são submetidos nas suas origens. Entretanto, jamais usam o seu destemor no sentido da luta contra o status quo social que os vitimou na infância e vida familiar, pois lhes falta consciência crítica sobre o que fazer socialmente. Arriscam a vida para a obtenção de uma vida confortável, mas sem garantia nenhuma de longevidade.
Pedrinho Matador: mais de 100 homicídios |
Patologias à parte, a coragem dos bandidos é a resultante de um medo alucinado, desesperado, bárbaro, cruel, assassino, destituído de sensibilidade humana, desumanizado, injustificável. É a coragem da revolta como consequência inevitável de um medo elevado à potência máxima pela imposição da servidão social voluntária e involuntária e da miséria urbana e rural.
É desse tipo de sentimento que se nutre o crescente número de criminosos comuns no Brasil, cujos índices de assassinatos chegam a ser maiores do que os de países em guerra civil como a Síria, e que provoca um tipo de medo coletivo da agressão física direta e dos latrocínios.
O cidadão honesto, que nasce e vive subjugado pela mediação social do sistema produtor de mercadorias e, portanto, do capital (dinheiro, valor acumulado) cujo modelo é hoje one world, não passa de um ser amedrontado por duas formas de opressões clássicas e sub-reptícias (e cada vez menos sub-reptícias).
O primeiro medo lhe é causado pela opressão da coerção tácita do capital. Todo cidadão é livre para ser escravo do trabalho abstrato que produz a acumulação do capital, já que tem uma só mercadoria para vender: a sua força de trabalho (cuja demanda, ainda por cima, é cada vez menor, além de ela ser desvalorizada pelo desemprego estrutural).
Assim, o medo de deixar de ter o mínimo para a sua subsistência o faz beijar a mão do capital que lhe oferece emprego e o explora, reproduzindo um aprisionamento do pensar segundo o qual o seu malfeitor passa a ser considerado como o seu benfeitor. A saída não é a busca pelo emprego impossível, mas a sua superação.
O segundo medo lhe é causado por seu pretenso protetor –o Estado.
Assim, além de ser explorado pela subtração do valor que produz nos seus postos de trabalho e que é o móvel da acumulação do capital pelo capital (o vazio fim em si do movimento tautológico do dinheiro), é ainda mais subtraído pelo pagamento de impostos que sustentam toda a pesada máquina estatal que o oprime. A saída não é a busca da proteção do Estado, mas a sua superação.
Por tudo isso, é natural que ele tenha medo, pois na hora em que precisa de atendimento médico, escola, segurança pública e outros serviços públicos essenciais, é o próprio Estado quem lhe nega tais serviços pelos quais pagou coercitivamente, sob pena de cobrança judicial e outras punições. (por Dalton Rosado)
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