quarta-feira, 22 de março de 2017

A HIPOCRISIA DA CORRUPÇÃO CONSENTIDA E O CORRETO (MAS SUB-REPTÍCIO) COMBATE À CORRUPÇÃO CRIMINALIZADA

"A política é a arte de escolher entre o desastroso e o intragável" (John Kenneth Galbraith, economista)
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noticiário é cada vez mais pródigo em novos episódios de falcatruas de políticos e empresários conluiados entre si, envolvendo dinheiro público e interesses privados regulamentados ou geridos pelo poder público. O fenômeno é mundial.

Tal combate midiático e, agora, também policial e jurisdicional, é do interesse sistêmico, de vez que dita corrupção é subproduto da corrupção capitalista em si (esta, consentida). Representa uma degeneração da corrupção-mor (a da forma-valor em si), agravando as dificuldades para o regular funcionamento de sua atual e já precária existência.

Explico. É que o sistema capitalista, com sua corrupção ontológica, já tem os instrumentos institucionais necessários à sua manutenção (a força militar e o direito burguês advindo do poder Legislativo e coercitivamente exigido pelo Judiciário), não podendo aceitar concorrência praticada por quem desvirtua as regras do jogo.

A corrupção capitalista consentida vê a corrupção criminalizada tal como um dono de cassino que não aceita a manipulação de resultados ou trapaça por parte de qualquer jogador, pois o seu lucro e resultado já estão intrinsecamente calculados.

Quando um político rouba o dinheiro das dotações para remédios, merenda escolar, obras públicas, etc., ou pratica qualquer outra maracutaia (termo empregado por um antigo político da esquerda quando estava fora do poder), para enriquecimento próprio ou campanha eleitoral, está prejudicando as migalhas que o sistema reserva para a sua manutenção; consequentemente, faz gol contra o já precário funcionamento do próprio sistema capitalista.

A grande mídia, todos os partidos políticos e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário condenam a corrupção criminalizada, embora a pratiquem marginalmente quando estão no poder, mas relevam a corrupção consentida (da acumulação do capital pela extração de mais-valia), porque é desta última que obtêm os seus sustentos, advindos de fatias do lucro ou da cobrança dos impostos.    
   
Tudo ocorre como se o objetivo fosse beneficiar o povo, quando, na verdade, existe em detrimento deste, razão pela qual 80% da população mundial é pobre ou subsiste em condições miseráveis. E o povo, submetido à lavagem cerebral midiática, acaba acreditando que todas as suas dificuldades advêm da corrupção criminalizada, a qual apenas agrava o que já é ruim por causa da corrupção consentida.  
Entrementes, os problemas que são graves para a própria lógica capitalista por conta da contradição dos seus fundamentos e de sua corrupção sistêmica, agravam-se com a corrupção criminalizada, daí esta vir sendo ultimamente alvo de maior rigor por parte dos agentes públicos (polícia e justiça) e privados (empresas midiáticas).

O grande problema do capitalismo e para os capitalistas é que a modalidade de mediação social que se introduziu sub-repticiamente como uma forma de escravismo mais engenhosa e sutil (a nova corrupção das comunidades humanas), desde a sua forma embrionária na civilização greco-romana há cerca de 3 mil anos, e que evoluiu até atingir a sofisticação atual, tornou-se agora absolutamente obsoleta, clamando por superação.

A discussão sobre a necessidade imperiosa de tal  superação é, contudo, um tema tabu. A prova disto é que o leitor deste blogue (um dos poucos a repercutir o pensar fora da caixa) dificilmente encontrará uma abordagem crítica da forma-valor como instrumento de mediação social em qualquer veículo de comunicação social e até mesmo nas ciências sociais acadêmicas.

Tudo e todos positivam a forma-valor como algo tão natural como o ato de bebermos água, atribuindo os atuais malefícios sociais ao mau gerenciamento ou à corrupção criminalizada; nunca à própria natureza da relação social estabelecida pela forma-valor, uma corrupção ontológica e antológica.

Estamos, portanto, diante do enigma da esfinge: decifra-me ou te devoro!

ARRANCADA
A MÁSCARA DO CAPITALISMO
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A punição da corrupção criminalizada é mais exigida pelos países que são grandes produtores de mercadorias – principalmente daquelas com alto grau de tecnologia aplicada à produção, como as mercadorias patenteadas (remédios de última geração, objetos tecnológicos oriundos da microeletrônica, alimentos geneticamente manipulados, trens e aviões altamente sofisticados, etc.) – ou detentores de moedas mundialmente aceitas (que as emitem sem lastro) e de crédito amplo e barato. 

Vale notar, sendo eles os campeões da corrupção consentida, aquela oficialmente admitida pelo Direito, sua autoridade moral para fazerem tal exigência é nenhuma.  Mas, quem liga para isto?  

Quando vejo as empresas pertencentes ao grande capital internacional se beneficiarem com a falência de empresas oriundas dos países periféricos do capitalismo por punições pela prática da corrupção criminalizada (que deve mesmo ser combatida e não relevada pela esquerda), fico a pensar como é hipócrita a tarefa de se querer tornar digna, do ponto de vista humano, a tal da guerra mundial de mercado, na qual se utilizam todos os expedientes de corrupção legalizados (cartelização, dumping, fusões, subsídios, barreiras alfandegárias, juros subsidiados, etc.), mas eles jamais são admitidos.
Saltava aos olhos que todas as sociedades mercantis eram focos permanentes de corrupção, seja ela oficialmente consentida ou criminalizada. Então, como não há mal que dure para sempre, mais cedo ou mais tarde teriam de cair as máscaras das ditas cujas, expondo suas carantonhas ao distinto público...

Agora, a crise econômica mundial permite que todos vejam com clareza a verdadeira face da natureza segregacionista das sociedades mercantis dominantes, expressa na aceitação e divulgação pública, sem nenhum pejo, do nacionalismo xenófobo, racista, misógino e desumano contra os que foram secularmente explorados pela mesma lógica de mercado que sempre as beneficiou.   

Para os países periféricos do capitalismo as saídas não são os mares europeus em botes e embarcações precárias, os desertos da América ou os aeroportos, mas a consciência da necessidade de luta contra o capital e seus tiranos da política que querem se conservar pela força militar no poder (não é por menos que Donald Trump tanto se empenha em aumentar o orçamento militar), teimando em manter como funcional a lógica do capital.

As grandes manifestações recentemente havidas contra o surto de posturas nacionalistas, xenófobas, racistas e misóginas estabeleceram um divisor de águas:
 entre os que querem caminhar para a frente e os que tentam impor uma volta ao passado; 
– entre os que querem a abertura das fronteiras e o acolhimento fraterno da humanidade e os tentam impor a segregação social pela força; 
– entre os que aceitam as políticas da austeridade como forma de salvação do capitalismo e os que se rebelam contra tais imposições e vão para as ruas contestá-las; 
– entre os que, movidos por mesquinhos interesses corporativos, ignoram os insistentes alertas de cientistas e concorrem para o ecocídio da humanidade, e os que pugnam por métodos e formas de produção ecologicamente sustentáveis e voltadas para a vida; 
– entre os que se limitam a obedecer à lógica do mercado que impõe restritivamente altos níveis de produtividade como modo de sobrevivência mercadológica e os que não se submetem a tal lógica perversa e buscam alternativas solidárias de produção sem valor econômico; 
– entre os que continuam vendo a política como canal de legitimação do Estado e esfera de regulamentação da vida econômica, e os que buscam as soluções para os impasses sociais fora da política e do Estado.

Evidentemente, as vítimas desses infortúnios sociais jamais viabilizarão a emancipação humana e a superação dos grilhões capitalistas sem um processo de conscientização da natureza do problema e o direcionamento das lutas para os pontos nevrálgicos, daí a necessidade de envidarmos nossos melhores esforços neste sentido. 

Se a miséria e a barbárie fossem fatores de libertação, a África seria a vanguarda de um novo conceito de revolução... 
                                           (por Dalton Rosado)                                                 

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