"Pedras no caminho? Eu guardo todas.
Um dia vou construir um castelo."
(Fernando Pessoa)
.
Era 16 de novembro de 1985 e a apuração se aproximava do fim. Vinha decrescendo o candidato contrário mais destacado (deputado Paes de Andrade, sogro de Eunício Oliveira, atual presidente do Senado) e faltava a apuração dos votos da 1ª Zona eleitoral, situada na Aldeota, bairro rico de Fortaleza.
No ginásio Paulo Sarasate, onde se apuravam manualmente os votos, nós estávamos ansiosos, acreditando na vitória, quando um vereador de Fortaleza, com muita experiência em processos eleitorais, me tranquilizou: "Vocês ganharam a eleição, a Aldeota votou em vocês".
Fiquei surpreso, porque, do alto da
minha inexperiência eleitoral, sempre achei que eram apenas os deserdados da
sorte os nossos eleitores. Eu não sabia que a chamada classe média estava insatisfeita e querendo mudanças.
Até que veio uma explosão de alegria incontida
da multidão: Maria Luíza Fontenele, candidata do Partido dos Trabalhadores (o PT de Fortaleza daqueles
tempos) era a primeira mulher a ser eleita para a prefeitura de uma capital
brasileira, a quinta cidade do país.
A candidata eleita tinha um perfil histórico de lutas populares e era reconhecida como adepta do marxismo. A dose era muito forte para todo o sistema.
A candidata eleita tinha um perfil histórico de lutas populares e era reconhecida como adepta do marxismo. A dose era muito forte para todo o sistema.
Lembro-me de estar no teto de uma kombi, multidão em volta, tendo ao lado um figurão do PT de São Paulo que chegou de
última hora e estava eufórico com a perspectiva do poder.
Eu, que havia ajudado na coordenação de
campanha comandada por Jorge Paiva, estava feliz, mas preocupado. O companheiro
petista de São Paulo me perguntou por que e eu lhe respondi:
"A multidão está feliz porque imagina que vamos promover a sua redenção, mas teremos de administrar uma máquina estatal com ferrenha oposição sistêmica".Isto em razão:
- da total dependência financeira, já que a nova constituição em elaboração somente proporcionaria aos municípios alguma autonomia financeira depois que entrasse em vigor (as prefeituras equivaliam a meras secretarias de estado, segundo as leis ditatoriais do governo militar);
- da impotência no que tange ao atendimento das demandas sociais populares (algo que também só melhorou – um pouco! – com a Constituição de 1988);
- e das circunstâncias em que o novo governo assumiria, sem nenhum vereador e nenhum deputado.
Tudo nos era adverso; até mesmo o PT,
que desde cedo se mostrou contrariado com nossa postura intransigente face àquilo que recriminávamos (principalmente com o presidente Sarney, que
mais tarde se tornaria grande aliado petista). O desenlace deste processo de recriminações mútuas e constantes atritos acabaria sendo a nossa possa expulsão do partido.
Não tínhamos à época muita clareza do
equívoco que representava a contradição de se ser contrário ao sistema capitalista
e querer administrar uma máquina estatal formatada ao serviço do capital.
Talvez a minha relativa tristeza
derivasse da intuição disso tudo. O tempo se encarregou de nos mostrar a
ingenuidade de nosso atrevimento eleitoral histórico: desbancar o capital do
menor dos seus tronos – uma prefeitura municipal –, e sem com ele conciliar.
Aprendemos, a duras penas e ao longo do
tempo, que é necessário desconstituir todos os construtos em volta da sociedade
mercantil, mas, principalmente, o seu móvel principal – a forma-valor – para
podermos nos emancipar.
Apesar de tudo, aquele foi um dia
para a História, pois, afinal, o aprendizado pode ser adquirido a partir de um
caminhar libertador, por mais sofrido que seja, em consonância com uma
correta teoria. E de modo que a luta se transforme numa práxis verdadeiramente
emancipatória.
O
caminho do PT daí pra frente foi a proximidade com o poder burguês; o nosso, o do desapego e da denúncia deste mesmo poder.
Os resultados bem demonstram o
acerto da nossa escolha, apesar do alto preço que pagamos por não conciliarmos
com o capital. E é isto o que nos habilita, hoje, a uma crítica consistente.
(por Dalton Rosado, que foi o secretário de
Finanças da administração popular de Fortaleza)
Esta bela canção caiu como uma luva na campanha eleitoral de Maria Luíza
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