quinta-feira, 13 de julho de 2017

O TRABALHO ACABOU, AINDA BEM!

"Crise econômica no Brasil não existe; vocês têm
visto os dados?" (Michel Temer, em Hamburgo)
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A introdução da alta tecnologia aplicada à produção proporcionada pela microeletrônica (que racionaliza os procedimentos por meio da computação), pela robotização (que eliminou substancialmente o trabalho abstrato na produção de mercadorias) e pela comunicação via satélite (que tornou a informação instantânea e abrangente), está solapando o capitalismo muito mais do que todas as ações pretensamente revolucionárias do movimento operário do marxismo tradicional.

O que não impede a esquerda tradicional, aferrada ao Deus Trabalho, de encarar ainda hoje a luta pela volta do emprego como sua bandeira principal! 

Qualquer análise menos acurada sobre a gênese da acumulação do capital é capaz de deduzir que ela somente ocorre a partir da extração de mais-valia obtida graças à existência do trabalho abstrato. 

Entretanto, num desperdício de tempo na nossa busca pela emancipação, por muito séculos se pensou (e alguns pensam até hoje) que se a extração de mais-valia fosse feita pelo Estado produtor de mercadorias e não pelo setor privado, tudo estaria resolvido; ou seja, o trabalhador seria roubado, mas em nome de um Estado pretensamente seu, proletário
"No Estado dito proletário davam-se vivas ao trabalho"

O ladrão e a vítima se confundiam numa estranha e injustificada simbiose de procedimentos que produzia a acumulação do capital, convergindo justamente para a afirmação daquilo que se dizia ser o alvo do combate revolucionário, o capital...

Assim, no Estado dito proletário davam-se vivas ao trabalho, enaltecendo a figura do trabalhador espoliado como o grande herói e motor da revolução, embora ele continuasse sendo trabalhador produtor de valor e recebendo diretamente apenas parte desse valor produzido, sob a alegação de que o restante iria para as mãos do síndico estatal em seu pretenso benefício. Não se levava em conta a natureza autotélica da forma-valor, analisada por Marx; aplicava-se o marxismo em detrimento do próprio Marx.

O dinheiro jamais admite uma justa distribuição, qualquer que seja a forma política de governo a seu serviço, pois isto contrariaria a sua lógica funcional, que somente pode existir a partir de um único fator: o processo cumulativo ininterrupto.   

O grande sujeito da revolução anticapitalista não é o trabalhador produtor de valor a partir do trabalho, mas sim o anti-trabalhador de mãos paradas (o único que pode promovê-la!). Só o indivíduo social que se nega a ser trabalhador abstrato e produtor de valor econômico, propondo-se a interagir na produção de bens e serviços indispensáveis à existência humana como coisas servíveis (e não como mercadoria) é que poderá fundar uma sociedade emancipada.

Disse Robert Kurz na introdução do seu derradeiro livro em vida, Ler Marx, fazendo uma preciosa análise do Marx esotérico:         
Há forças de esquerda apontando o modelo capitalista chinês como modelo para nós. Dá pra imaginar?!
"Para os últimos moicanos do marxismo do trabalho, a negação radical do trabalho talvez seja a mais intolerável de todas as reinterpretações da teoria de Marx. Na verdade, ela toca no cerne do constructo identitário do marxismo, ligado a uma noção positiva e enfática de trabalho, uma vez que o movimento operário, sendo em si apenas a 'máscara da personagem do capital variável', se tinha identificado apaixonadamente com o estado de agregação vivo e líquido do capital, sem nunca se dar conta dessa ilusão.  
Talvez por isso, o que resta da esquerda e permanece de algum modo ligado às formas que se desintegram do marxismo do trabalho ou do movimento operário gosta de gritar particularmente alto sobre o tema do trabalho e denunciar publicamente como sacrilégio filológico quando a maior parte da massa de textos de Marx conhecida é deitada fora sem cerimônias, para pôr a descoberto as passagens negadoras que apontam para um Marx completamente estranho, logo que separadas do contexto do século do movimento operário."
Agora estão atônitas as duas correntes do pensamento político (direita neoliberal e esquerda keynesiana do movimento operário ou trabalhista) que historicamente se digladiaram como se fossem forças antagônicas, mas sem sê-lo nas suas essências constitutivas. 

É que o objeto comum de suas brigas e defesas – a existência do trabalhador e o próprio trabalho abstrato , é a disputa pelo dinheiro, o móvel de suas atuações recíprocas. 

O trabalho e o trabalhador tornaram-se supérfluos em maior parte e, com isto, desabam os construtos políticos estatais em torno de tais correntes de pensamento, gerando uma ansiedade decorrente do fato de que as contradições em processo do capitalismo (Marx) tornaram explícitas as suas identidades essenciais. 

Consequentemente, o que se derrete como gelo ao sol de verão do deserto é justamente a política como instrumento de legitimação de acesso ao poder estatal moderno, que dá sustentação à lógica do capital. 

Evidenciada a hipossuficiência política, evidencia-se, também, a inocuidade das discussões políticas sobre as formas de manutenção do desenvolvimento econômico (impossível de ocorrer!), bem como a falácia sobre a soberania de vontade política da representação popular diante das regras ditatoriais e contraditórias da dinâmica da produção de valor e do mercado.       

Antes, qualquer alusão à necessidade de superação do dinheiro como modo de mediação social e sua substituição por outro mecanismo de produção e distribuição social da produção de bens e serviços pareceria algo como se quiséssemos abolir o oxigênio da existência humana. 

Agora, tal heresia se torna cada vez mais admissível, ainda que todos os segmentos sociais presos e dependentes à lógica funcional do capital (em processo de inviabilização a olhos vistos) permaneçam recalcitrantes quanto à possibilidade de sua superação. O medo do novo desconhecido é o que provoca o apego ao conhecido, ainda que este esteja infelicitando e ameaçando de extinção da vida de todos. 
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O SIGNIFICADO DAS MANIFESTAÇÕES
 CONTRA O ENCONTRO DE CÚPULA DO G20
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A insatisfação com a política como categoria capitalista que é (e não apenas com os modelos políticos) não se dá somente no Brasil. O exemplo mais palpável e atual deste fenômeno foi a repulsa popular ao encontro do G20 recentemente realizado na cidade alemã de Hamburgo, expressa na manifestação de algumas dezenas de milhares de ativistas e populares que entraram em conflito com os efetivos armados incumbidos de garantir a segurança.  Foram centenas os policiais militares atingidos. 

Tal fato reflete o barril de pólvora em que se tornou a vida social mundial; agora os políticos, para discutirem as questões governamentais e os interesses em jogo, precisam de proteção policial. 

A vontade política em discussão entre os governantes das 20 maiores economias do mundo, responsáveis por 80% do PIB mundial, somente aborda questões periféricas da crise do capitalismo, já que não podem se livrar (e nem o desejam) da implosão interna da lógica capitalista, que ora atinge o seu ponto de saturação. 
A hipossuficiência da política na resolução de questões estruturais das sociedades mercantis, capitalistas, tem sua expressão mais definida nessa insatisfação popular contra tudo e contra todos. 

Tal insatisfação, entretanto, deve ser traduzida em ações conscientes abordando temas que denunciem diretamente as carências sociais e não em inócuos atos incendiários e de quebra-quebra como os que lá ocorreram. 

Mesmo assim, as ações mais conscientes de protesto, na maioria das vezes, misturam-se com reivindicações pontuais (contra a corrupção, por mais empregos e controle estatal ecológico) sem oferecer alternativas fora da imanência capitalista, o que demonstra que ainda estamos tateando no escuro.

A realidade da crise expõe muito mais as vísceras do capitalismo do que as proposições de saídas formuladas pelos ativistas. Mas, como água mole, em pedra dura, tanto bate até que fura, esperamos que de tropeços em tropeços possamos achar o caminho que está tão próximo, pois o trabalho acabou, ainda bem! 
(por Dalton Rosado)

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