domingo, 15 de maio de 2016

O LEGADO DA SOCIEDADE ALTERNATIVA

No início dos anos 80, quando trabalhava em revistas de música, tive uma breve amizade com o Raul Seixas.

O que nos aproximou foi termos ambos 1968 como referencial maior de nossas existências. 

Canções tipo "Metamorfose Ambulante", “Tente Outra Vez”, "Cachorro Urubu" e "Sociedade Alternativa" lavavam minha alma, num momento em que a velha esquerda rabugenta se reconstruía, passando como um rolo compressor sobre os sonhos da  geração das flores.

De papos sóbrios e etílicos que tive então com o Raulzito, posso dizer que o lance da sociedade alternativa era, basicamente, o de agruparmos as pessoas com boa cabeça em comunidades que estivessem, ao mesmo tempo, dentro do sistema (fisicamente) e fora dele (espiritualmente).

Essas comunidades existiram no Brasil, de 1968 até meados da década seguinte. Nelas praticávamos um estilo solidário de vida, buscando reconciliar trabalho e prazer. Procurávamos ter e compartilhar o necessário, evitando a ganância e o luxo.

Acreditávamos que um homem novo só afloraria com uma prática de vida nova; quem quisesse mudar o mundo dentro das estruturas podres, acabaria sendo, isto sim, mudado pelo mundo.
O festival da paz e amor em Woodstock 

Vimos esta previsão melancolicamente confirmada nos últimos tempos. Companheiros que um dia travaram dignamente o bom combate foram se tornando indiferentes aos dramas do povo brasileiro, existiram até uns tantos que se bandearam para a direita e outros que, para nossa imensa vergonha, se desnortearam com a embriaguez do poder a ponto de delinquirem. 

De nossa parte, em vez de conquistar o governo para acumular poder e tentar implantar uma sociedade mais justa de cima para baixo, nós queríamos deslocar o eixo para o sentido horizontal: acreditávamos em ir praticando uma vida não-competitiva em comunidades que se entrelaçariam e cresceriam aos poucos, até engolirem a sociedade antiga.

As teses e posturas da chamada Nova Esquerda dos anos 60 continuam sendo uma das melhores tentativas que podemos fazer para sairmos deste inferno pamonha que o capitalismo globalizado engendrou. Daí o empenho dos conservadores de direita e de esquerda (eles existem, sim!) em relegá-las ao esquecimento. 1968 ainda é tabu.
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O NÉO-ANARQUISMO 
Maio de 1968: barricada numa rua de Paris.

Se, como todo mundo diz, a sociedade alternativa proposta pelo Raulzito tinha muito a ver com os livros do bruxo Aleister Crowley (que ele e o Paulo Coelho andaram traduzindo do original), também se inspirava nas barricadas parisienses, nas comunidades hippies e na contracultura, o que poucos apontam.

Ele e eu conversamos muito sobre isso; éramos ambos saudosos dos tempos em que tentávamos nos tornar homens novos, na convivência solidária com os irmãos de fé em nossos territórios livres.

A referência ao maio/1968 francês é óbvia, por exemplo, na segunda estrofe de "Cachorro Urubu": "E todo jornal que eu leio/ me diz que a gente já era,/ que já não é mais primavera./ Oh, baby, a gente ainda nem começou."

Os conservadores sempre tentaram reduzir a obra do Raulzito a uma provocação artística, sem maiores conseqüências políticas e sociais. Mas, ele não era meramente um gênio de comportamento bizarro, como tentam retratá-lo, folclorizando-o para torná-lo inofensivo.

Era, isto sim, um homem sintonizado com o néo-anarquismo que esteve em evidência na Europa e EUA na virada dos anos 60 para os 70. E só não dizia isso de forma mais explícita em suas canções porque o Brasil era um estado policial, submetido a uma censura rígida, embora burra.

Este não era, claro, o único aspecto de sua multifacetada personalidade – talvez nem o principal. Mas é o que mais tem sido omitido pelos que querem fazer dele apenas um monumento do passado, não um guia para a ação no hoje e agora.
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LIKE A ROLLING STONE 
Woody Guthrie (esq.) inspirou fortemente Bob Dylan

Eu vivi na estrada e em comunidade alternativa, em 1971/72. Foi uma experiência riquíssima, num momento em que eu precisava extravasar as emoções represadas no cárcere e me reconstruir, já que o sonho de uma sociedade de liberdade e justiça social ficara adiado por décadas e eu, esperançoso como qualquer adolescente, não me preparara psicologicamente para suportar a sociedade unidimensional que a contra-revolução erigiu.

Atrapalhava muito, naquela terrível Era Médici, a tensão entre a liberdade que conseguíamos vivenciar em recinto fechado e o terror e o medo que grassavam lá fora.

Vivíamos acuados, os cidadãos comuns nos olhavam com receio ou rancor por causa de nossas cabeleiras e roupas extravagantes. Enquanto isso, a economia deslanchava e alguns sentiam-se tentados a ir buscar também o seu quinhão do  milagre brasileiro.

Hoje, quem tem olhos para ver já pode aquilatar o que é a sociedade de consumo e a posição de país periférico na economia globalizada: parafraseando Conrad, "o horror, o horror!".

Acostumado aos tempos em que se labutava para viver, eu não consigo aceitar que atualmente as pessoas vivam para trabalhar, mobilizadas por objetivos profissionais umas 14 horas por dia (expediente, horas extras que dificilmente são pagas, cursos e mais cursos de atualização profissional, etc.).

E tudo isso para quê? Para poderem comprar um monte de objetos supérfluos e quase nunca encontrarem relacionamentos gratificantes no dia-a-dia, pois já não sabem mais interagir –querem apenas usar umas às outras.
A lendária comunidade pioneira

Então, fico pensando que, em lugar de levarmos vida de cão dentro do sistema, poderíamos todos estar nos agrupando em casarões da cidade e sítios no campo, criando pequenos negócios para subsistência, plantando, levando uma vida simples mas solidária. Reaprendendo a ter no outro um irmão e não um competidor.

Com as facilidades de comunicação atuais (que fizeram muita falta há quatro décadas), essas comunidades urbanas e rurais se entrelaçariam, ajudando umas às outras, trocando o que produzissem, prescindindo dos bancos, escapando dos impostos e das formas de controle do Estado. Em suma, praticando criativamente, adaptados aos dias de hoje, os ensinamentos de Thoreau em A Desobediência Civil.

Seria um ponto de partida. E, conforme os territórios livres fossem crescendo, poderiam até virar algo mais sério – uma alternativa para toda a sociedade..
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COMO FAZER 
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Nas comunidades de 1968/72, o que se fazia era reviver a velha democracia grega: reuniões para se decidir os assuntos mais importantes, para nos conhecermos melhor, para sonharmos e brincarmos.

Podia começar num debate acirrado e terminar com todo mundo nu dançando ao som de "Let the sun shine in" (com inocência, pois não éramos dados ao sexo grupal).

Enfim, tentávamos existir plenamente como grupo, esforçando-nos para superar o egoísmo e a possessividade.
Na Bahia, Arembepe era o paraíso... 

Havia problemas, claro. Emprestávamos ao outro o que ele estava precisando mais, numa boa; só que, às vezes, descobríamos na enésima hora que alguém tinha levado sem pedir aquilo que a gente ia usar. Dava discussão e os limites tinham de ser depois definidos na reunião coletiva da nossa 
comuna.


Também não era fácil administrarmos o jogo das paixões. Minha amizade com um ótimo companheiro andou estremecida por uns tempos quando a namorada rompeu com ele e iniciou uma relação comigo. Por mais que quiséssemos nos colocar acima de sentimentos menores como o ciúme, eles existiam e nos machucavam.

O importante, entretanto, era essa vontade que todos tínhamos de superar as limitações de nossa educação pequeno-burguesa e viver de forma generosa e solidária.

Quando alguém tinha um problema, era de todos. Quando alguém estava triste, logo um companheiro ia perguntar o motivo. Tudo que podíamos fazer pelo outro, fazíamos.
...dos bichos grilos brasileiros e até hermanos

Onde erramos? Duas vaciladas fatais implodiram a comuna. Uma foi deixarmos a droga correr solta – LSD e maconha, principalmente, pois o propósito era abrirmos as  portas da percepção, no dizer de Huxley. Isto, entretanto, trouxe à tona facetas da personalidade reprimida que o grupo não conseguia administrar. Acabaram ocorrendo conflitos, rompimentos.

A outra foi recebermos de braços abertos todos os pirados que apareciam, vendo um amigo em cada pessoa que parecesse estar fora do sistema. Como sempre, apareceram os aproveitadores, os parasitas, os pequenos marginais. E a polícia veio atrás.

Mas, as experiências que vivenciamos foram tão intensas que aquele ano valeu por uns cinco. Foi com imenso pesar que vimos aqueles laços se romperem, sendo obrigados a voltar, cada um por si, à luta inglória pela sobrevivência. É uma tortura ser obrigado a correr de novo atrás do ouro de tolo, quando não se tem mais  aquela velha opinião formada sobre tudo...

Com algumas correções de rumo e numa conjuntura menos repressiva, as comunidades ainda poderão ser viabilizadas. Há que se tentar outra vez. Mesmo porque, como disse o Raul, "basta ser sincero e desejar profundo/ você será capaz de sacudir o mundo".
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O NOVO DESAFIO 
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A tentativa de irmos engendrando uma alternativa ao sistema dentro do próprio sistema tem muito mais a ver agora do que no tempo do Raul, pois os homens precisarão unir-se para enfrentar a crise das alterações climáticas.
Acidente nuclear japonês: um terrível alerta. 

Na segunda metade deste século, o planeta será fustigado por terremotos, maremotos, furacões, tufões, tsunamis, inundações, fome e seca. As perdas poderão ser diminuídas se os homens se ajudarem mutuamente, sem o egoísmo e a competitividade capitalistas; caso contrário, até mesmo o fim da espécie humana não estará descartado.

O futuro da humanidade não pode ficar à mercê da ganância, sob pena de interesses mesquinhos acabarem destruindo o planeta.

Os homens têm de encontrar formas de organizar-se para a produção em termos solidários, visando o bem comum e não o lucro. Cooperarem em vez de competirem.

Mas, isso não pode ser imposto por uma burocracia. Chega de ditadura do proletariado, estatização compulsória da economia e outras experiências que malograram!

É uma mudança de cultura que teremos de efetuar voluntariamente, se quisermos legar aos nossos descendentes algo além de uma Terra arrasada.

Teremos de construir algo novo a partir da cooperação voluntária dos cidadãos. Mostrar que o bem comum deve prevalecer sobre os interesses individuais. Convencer os recalcitrantes ou mantê-los fora da nova sociedade que estivermos criando. Fazendo o possível e o impossível para evitarmos que ela também descambe para a coerção e a repressão.
"...e o mundo será um só!"

E não serão os podres poderes atuais que vão encabeçar essa luta. A união de que necessitamos deve ser forjada a partir de agora, como uma rede a ser montada pelas pessoas de boa cabeça, independentemente de governos e partidos políticos.

Se o enfrentamento da maior ameaça com que os homens já se depararam não propiciar o surgimento de uma sociedade melhor, nada mais o fará. (por Celso Lungaretti)

6 comentários:

Marcos Nunes Filho disse...

Celso, hoje ainda existem as antigas comunidades rurais, chamadas agora de ecovilas. Eis algumas delas:

http://udigruditupiniquim.blogspot.com.br/2015/11/ecovilas-enderecos-atuais.html

SF disse...

Celso,
Lembrei dos meus tempos de juventude; "cabelo ao vento, gente jovem reunida".
Foi maravilhoso.

Nunca fui de "dar bandeira". E alertava que não se devia "dar lado" para o meganha ter motivos para bater.

Li "As Portas da Percepção" e vi um uso diferenciado de drogas, portanto, nunca fui contra o uso, mas sou contra dar motivo ao estado policial (continua existindo) ter um um "motivo" para violentar uma pessoa inutilmente.

Se quizerem usar drogas, tem primeiro que bater na tecla da estupidez que é o tratamento criminal das mesmas, até derrubar todas as barreira que ainda existem.

Essa postura não me fez muito popular entre a rapaziada.

Tive a sorte de viver grande parte da minha vida nos cafundós; "sem rádio e sem notícia das terras civilizadas".

Essa vivência me fez conhecer a imensa riqueza que existe aqui.

Sempre desconfio qdo ouço ou leio alguém dizendo que sofreremos fome e que tais.
Penso "não conhece nossa terra".

Aqui é potência. Clima bom e água boa!
O projeto de vida feliz e farta que vc fala nas comunidades é plenamente viável.
Já há usufrutuários dessa riqueza imensa que temos.

O único impecilho para os demais usufruirem é o medo.

Medo de confiar, medo de abraçar, de amar, medo de viver por conta.

O uso doentio de drogas é apenas reflexo desse medo.

"E o segredo está na cura do medo"!

Estar aonde estamos e não criar nós mesmos um estilo de vida feliz, harmónico e de bem estar para todos, me parece estupidez total.

É como está numa mina cheia de ouro e não ter uma pá, e nem querer comprar uma.


celsolungaretti disse...

SF,

das músicas que você citou, nunca gostei de "Como nossos pais", pois aos 16 anos deixei para sempre de viver como os meus, que eu amava mas com cujos estilo de vida e valores não me identificava. Mais apropriada para mim seria "Você não entende nada", por causa dos versos "Eu quero correr mundo, correr perigo/ Eu quero é ir-me embora/ Eu quero dar o fora"...

"Está na cara, está na cura" nunca me chamou a atenção, nesse LP de 1972 eu só me liguei em "Oriente" e "Expresso 2222".

Já o "Riacho do navio" eu escutei dezenas de vezes. O LP "Ave noturna" é o que mais gostei do Fagner, principalmente as faixas "Beco dos baleiros", "Astro vagabundo" e "Última mentira". Ficaram ótimas na sua interpretação chorosa. Acho um enorme desperdício ele e o Alceu Valença terem partido para o popularesco na década seguinte.

Quanto às drogas, foram libertadoras para a minha geração porque ainda éramos um pouco travados, fruto de uma sociedade que conservava muito de patriarcal, em que morríamos de tesão mas as meninas dificilmente nos deixavam ir até o fim, em que todo o conhecimento estava depositado nas prateleiras corretas e aí de quem desrespeitasse os templos do saber e seus sacerdotes, os professores e intelectuais! (daí o Caetano ter falado em "derrubar as prateleiras/ as estantes, as estátuas/ as vidraças, louças, livros, sim!")

O LSD fazia nossas mentes voarem e a maconha nos deixava livres e soltos para o sexo. Era uma jornada perigosa, vi muita gente boa se dar mal. E, vale lembrar, as drogas de então era muito menos potentes do que as atuais.

Quem tinha propensões artísticas ficava mais inspirado com o LSD. Não que os pintores produzissem obras-primas ou os músicos fizessem suas melhores composições. Mas, as viagens nos forneciam matéria-prima para refinarmos depois. Devo ter composto uma meia-dúzia de poesias assim, escrevendo o que me vinha na cabeça quando estava lá no alto e depois, já no meu normal, dando uma boa mexida. Funcionava.

Mas, era algo meio kamikaze. Como tínhamos aparências de hippies e chamávamos a atenção, ocorria de sermos interpelados pela polícia. E eu percebi que conseguia me recompor imediatamente nesses momentos.

Certa vez estávamos em quatro, todos no finzinho da viagem de LSD (era quando mais valia a pena caminhar, parecia-nos que conseguíamos ver o que as pessoas eram por dentro...), e só eu estava com documentação em ordem. Então, fiquei embaçando tanto ao mostrar meus documentos que os meganhas, de saco cheio, nos mandaram embora. Salvei o dia.

Alguns ficavam loucos para sempre. Sei lá se estive perto disto. Em certa viagem, vi uma ponte à minha frente e "sabia" que, se a transpusesse, ficaria do outro lado para sempre. Não topei. E, depois disso, nunca mais encarei o LSD nem nenhuma droga que me fizesse perder totalmente a consciência. Até hoje ignoro se aquilo não passava de uma fantasia a mais ou era pra valer.

SF disse...

Celso,

Citei apenas versos das músicas, não a música e o contexto, porque já percebi o quanto você é lírico e constrói o seu pensamento de maneira musical.

Seu pensamento é um misto de prosa e poesia.
Seu texto é muito bom por isso. Sempre tem ritmo.

Minha época de contato direto com os alternativos se deu no início dos 80.
Gostei muito de macrobiótica, de preparar meu cuscuz no moinho de cereais (ferramenta maravilhosa), de fazer pão integral, "recolher a garapa da cana" e me lambuzar de mel.

Descobri os utensílios de barro e madeira super baratos vendidos na feira da minúscula cidade onde morava. Tudo que precisamos para preparar o alimento, além deles, é uma faca.
Andar na floresta, tomar banho na fonte, pescar no açude e rir muito (sem drogas).

Nessa época usei a maconha apenas por causa de uma menina. Valeu a pena porque ela era linda. Bastou.

Também gostei de deixar meu cabelo crescer e não pentear, mas durou pouco.

Nos anos 90 estava na amazônia e tive oportunidade de conhecer uma comunidade hoasqueira onde estava presente um Mestre Hoasqueiro verdadeiro.
Foi uma grande benção e eu fui além.
Fui, mas voltei e reconstruí o ego.

O Mestre morreu e nunca mais encontrei outro igual.
E nem faço mais uso do chá.

Há muita ignorância quanto as drogas psicoativas e seu uso sadio.

Nos pastos cresce o cogumelo, nas florestas há o cipó e a folha, no sertão está a Jurema, na praia o maxixe e nos desertos da cordilheira o cacto e a folha, mas as pessoas entram em esquemas criminosos para obtenção de drogas viciantes.
A desinformação é fatal.
Por outro lado, é compreensível,já que essas plantas produzem efeitos que não podem ser chamados de recreativos e é bom ter a consciência tranquila para caminhar sereno na paisagem visionária.

Hoje estou muito otimista de que a descriminalização das drogas ocorra.
Mesmo porque o chá já goza de um status especial.

Mas "não cante(mos) vitória muito cedo, não..." a estupidez humana ainda é infinita.

P. S. "Vento Norte" dos Karetas, "Cantando pra Vida" (Eliane do Forró) e outras que não estão nem no google eram as canções que se escutava nas "sessões de vegetal" no tempo em que meu Mestre estava vivo.



celsolungaretti disse...

Ganhei meu pão durante 5 anos como crítico musical e editor de revistas de rock. Foi a fase em que mais gostei do trabalho que desenvolvia, embora a remuneração fosse bem chinfrim.

Mas, quando todo mundo voltou para a vidinha normal, fui obrigado a também me reinserir no sistema, em 1973. Precisava trabalhar para pagar a kitinete, melhorar a aparência ou não conseguia emprego, etc. Então, a partir de 1973 fui me distanciando desse passado, com muita tristeza. Quem não dormiu no sleeping-bag, nem sequer sonhou...

Achei interessante vc me contar coisas da década seguinte. Metade dela passei fazendo as tais revistas da Editora Imprima, a outra metade sendo obrigado a fazer jornalismo econômico para sobreviver. Não me dei conta dessas reverberações tardias da nossa geração das flores. O próprio ambiente roqueiro já estava mudando.

Li todos os livros do Castañeda, interessei-me bastante, mas acabei não experimentando os chás de cogumelo. A coisa era meio rara e o amigo que conhecia essas práticas morreu muito cedo. Depois, quando fiquei sabendo que o Castañeda era um pilantra e só havia pesquisado aquilo que dizia ter vivenciado, aí meu interesse evaporou de vez.

Sei lá se a descriminalização das drogas seria positiva, embora acredite que utilizá-las ou não deva ser opção pessoal, sem que o Estado meta o nariz.

Mas, no meu tempo as usávamos para entender melhor a realidade e melhorarmos nossa forma de com ela interagirmos. Hoje me parece que os jovens procuram mais sentir-se superpoderosos ou buscar paraísos artificiais (fugindo, isto sim, da realidade).

Neste sentido, não acho uma boa. Temos de encontrar nossa felicidade nas relações gratificantes com outros seres humanos, não com ilusões químicas.

Um forte abraço!

ninguem disse...

Uma Carta para Henry Ford
por Aleister Crowley

Senhor,

A maioria dos homens se sensibiliza e se preocupa com o bem estar e o progresso deles mesmos, de suas famílias, suas cidades ou seus países; e eles devotam suas energias ao avanço desses interesses as custas daqueles que consideram como desconhecidos.

Mas em todo tempo e lugar sempre tem havido aqueles poucos que sentiram no seu coração as tristezas da humanidade como um todo, sem distinção de pessoas ou classes; e se devem aos maiores entre tais homens, sem exceção, todos os verdadeiros benefícios que a raça ganhou da Natureza.

Nós podemos confrontar as vantagens com as perdas que se acumularam nas atividades de um homem ambicioso, como Napoleão, um herói cívico, como Péricles ou um patriota, como Washington; porém os reais benfeitores da humanidade são homens como Aristóteles e Newton, Gautama Buddha e Pasteur, os inventores da imprensa e do automóvel, cujo objetivo de sua obra é tão universal quanto os seus motivos, nos melhores casos, impessoais[1].

Durante muitos séculos, homens capazes deste grau de grandiosidade, que foram capazes de considerar os problemas de sofrimento e realização da humanidade com o desapego benevolente de uma divindade, tem se mantido secretamente organizados para vigiar o bem estar dos seus companheiros e para prestar auxílio mútuo na Grande Obra de dirigir e assistir a Humanidade para que possa alcançar o seu Destino sagrado. Silenciosa e informalmente, ainda assim firmemente e com a força da sua nobre paixão, eles lutaram contra a tirania e o obscurantismo, eles trouxeram luz aos recantos escuros da terra, eles garantiram o caminho da genialidade e eles conservaram aquele silêncio que é ao mesmo tempo sua garantia contra a opressão e a primeira condição da sua vigilância.

Estes homens, possuidores de uma força moral que os outorga poderes que para a mente comum muitas vezes parecem miraculosos, empregam as suas faculdades independentemente e sem ostentação sempre que tal atitude é possível. Porém de tempos em tempos ocorrem certas crises nas atividades dos homens que os obrigam a agir de acordo com a necessidade e a selecionar e enviar um dos seus para exercer publicamente partes da sua doutrina secreta a fim de capacitar os homens para resolver os problemas que atualmente os restringe e triunfar sobre os perigos que os cercam.


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