"Toda quimera se esfuma
como a brancura da espuma
que se desmancha na areia"
(Ary Barroso, "Risque")
.
Nas sociedades mercantis, a opinião pública nacional, expressa nas escolhas políticas, rege-se pelos humores da economia. Qualquer aceno de retomada da prosperidade econômica, por mais ilusório que seja, tem a capacidade de comover a população.
Foi assim com Hitler naqueles tempos de depressão econômica dos anos 30; e é agora com os pretensos salvadores da pátria, como Donald Trump e tantos outros que ressurgem jungidos pelos mesmos e antigos fatores.
As propostas de campanha de Donald Trump soaram aos ouvidos desatentos do chamado white poor trash americano (termo que abomino, mas por eles muito usado como referência pejorativa aos brancos perdedores sociais) como um canto da sereia, e fê-lo ganhar a eleição, embora com minoria de votos (esta é a democracia estadunidense, um engodo por cima do outro). Muitos vão arrepender-se, mas poderá ser muito tarde.
O que Trump representa mesmo é uma tentativa de salvação do capitalismo por qualquer meio, o que apenas significará um aprofundamento dos seus males e uma antecipação da evidência da necessidade de sua superação.
A lógica empresarial privada, microeconômica, que pode resultar para os negócios privados, não deve ser aplicada às medidas de governo do Estado, sob pena de aprofundar e acelerar a debacle capitalista global. Neste sentido, Trump não só contribui, inadvertidamente, para o inevitável e futuro colapso do sistema, como se vê obrigado a retroceder em muitas das suas propostas de campanha simplistas e eleitoreiras. A falácia eleitoreira se desmancha rapidamente.
.
O MURO NA FRONTEIRA COM O MÉXICO
.
Orientado por marqueteiros de plantão, Trump repetiu em toda a campanha, como um mantra, a frase “vou construir um muro na fronteira com o México e obrigá-los a pagar a conta”. Tal afirmação continha a mensagem subliminar de que a queda no nível de vida dos EUA derivaria do fluxo migratório latino, considerado por muitos estadunidenses de ascendência nórdica (a maioria da população) como raça inferior.
O próprio Trump, descendente de arianos alemães, é um extemporâneo e não assumido seguidor das odiosas pregações preconceituosas de Adolf Hitler. O deplorável racismo e postura xenófoba são evidentes nos discursos do apresentador de reality show, versão século 21 do pintor austríaco fracassado.
Esquecem-se os eleitores de Trump que são as relações comerciais capitalistas com todos os pobres do mundo aquilo que proporciona uma sobrevida ao capitalismo decadente; e que os muros separatistas, tantas vezes usados mundo afora, nunca foram solução para os problemas sociais. Ao contrário, somente uma lógica de relações interativas é que pode proporcionar uma melhora de vida coletiva.
Pois bem, passados apenas alguns dias da posse, Donald Trump se viu obrigado a reformular o seu discurso de campanha e já afirma que “em alguns pontos seja apenas uma cerca”. O discurso agressivo agora se queda diante da realidade de relações comerciais (indispensáveis no capitalismo) entre os dois países fronteiriços.
Nesta questão Donald Trump é um tigre de papel.
.
O RETROCESSO NA QUESTÃO AMBIENTAL
.
O promotor de Justiça do Oklahoma, Scott Pruitt, que acaba de ser indicado por Trump e aprovado pelo Senado americano para a direção da Agência de Proteção ao Meio Ambiente (EPA), é um ferrenho opositor das teses científicas sobre o efeito estufa causado pela emissão de gás carbônico na atmosfera (principalmente pelos Estados Unidos e China), como se fora um sábio conhecedor do assunto.
Assim, fica clara a intenção, já afirmada tantas vezes, de desrespeitar as convenções internacionais firmadas pelos Estados Unidos contra a poluição da atmosfera, fixadas numa redução gradativa que chegaria a 32% até ano 2030. Com isto, claro, serão colocadas em risco todas as espécies vivas do nosso planeta
É o capitalismo dando ordens insanas e suicidas aos seus súditos políticos e mostrando cada vez mais a sua carantonha genocida. Agora, é a raposa e quem vai cuidar do galinheiro.
Nesta questão Donald Trump é um perigoso leão faminto.
.
BRAVATAS SOBRE AS RELAÇÕES COM A CHINA
O discurso de campanha responsabilizando a China pela queda na produção industrial estadunidense tem um lado verdadeiro e outro falacioso.
O lado verdadeiro é o de que as importações americanas dos produtos chineses (mais baratos graças aos baixíssimos salários praticados naquele país, ao uso intensivo da tecnologia de ponta aplicada à produção, aos subsídios fiscais, às manipulações cambiais e ao desrespeito à lei de patentes, entre outros fatores) afetam não somente a produção industrial estadunidense, como reduzem a massa global de valor e extração de mais-valia mundo afora, que é a causa primária do desemprego estrutural mundial, da falência do Estado e da tendência à bancarrota do sistema financeiro.
O lado falacioso se refere ao fato de que a política protecionista fiscal alardeada por Donald Trump, que prometeu taxar em 45% os produtos chineses, tem efeitos colaterais catastróficos para a economia americana e mundial, e impossível de ser adotada sem causar danos mais sérios do que os problemas que pretende resolver.
Caso os estadunidenses passassem a consumir somente produtos made in USA, como quer Trump, haveria:
– uma elevação insuportável de valor e de preço dos produtos (inflação pesada para os padrões estadunidenses), com uma consequente redução do consumo e insatisfação generalizada dos seus próprios eleitores;
– um aumento do custo dos insumos e equipamentos industriais importados, por retaliação fiscal dos países exportadores, o que causaria uma queda da competitividade industrial estadunidense no mercado interno e nas suas exportações, agravando a depressão econômica.
– restrições para a importação de produtos estadunidenses pelos países atingidos pela taxação fiscal dos EUA, como os cereais exportados para a China, que vêm de sofrer recentemente um aumento de impostos de 33,8% para 53,7%, como resposta inicial às estripulias de Trump.
Muitas outras consequências poderiam ser citadas, como os problemas com a colossal dívida privada estadunidense e chinesa, cujos credores, integrantes do sistema financeiro internacional (com os bancos dos EUA e da China) estariam ameaçados.
É por isto que XI Jinping, dirigente chinês, apressou-se em ir pela primeira vez ao recente encontro do Fórum Econômico Mundial, em Davos na Suíça, para protestar contra medidas protecionistas, defendendo a globalização (quem diria!) e afirmando que “numa guerra comercial não haveria vencedores”.
Num capitalismo decadente, que tem na economia globalizada um último suspiro do moribundo, qualquer estratégia de isolamento e protecionismo é um tiro no pé. Daí Donald Trump já estar colocando a sua viola no saco também com relação aos chineses.
Nesta questão Donald Trump é um tigre de papel.
.
SAÚDE PÚBLICA, MUÇULMANOS E RUSSOS
.
As promessas de campanha relativas extinção do programa de saúde pública e gratuita apelidado de Obamacare, sob a alegação de mau funcionamento e sem dizer o que colocaria no lugar, chegaram até a iludir o eleitorado.
Entretanto, referida promessa se insere no contexto da lógica ultraconservadora do Estado mínimo, mas que se mantenha forte o suficiente para reprimir qualquer ideia de emancipação; e de adesão à austeridade fiscal como imperativo financeiro para que possa desempenhar tal função (o que nada mais é do que salvar o Estado da falência iminente, preservando-o para o exercício das suas funções vitais de sustentação e regulamentação do capitalismo a qualquer preço, nestes tempos de escassez).
Por sua vez, o veto generalizado aos muçulmanos, feito de modo apressado e juridicamente inconstitucional, revela o despreparo de Trump para a função presidencial da maior potência econômica do mundo.
Os Estados Unidos não são a bodega do bilionário Trump; consequentemente, o não! à proibição genérica de entrada dos muçulmanos se revelou como a posição correta.
A iniciativa canhestra de Trump foi percebida como absolutamente desequilibrada e inadequada, tanto do ponto-de-vista humano como do científico e empresarial, razão pela qual foi objeto de rejeição jurisdicional em todas as instâncias, além de ter provocado uma revolta mundial, com manifestações de protesto em vários países.
Trump teve de engolir, mais uma vez e em tão pouco tempo, outra promessa de campanha: a afirmação peremptória e arrogante de que iria vetar a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos, numa generalização delirante e inadmissível.
Neste breve espaço de tempo teve, também, de forçar a renúncia do seu conselheiro de Segurança Nacional, o general aposentado Michael Flinn, por conversações comprometedoras com o embaixador russo Sergey Kislyak. [Os russos, hoje, quem diria, foram guindados à condição de aliados capitalistas de Donald Trump!]
Em todas essas questões Donald Trump é, a um só tempo, um leão raivoso; um elefante em loja de cristais e um tigre de papel.
O capitalismo terá nele um aliado trapalhão, a lhe prestar os mais inconvenientes desserviços.
É só esperar. (por Dalton Rosado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário