Por Celso Lungaretti |
Qualquer cidadão que se tenha dado ao trabalho de informar-se sobre a grande revolução russa do final de 1917; sua heroica resistência à invasão de tropas de cerca de 20 nações que tentaram (ao mesmo tempo que os reacionários locais) extirpá-la no nascedouro; e seu posterior desvirtuamento sob Stálin, quando se tornou um mero capitalismo de Estado regido por uma despótica nomenklatura, sabe muito bem que o tirano bigodudo em nada diferia de Joseph Goebbels quanto à prática de falsificar sistematicamente a História, com fins propagandísticos.
Em sua faina obsessiva de passar uma imagem totalmente diferente do que ocorrera em 1917, minimizando a participação dos seus muitos desafetos da velha guarda bolchevique (quase todos, mais dia, menos dia, por ele exterminados), ao mesmo tempo em que engrandecia o próprio papel naquelas jornadas em que não passara de um coadjuvante, Stálin mandou retocarem várias fotos históricas, eliminando a figura de Trotsky e outros dirigentes que depois caíram em desgraça.
Não era um grande timoneiro, e sim um grande carniceiro. |
Às vezes colocavam outros personagens ocupando o mesmo espaço, às vezes deixavam um vazio, como se ninguém tivesse estado ali.
Esta farsa foi desmontada já na época, o que não impediu de as fotos retocadas correrem mundo e serem aceitas como autênticas por militantes desinformados ou fanatizados (da mesma forma que os zumbis da Igreja Universal não acreditam em nenhuma verdade que a imprensa revele sobre Edir Macedo et caterva).
O que eu não sabia é que até documentários históricos foram falsificados por ordem e sob a batuta do Grande Irmão. Fiquei sabendo nesta 6ª feira (10), graças a esta ótima coluna de Ruy Castro, que reproduzo na íntegra:
STÁLIN COMO COAUTOR
Por Ruy Castro |
A tomada do Palácio de Inverno, que definiu a vitória da Revolução, por exemplo. Na tela, a massa sobe em atropelo as escadarias, invade os grandes salões, troca milhares de tiros com a guarda de Kerenski e dá voz de prisão ao governo. Na vida real, não havia uma massa, a guarda não era de nada e um único revolucionário, aliás, jornalista, prendeu os gatos pingados. Enquanto isso, o repórter americano John Reed, futuro autor do livro Dez Dias que Abalaram o Mundo, em que o filme se baseou, tomava sua sopa num café ali perto, sem saber do que se passava.
O grande diretor e o tosco produtor |
Não sei por quê, sempre associei essa sequência à de um filme feito pouco antes, em que a vitória da revolução também consistia em a multidão tomar o reduto do inimigo (no caso, a hacienda do governador) a golpes de facas e foices: A Marca do Zorro (1920), de Fred Niblo, com Douglas Fairbanks —que Eisenstein, fã do cinema americano, certamente conhecia.
A história do cinema sempre atribuiu Outubro somente a Eisenstein. Mas está na hora de fazer justiça ao ditador Joseph Stálin como coautor. Foi Stálin quem encomendou o filme a Eisenstein, então com 28 anos, e pôs o povo e a cidade de Petrogrado à sua disposição (a filmagem quase enlouqueceu os habitantes). Em troca, Stálin interferiu no corte final e mandou Eisenstein reduzir Lênin ao mínimo e eliminar Trotski de vez.
Como seria Outubro tal qual Eisenstein o concebeu?
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