quinta-feira, 24 de agosto de 2017

OS MOINHOS SATÂNICOS DO CAPITAL

"Para se chegar à fonte é preciso nadar
contra a corrente" (Stanislaw Jerzy Lec)
O brilho falso da opulência dos shoppings centers, prédios elegantes e dos carros luxuosos que ocupam grandes espaços nas cidades já não consegue esconder a barbárie que afronta até mesmo os bairros ricos. 

Nos bairros pobres das cidades pobres dos países pobres, que correspondem à grande maioria mundo afora e agora estão presentes até mesmo nos países ditos ricos, grassa o mais eloquente testemunho da falência de um sistema que agoniza. 

Se o leitor deixar de olhar o noticiário televisivo (que mais parece um antigo disco de vinil arranhado a repetir o binômio violência urbana / denúncias de corrupção, com nomes espirituosos dados pela Polícia Federal, atingindo empresários, doleiros e políticos de todos os partidos que conviveram com o poder) e se abrir a janela de sua casa, verá um número cada vez maior de habitações com apetrechos de segurança contra a violência urbana. 

Viver nas cidades e até na área rural se tornou um exercício de medo.

Quando a grande imprensa enfoca as finanças públicas, o que nos apresenta é um suceder de medidas que apavoram. Quando não é a compra de votos de parlamentares para a manutenção no poder dos impopulares gestores públicos, são anúncios de medidas de austeridades que implicam mais sacrifícios para o contribuinte, o qual não recebe a contrapartida em serviços públicos que deveriam corresponder ao pesado ônus do pagamento dos impostos embutidos nas mercadorias e outras formas de cobranças fiscais tributárias.

Destarte, num esforço de superação deste quadro, passemos a analisar alguns dos mecanismos de opressão engendrados pelos moinhos satânicos do capitalismo.

A IMPOSIÇÃO DE AUSTERIDADE FISCAL

O discurso sobre a austeridade fiscal imposta ao povo pelo estado (que dela exclui políticos privilegiados) é aceito por muitos em nome do surrado argumento de que seria necessária para se evitar um mal maior: a falência do estado e da própria economia. 

É que a lógica mercantil conseguiu incutir subliminarmente nas mentes das pessoas que a incolumidade financeira das contas públicas é fator preponderante da normalidade da vida social, sem a qual, pretensamente, todos nós sofreríamos as mais danosas consequências. 

Assim, nos obrigam a pensar e agir como se a vida humana no planeta somente pudesse existir sob a lógica do sistema produtor de mercadorias e a funcionalidade dos respectivos instrumentos de regulação política institucional (o mais importante de todos sendo a cobrança de impostos que mantêm a coerção estatal capitalista manu militari e o controle monetário), sem que se possa pensar fora da caixa

Ou seja, como se fosse proibido sequer cogitarmos a hipótese de que a vida social não exista para a manutenção do capital e seu estado; como se não tivéssemos direito de optar por um modo de mediação social diferenciado, capaz de promover o bem-estar social. 

Se o estado está falido, isto se dá em razão da depressão econômica; do saque feito pela corrupção político-empresarial; e como consequência dos juros de uma assombrosa dívida pública. Por que caberia ao povo pagar o pato?    
É evidente que chegamos à linha final das finanças públicas e isto ocorre no mundo todo, como resultado: 
— do elevado custeio das demandas sociais;
— da manutenção da máquina administrativa; e
— da infra-estrutura auxiliar da produção de mercadorias,  em contraponto à arrecadação de impostos advindos da chamada economia real em depressão (a qual decorre das contradições internas da dinâmica de reprodução do próprio capital nos níveis exigidos, pois falta o sangue representado pelo valor, dinheiro e mercadorias no organismo social capitalista e se prenuncia o seu colapso inevitável).
  
O discurso do ministro da Fazenda brasileiro, que tenta demonstrar a obrigatoriedade da aceitação da austeridade nas contas públicas, tão pretensamente convincente, tem de ser substituído por uma lógica de produção que negue todos os pressupostos até então admitidos como dogmas sacrossantos e inquestionáveis. 

A evidência dos fatos se sobrepõe à irracionalidade mesquinha. 
.
O MESQUINHO OBJETO TELEOLÓGICO
 DA EDUCAÇÃO

O saber, em si, é um ganho indispensável para a humanidade. Assim, o conceito pedagógico educacional assume grande importância social como instrumento da apreensão do conhecimento da ciência e tecnologia em todos os sentidos e utilidades sociais.

Entretanto, a educação sob a égide da sociedade da mercadoria obedece aos ditames fetichistas ditatoriais da forma-valor e faz da pedagogia educacional um mero instrumento de realização da vazia finalidade da valorização do valor. A educação passa a ser algo que apenas serve a interesses sociais autotélicos e segregacionistas, pois aprendemos nas escolas  conceitos que se constituem numa camisa de força que deseduca. 

Enquanto o saber tecnológico ministrado fica voltado para a produção do valor, o saber pretensamente humanista fica voltado para a positivação das categorias capitalistas como se estas fossem a apanágio da correta construção do bem-estar social. 

Exemplo eloquente disto é a afirmação pedagógica de que o segregacionista trabalho abstrato produtor de valor no qual se opera a extração de mais-valia seja fator de dignidade humana, tido inclusive como sinônimo de interação ontológica do homem com a natureza no sentido da obtenção do seu sustento.                           

Em setembro de 2011, o então ministro da Educação de Portugal, Nuno Crato, num acesso de sinceridade sobre a verdadeira função da educação nas sociedades mercantis, mas sem atribuir à sua dedução qualquer sentido negativo, afirmou para uma plateia de educadores:
"Por que vale a pena a educação? Deixem-me começar por um aspecto que pode parecer prosaico e materialista, e perante tantos idealistas como os que aqui estão, parecer materialista pode parecer mal. Estudar vale a pena para ganhar mais dinheiro. Eu acho que devemos dizer isso aos jovens".   
Salta aos olhos o equívoco conceitual do Crato com mentalidade de Crasso (o homem mais rico da Roma antiga), uma vez que o saber tecnológico aplicado à produção de mercadorias (única capaz de viabilizar o roubo do valor produzido pelo trabalhador) promove o descompasso entre forma e conteúdo social que está na base da debacle capitalista atual. Mas, ele teve a coragem de tirar a máscara que normalmente encobre o objeto teleológico da educação sob o capitalismo: ser mercadoria e estar voltada para a produção de mercadorias.

Portanto, sob o capital, a educação não passa de um instrumento do fetichismo da mercadoria, submetendo-se ao caráter onívoro desta e distorcendo o verdadeiro caráter socialmente benéfico da apreensão e ensinamento educacional. 

São muitos os moinhos satânicos que preservam o capital, apesar da sua decomposição orgânica. É que a cegueira dominante na sociedade deriva da sua inconsciência sobre si mesma, em grande parte promovida pelo conteúdo do currículo educacional. 

Este e outros fatores igualmente fetichistas invertem os valores sociais, atribuindo sentido positivo ao que é intrinsecamente negativo. (por Dalton Rosado)

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