dalton rosado
SOBRE O TEMPO DE TRABALHO E O CARÁTER ONÍVORO NEGATIVO DO DINHEIRO
SOBRE O TEMPO DE TRABALHO E O CARÁTER ONÍVORO NEGATIVO DO DINHEIRO
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Nesses últimos dias, como acontece com todos os trabalhadores (sou um deles, é a advocacia que me garante o sustento), fiquei assoberbado de trabalho alienado (arre!), que tanto critico e que me impossibilitou de escrever para o blogue com a assiduidade a que me proponho.
É que meus escritos de crítica da economia política –e outros temas mais amenos que o Celso Lungaretti tem a paciência e a abertura de publicar no seu (nosso) blogue, como adepto da dialética do conhecimento que é–, servem para mim como um bálsamo contra aquilo que todos nós, para subsistirmos, somos obrigados a buscar com a nossa força de trabalho: o famigerado (mas de modo inadvertidamente adorado) dinheiro.
Diante de escassez de tempo refleti como nas sociedades mercantis, capitalistas, nós somos dele escravos; a frase cunhada pelo vulgo, de que tempo é dinheiro, reflete tal constatação.
Aliás, é o tempo de trabalho excedente, não remunerado, do qual o capital extrai a mais-valia, que garante a acumulação do dito capital e faz funcionar de modo segregacionista toda a vida social na sociedade capitalista.
O tempo cronologicamente medido serve ao capital na questão da definição do valor do trabalho por ele medido quantitativamente. O tempo linear sendo o instrumento da injustiça social patrocinada pelo capital.
Diz-se que o dinheiro não apenas fala mais alto, como tem a maior audiência. Complemento o adágio popular acrescentando que o dinheiro, para nosso infortúnio social, nos dá ordens e nos rouba o tempo de viver, pois só podemos consumir bens e serviços se o obtivermos em quantidade suficiente para bancar nossas compras, condição que consome quase todo o nosso tempo. Quem não ganha dinheiro é marginalizado.
O paradoxo consiste no fato de que gastamos grande parte do nosso tempo para obtermos dinheiro e, assim, podermos viver o pouco tempo que nos resta a partir de sua obtenção. Na sociedade futura, não mediada pelo dinheiro, haverá tempo substancialmente maior para a vida prazerosa e o ócio produtivo.
Mas não é apenas o tempo que o dinheiro nos rouba. Ele nos priva, principalmente, da discricionariedade das nossas escolhas e comportamentos; da nossa capacidade de solidariedade humana; e, como dissemos, ele nos dá ordens.
Não fazemos o que queremos de modo absoluto ou não fazemos o que seria socialmente útil, mas sim o que a lógica da reprodução do valor nos determina que façamos.
Acreditamos ter o poder de escolha sobre o que fazer com o nosso tempo, só que isto é um engano. Podemos até escolher o que fazer dentro de uma perspectiva de escolha de tarefas possíveis, mas mesmo tal escolha está circunscrita um espectro de funções voltadas para a reprodução do dinheiro como objeto teleológico inafastável.
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A FORMA-VALOR E SEU FETICHE AVASSALADOR
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Qualquer atividade social de produção de bens e serviços a serem comercializados (e quase tudo é comercializado) tem de passar pelo crivo da viabilidade econômica, que mais não é do que a capacidade de produzir lucro.
Assim, toda a atividade de trabalho está condicionada aos humores do mercado, bem como a própria sobrevivência do Estado e da política. Se não vejamos:
– o político somente se elege se tiver dinheiro para gastar na campanha. E, como o custo em dinheiro dessa atividade é proibitivamente alto, todo cidadão que se aventura na política como profissão é obrigado a prestar vassalagem ao capital, isto valendo tanto para os capitalistas urbanos e rurais como para os socialistas de todos os matizes;
– os artistas e desportistas condicionam a continuidade de suas atividades à capacidade do mercado absorver suas artes e atividades esportivas. Assim, ao invés de condicionar para melhor o gosto popular, são pelo mesmo condicionado. E o gosto popular, por sua vez, é condicionado pelo mercado, numa simbiose de incenso à má qualidade;
– a força de trabalho é a única mercadoria que o trabalhador tem para vender, mas, nestes tempos de desemprego estrutural, obviamente a sua mercadoria está substancialmente desvalorizada. Então, ele se vê obrigado a mendigar emprego e a vendê-la por salários e condições aviltantes à dignidade humana;
– o Estado, diante da depressão econômica causada pelo limite interno da capacidade reprodutiva do valor (dinheiro e mercadorias), aumenta os tributos, como acaba de ocorrer com o imposto sobre combustíveis, para suprir as suas deficiências do caixa (leia-se déficit das contas públicas), aumentando o buraco no já combalido bolso da maior parte população, economicamente exaurida;
– a preservação ecológica é duramente golpeada pela insanidade do sistema produtor de mercadorias, pois o imperativo de se produzir e vender para que seja mantida em velocidade sempre crescente a roda da economia acaba passando como um trator sobre os cuidados com o aumento da poluição ambiental terrestre e com a emissão na atmosfera de gases que provocam o aquecimento global. Afinal, para os Donalds Trumps da vida o essencial é a perpetuação dos seus poderios econômicos, ficando em segundo plano a própria sobrevivência da espécie humana.
Seriam intermináveis os exemplos do negativo caráter onívoro da forma-valor (dinheiro e mercadorias) sem que a compreendamos a sua essência constitutiva e a ela nos submetamos de modo inconsciente; e tudo por sermos escravos do seu fetiche avassalador.
Entretanto, apesar de estarmos impositivamente a ele submetidos, podemos ter uma visão crítica sobre o seu objeto negativo e conspirarmos para seu fim, dentro das nossas possibilidades de servos voluntários ou involuntários que somos.
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