"A política é a arte de escolher entre o
desastroso e o intragável" (John Kenneth Galbraith, economista)
.
O noticiário é cada vez mais pródigo
em novos episódios de falcatruas de políticos e empresários conluiados entre
si, envolvendo dinheiro público e interesses privados regulamentados ou geridos
pelo poder público. O fenômeno é mundial.
Tal combate midiático e,
agora, também policial e jurisdicional, é do interesse sistêmico, de vez que dita corrupção é subproduto da corrupção capitalista em si (esta, consentida). Representa uma degeneração da corrupção-mor (a da forma-valor
em si), agravando as dificuldades para o regular funcionamento de
sua atual e já precária existência.
Explico. É que o sistema capitalista, com
sua corrupção ontológica, já tem os instrumentos institucionais necessários à sua
manutenção (a força militar e o direito burguês advindo do poder Legislativo e
coercitivamente exigido pelo Judiciário), não podendo aceitar concorrência
praticada por quem desvirtua as regras do jogo.
A corrupção capitalista consentida vê
a corrupção criminalizada tal como um dono de cassino que não aceita a
manipulação de resultados ou trapaça por parte de qualquer jogador, pois o seu lucro
e resultado já estão intrinsecamente calculados.
Quando um político rouba o dinheiro das dotações para remédios, merenda escolar, obras
públicas, etc., ou pratica qualquer outra maracutaia (termo empregado por um antigo político da
esquerda quando estava fora do poder), para enriquecimento próprio ou campanha
eleitoral, está prejudicando as migalhas que o sistema reserva para a sua manutenção; consequentemente, faz gol contra o já precário funcionamento do próprio sistema
capitalista.
A grande mídia, todos os partidos políticos e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário condenam a corrupção
criminalizada, embora a pratiquem marginalmente quando estão no poder, mas relevam
a corrupção consentida (da acumulação do capital pela extração de mais-valia),
porque é desta última que obtêm os seus sustentos, advindos de fatias do lucro ou da
cobrança dos impostos.
Tudo ocorre como se o objetivo fosse beneficiar o povo, quando, na verdade, existe em detrimento deste, razão pela
qual 80% da população mundial é pobre ou subsiste em condições miseráveis. E o povo, submetido à lavagem cerebral midiática, acaba acreditando que todas as suas
dificuldades advêm da corrupção criminalizada, a qual apenas agrava o que já é
ruim por causa da corrupção consentida.
Entrementes, os problemas que são
graves para a própria lógica capitalista por conta da contradição dos seus
fundamentos e de sua corrupção sistêmica, agravam-se com a corrupção criminalizada, daí esta vir sendo ultimamente alvo de maior rigor por parte dos agentes públicos (polícia e justiça) e
privados (empresas midiáticas).
O grande problema do capitalismo e
para os capitalistas é que a modalidade de mediação social que se introduziu sub-repticiamente
como uma forma de escravismo mais engenhosa e sutil (a nova corrupção das comunidades
humanas), desde a sua forma embrionária na civilização greco-romana há cerca
de 3 mil anos, e que evoluiu até atingir a sofisticação atual, tornou-se agora absolutamente obsoleta, clamando por superação.
A discussão sobre a
necessidade imperiosa de tal superação é, contudo, um tema tabu. A prova disto é que o leitor
deste blogue (um dos poucos a repercutir o pensar fora da caixa) dificilmente encontrará uma abordagem crítica da forma-valor como instrumento de mediação
social em qualquer veículo de comunicação social e até mesmo nas ciências
sociais acadêmicas.
Tudo e todos positivam a forma-valor
como algo tão natural como o ato de bebermos água, atribuindo os atuais
malefícios sociais ao mau gerenciamento ou à corrupção criminalizada; nunca à própria natureza da relação social estabelecida pela
forma-valor, uma corrupção ontológica e antológica.
Estamos, portanto, diante do enigma da
esfinge: decifra-me ou te devoro!
ARRANCADA
A MÁSCARA DO CAPITALISMO
.
A punição da corrupção criminalizada é mais exigida pelos países que são grandes produtores de mercadorias – principalmente daquelas com alto grau de tecnologia aplicada à produção, como as mercadorias patenteadas (remédios de última geração, objetos tecnológicos oriundos da microeletrônica, alimentos geneticamente manipulados, trens e aviões altamente sofisticados, etc.) – ou detentores de moedas mundialmente aceitas (que as emitem sem lastro) e de crédito amplo e barato.
Vale notar, sendo eles os campeões da corrupção consentida, aquela oficialmente admitida pelo Direito, sua autoridade moral para fazerem tal exigência é nenhuma. Mas, quem liga para isto?
Quando vejo as empresas pertencentes
ao grande capital internacional se beneficiarem com a falência de empresas oriundas dos países periféricos do capitalismo por
punições pela prática da corrupção criminalizada (que deve mesmo ser combatida e não relevada pela esquerda), fico a pensar como é hipócrita a tarefa de se
querer tornar digna, do ponto de vista humano, a tal da guerra mundial de mercado, na
qual se utilizam todos os expedientes de corrupção legalizados (cartelização, dumping,
fusões, subsídios, barreiras alfandegárias, juros subsidiados, etc.), mas eles jamais são admitidos.
Saltava aos olhos que todas as sociedades mercantis eram focos permanentes de corrupção, seja ela oficialmente consentida ou
criminalizada. Então, como não há mal que dure para
sempre, mais cedo ou mais tarde teriam de cair as máscaras das ditas cujas, expondo suas carantonhas ao distinto público...
Agora, a crise econômica
mundial permite que todos vejam com clareza a verdadeira face da natureza
segregacionista das sociedades mercantis dominantes, expressa na aceitação e
divulgação pública, sem nenhum pejo, do
nacionalismo xenófobo, racista, misógino e desumano contra os que foram
secularmente explorados pela mesma lógica de mercado que sempre as beneficiou.
Para os países periféricos do
capitalismo as saídas não são os mares europeus em botes e embarcações
precárias, os desertos da América ou os aeroportos, mas a consciência da necessidade de luta contra o capital e seus tiranos da política que querem se
conservar pela força militar no poder (não é por menos que Donald Trump tanto se empenha em aumentar o orçamento militar), teimando em manter como funcional a lógica
do capital.
As grandes manifestações recentemente
havidas contra o surto de posturas nacionalistas, xenófobas, racistas e misóginas estabeleceram
um divisor de águas:
– entre os que querem caminhar para a frente e os que tentam impor uma volta ao passado;
– entre os que querem a abertura das fronteiras e o acolhimento fraterno da humanidade e os tentam impor a segregação social pela força;
– entre os que aceitam as políticas da austeridade como forma de salvação do capitalismo e os que se rebelam contra tais imposições e vão para as ruas contestá-las;
– entre os que, movidos por mesquinhos interesses corporativos, ignoram os insistentes alertas de cientistas e concorrem para o ecocídio da humanidade, e os que pugnam por métodos e formas de produção ecologicamente sustentáveis e voltadas para a vida;
– entre os que se limitam a obedecer à lógica do mercado que impõe restritivamente altos níveis de produtividade como modo de sobrevivência mercadológica e os que não se submetem a tal lógica perversa e buscam alternativas solidárias de produção sem valor econômico;
– entre os que continuam vendo a política como canal de legitimação do Estado e esfera de regulamentação da vida econômica, e os que buscam as soluções para os impasses sociais fora da política e do Estado.
Evidentemente, as vítimas
desses infortúnios sociais jamais viabilizarão a emancipação humana e a superação
dos grilhões capitalistas sem um processo de conscientização da natureza do
problema e o direcionamento das lutas para os pontos nevrálgicos, daí a necessidade de envidarmos nossos melhores esforços neste
sentido.
Se a miséria e a barbárie fossem fatores de
libertação, a África seria a vanguarda de um novo conceito de revolução...
(por Dalton Rosado)
(por Dalton Rosado)
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