sexta-feira, 13 de outubro de 2017

DEU A LÓGICA (DO SISTEMA) NO JULGAMENTO DO STF

"Seria suprema arrogância –e isso eu noto em alguns juízes brasileiros– achar que não interessa o que a sociedade pensa sobre determinadas decisões
judiciais" (Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF)

No capitalismo há um poder que se superpõe aos demais poderes: o econômico. 

Trata-se de uma ordem social segregacionista, nascida sob um modo de produção social que embute uma mácula dificilmente percebida pelos indivíduos sociais transformados em cidadãos: a subtração da riqueza por eles produzida coletivamente para dar sustentação ao movimento autotélico e vazio de sentido virtuoso da reprodução cumulativa do valor (que, obviamente, privilegia uns poucos em detrimento dos muitos e muitos outros).

Neste sentido, a ordem social mediada pela forma-valor estrutura-se numa anti-isonomia social prévia, na qual prevalecem regras sociais codificadas num estatuto jurídico que é, a partir de tal anti-isonomia, pretensamente isonômico.

Para efeitos de comparação, a pretensa isonomia da lei e da justiça no capitalismo é como se o Ibis (clube pernambucano que tem, no folclore futebolístico, a imagem de pior time do mundo) jogasse desfalcado contra o Barcelona completo em pleno Camp Nou. As regras seriam as mesmas para ambas as agremiações, mas haveria uma diferença qualitativa prévia anulando todas e quaisquer possibilidades de disputa equilibrada. 
É a isto que se reduz o princípio republicano de Montesquieu, consignado na independência e harmonia entre os poderes do Estado, incumbido de dar proteção ao desenvolvimento do capital de modo impessoal. 

Sem chance: o capital, Deus da modernidade, não admite partilha de poder. Consequentemente, qualquer postura convergente com a realização do senso comum da realização do ideal de justiça, mas que afete o interesse econômico, sucumbirá diante deste último.

É o que está sucedendo com a interferência do poder Judiciário, na pessoa de um juiz federal de primeira instância, na escabrosa administração financeira do erário público brasileiro, saqueado pelos políticos profissionais ungidos num processo eletivo que sabemos muito bem como funciona, em mancomunação com máfias empresariais. 

Tal interferência já começa a incomodar os verdadeiros donos do poder: o grande capital nacional e multinacional vê alguns dos seus membros sendo presos e processados. Daí precisar ser contida, em nome da manutenção da ordem econômica.       

É o que está por trás da decisão desta semana do Supremo Tribunal Federal, de transferir para o Senado a incumbência de afastar ou não do mandato eletivo um dos seus mais destacados membros (até ontem forte candidato à presidência da República, agora na berlinda por ter sido flagrado em conluio corruptivo empresarial/estatal e até por envolvimento com ameaças de morte). O STF lembrou Pilatos, ao lavar as mãos quanto a essa responsabilidade que já toma contornos de indignação pública.

Na atual correlação de forças da nossa sociedade, a alta cúpula do Poder Judiciário não pode ser outra coisa senão um poder político formado por jurisconsultos nascidos e jungidos pela ordem institucional capitalista (que lhe conferiu o mais alto grau de poder jurisdicional). Como poder político/jurídico, o STF tem de subordinar-se aos interesses ditados pela necessidade de equilíbrio da ordem econômica. Os donos do PIB não admitem confronto entre os podres Poderes que servem primordialmente a eles e, portanto, estão muito longe de servirem à verdadeira realização do ideal de justiça.

Todos nós sabemos (e o STF principalmente) qual será o resultado do julgamento sobre o afastamento do mandato de um senador da República acusado de corrupção feito pelos seus pares, e não somente por espírito de corpo e autodefesa, mas, também, e principalmente, como desiderato de pacificação de uma ordem econômica que faz água por todos os lados e que está a infligir um sofrimento inaudito ao seu povo.

Enquanto o capitalismo se desconstrói economica, ecologica e institucionalmente, o STF tenta tapar o sol com uma peneira. 

Os resultados da disfunção social do capital e de seus poderes institucionais saltam aos olhos:
— os números macroeconômicos mundiais apontam para um colapso iminente do sistema financeiro em face da debacle da economia real (o sistema produtor de mercadorias); 
— o aquecimento do Planeta tem provocado distúrbios ecológicos de grandes proporções em várias partes do mundo, caso dos furacões de grande intensidade e dos incêndios florestais avassaladores que atingem os Estados Unidos, enquanto seu bilionário presidente fanfarrão restringe verbas para órgãos de controle ambiental e declara sua insubmissão ao acordo de Paris, assinado por seu antecessor; 
— não são poucos os países que se desintegram institucionalmente e afundam em guerras civis mundo afora, com tiranos salvadores da pátria mantendo-se no poder pela força das armas e outros enfrentando confrontos institucionais resultantes da falência econômica social e estatal. Pari passu cresce a violência urbana, com tiroteios à luz do dia em locais de grande densidade demográfica como a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro;  
— repetem-se os assassinatos de pessoas por atiradores perturbados mentalmente como o último ocorrido na cidade estadunidense de Las Vegas;  
— cresce a força do crime organizado no Brasil, já representando verdadeiramente um poder paralelo ao poder do Estado (um poder dentro do outro, ambos nocivos);  
— cresce a banalização dos assassinatos por arma de fogo nas localidades brasileiras, sem que a estrutura policial e judiciária do Estado consiga atuar de modo eficaz na sua contenção.
Neste quadro a função jurisdicional passa a ser um faz-de-conta: tenta aparentar normalidade institucional, mas esta é corroída pela decomposição orgânica de um sistema que infelicita a todos, tornando imperativa a sua superação, uma vez que a paz social não pode mais ser alcançada a partir de seus próprios pressupostos funcionais.      

O poder Judiciário sempre foi o cutelo dos poderosos sob uma capa de isonomia legal que, pretensamente, buscaria a realização do ideal de justiça. Assim, nos momentos de confronto, opta sempre pela preservação do status quo; e foi esta a lógica do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o poder jurisdicional do STF de decidir por ele próprio o afastamento do mandato eletivo de um senador da República. (por Dalton Rosado)

3 comentários:

Juliana disse...

O socialismo prospera em parte de nossa esquerda jurássica porque representa um caminho seguro para aqueles que possuem profunda preguiça de pensar. O determinismo dos socialistas beira a idiotia de tão simplório.
Ah, como é infantil e cômodo adotar um discurso em que sempre o capitalismo é culpado de tudo! Adotar um inimigo imaginário escusa de pensar sobre as verdadeiras causas de um problema. Tudo é culpa dos capitalistas malvadões contra os heróis antissistema certo? Uma criança é capaz de um pensamento crítico mais apurado e menos maniqueísta.

Anônimo disse...

A frase do Joaquim Barbosa é um dos maiores absurdos que já li. Cabe ao juiz, os poucos que aindam honram a magistratura, decidir conforme a lei. O que a sociedade pensa é linchamento! Até porque boa parte da sociedade não pensa, como a a pessoa que comentou aqui na postagem, apenas obedece os comandos dos deformadores de opiniões.

celsolungaretti disse...

RESPOSTA ENVIADA POR E-MAIL PELO DALTON:

Cara Juliana,

o socialismo é uma forma política de capitalismo, e não a sua antítese. O problema não são os capitalistas malvadões ou os operários pobretões, pois são faces distintas de uma mesma moeda, literalmente, que contribuem para a existência do capitalismo, ainda que os resultados para cada um sejam muito diferenciados.

A miséria social que o mundo experimenta decorre de uma lógica de produção segregacionista e não de pessoas, individualmente, apesar do consenso de muitos ou da coerção para a sua existência, pois todos e todas estão presos de modo voluntário ou não a uma armadilha social engendrada historicamente.

A discussão sobre o que está na base de tal infortúnio social e a necessidade de superação de um modo de produção que se tornou anacrônico nunca foi tão necessária, a menos que se eleja o determinismo social e ecológico suicida como inevitável.

Obrigado pela participação, Dalton Rosado.

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