segunda-feira, 4 de abril de 2016

APOLLO NATALI: "AS FLORES BRANCAS DO TIO SAM".

Emocionante: o simpático Barack Obama a dançar tango e jogar flores no mar da Argentina, em homenagem a combatentes da ditadura mortos! 

Numa espichada de degraus bem abaixo da verdade, o presidente dos EUA resmunga um reservado mea culpa e admite, com voz sumida, que seu país desdenhou dos direitos humanos no passado. O público delira. Lágrimas até, quem sabe, pelas telinhas deste mundão afora. 

Nesse mesmo mar onde Obama joga flores brancas, a ditadura argentina arremessava de aviões seres humanos –seus compatriotas combatentes da ditadura. A mesma ditadura patrocinada pelo próprio Tio Sam.

Nos exatos degraus da verdade, as flores brancas do gentil Obama, por mais apaixonantes que sejam, não apagam a História. Teimam em lembrar a fulminante queda em dominó de regimes democráticos latino-americanos orquestrada pelos EUA, e consequentes rios de sangue esparzidos, e dores sem fim semeadas.

Do Caribe à Patagônia, o enraizamento de ditadores assalariados, credenciados a martirizar seus povos. Prática generalizada de tortura. Assassinatos a granel. Crueldades inimagináveis. Desdenhar de direitos humanos é pouco.

O ramalhete de flores brancas viveu seus segundos de glória em março, na Argentina, o mesmo março que, ao aqui chegar, sempre reaviva o de 1964, de opressivas lembranças. 

A par da indignação e espanto com as torturas e mortes que as flores brancas de Obama nos fazem ressurgir do coração, todo março nos traz uma lição a ser revista em todos os marços: entender que em sua semeadura universal de ditaduras brutais e corruptas –em troca tão somente do lucro das empresas americanas– assassinos e torturadores com seus métodos não muito agradáveis eram sempre bem-vindos pelos EUA, como o foram, entre outros, no Brasil e na Argentina.  

Em sua hipnose global, Tio Sam moldou mentalmente turbas de aplicados aprendizes de tortura na América Latina, então terra fértil ao plantio do fascismo.

No dizer de memória regressiva das flores apaixonantes, empunhadas por Obama, todo março é mês de se lembrar que em El Salvador e na Guatemala, não houve apenas matança comum. O principal componente lá foi a tortura brutal e sádica, batendo bebês contra pedras, pendurando mulheres pelos pés com os seios cortados e pele do rosto escalpelada, para sangrarem até a morte, ou cortando cabeças e colocando-as em estacas. Os torturadores serviam churrasco aos presos, perguntavam se tinham gostado e depois avisavam que eles tinham se alimentado com a carne dos próprios filhos.

Quantos marços vão chegar até se aprender que o objetivo dos EUA, com suas carnificinas, foi o de esmagar qualquer verdadeira democracia e sufocar o mais leve suspiro de liberdade, em troca de alguns trocados que nem chegam a beneficiar a sua própria população pobre e oprimida?

No topo dos degraus da verdade, o mais severo crítico da política externa dos EUA, Avram Noam Chosmky, se dispôs a contabilizar todo o sangue que o Tio Sam fez derramar para ter em suas mãos um controle de uma segurança do mundo esmagadores.        

E eis o tópico central do plano sem flores brancas do estrategista George Kennan, para um padrão de relações que permitisse aos EUA, na ocasião com 6,3% da população mundial, manterem seus 50% da riqueza global e o domínio dos dois lados dos dois oceanos: “Para agir assim, temos de dispensar todo sentimentalismo e devaneio; nossa atenção deve concentrar-se, em toda parte, em nossos objetivos nacionais imediatos. Precisamos parar de falar de vagos e irreais objetivos, tidos como direitos humanos, elevação do padrão de vida e democratização”.

A ideia que se espalhava pela America Latina, de que o governo tem responsabilidade direta pelo bem do povo, era uma “perigosa heresia” a ser combatida, “um vírus” a ser exterminado. Aos inimigos que caiam nessa heresia, a reação seria uma resposta desagradável... 

Com um documento de alto nível atrás do outro, revela Chomsky, os estrategistas norte-americanos expunham a visão de que a principal ameaça à nova ordem mundial, liderada pelos EUA, era o nacionalismo do 3º Mundo, que atende às exigências populares de elevação imediata dos baixos padrões de vida das massas e produção de bens que satisfaçam às suas necessidades básicas. 

As metas pétreas dos estrategistas, insistentemente repetidas, eram evitar que os ultranacionalistas tomassem o poder e, se por um golpe de sorte o lograssem, retirá-los e instalar ali governos mercenários que favorecessem os investimentos privados do capital interno e externo americano, a produção para exportação e o direito de remessa de lucros para fora do país. “Para um estrategista da politica norte-americana, essas metas praticamente fazem parte do ar que ele respira”, afirma Chomsky.
Sobrinhos do Tio Sam: o ditador Médici...

A politica de Kennan sem flores brancas começou trinta anos antes da 2ª Guerra Mundial, quando o secretario de Estado do governo Woodrow Wilson havia declarado que o significado prático da Doutrina Monroe levava em conta que os Estados Unidos consideram seus próprios interesses. “A integridade das outras nações americanas é um mero acidente, não um fim.”

Wilson agiu de acordo com esse pensamento ao invadir o Haiti e a República Dominicana, onde seus soldados assassinaram, destruíram e demoliram o sistema político vigente, deixando as empresas estadunidenses firmemente no controle e preparando o cenário para ditaduras brutais e corruptas.

Os planos do valentão global sem flores brancas para o domínio do mundo começaram com a demarcação de uma Grande Área após a 2ª Guerra, formada pelo Hemisfério Ocidental, a Europa Ocidental, o Oriente, o antigo Império Britânico (que estava sendo desmantelado), as fontes de energia do Oriente Médio, o resto do Terceiro Mundo e, enfim, o mundo inteiro.

Os países industrializados seriam guiados pelas grandes oficinas, Alemanha e Japão. Ao Terceiro Mundo cabia executar sua principal função de fontes de matérias-primas e de mercado para as sociedades industriais capitalistas, como dizia memorando do Departamento de Estado de 1949. A guerra do Vietnã surgiu da necessidade de mantê-lo no papel de serviçal. A garantia dos domínios distantes da Grande Área exigia postura ameaçadora, para assegurar que ninguém interferisse nos planos.

O livre comércio, diz Chomsky, é um bom termo para ser utilizado nos departamentos de economia e em editoriais de jornais, mas ninguém do mundo empresarial estadunidense, nem do governo, leva a sério essa doutrina. O sistema de subsídio público e lucro privado é o que eles chamam de livre-empresa
...o carrasco Pinochet (recebendo o OK de Kissinger)...

Para o bem das empresas estadunidenses, os EUA prestaram ajuda para que os países se recuperassem dos prejuízos da guerra e importassem suas mercadorias manufaturadas. Era necessário, porém, que essas sociedades se reconstruíssem de uma maneira bem específica. A ordem tradicional da direita tinha de ser restabelecida, com a dominação das empresas, a divisão e o enfraquecimento dos sindicatos e o peso da reconstrução sendo colocado inteiramente nos ombros da classe trabalhadora e dos pobres.

O principal obstáculo no caminho era a resistência antifascista, que passou a ser reprimida no mundo inteiro com a derrubada de governos democráticos e a disseminação em suas administrações de fascistas e ex-colaboradores nazistas, alguns até com o apoio do Vaticano. Às vezes isso requeria extrema violência e, em outras, a subversão de eleições ou supressão de alimentos extremamente necessários. Nada de excessos democráticos que permitam a subversão. Foi uma conspiração gigantesca em escala global contra a democracia.

Governos democráticos foram derrubados em sequência com o apoio dos EUA, algumas vezes com intervenção direta. No Irã, em 1953; na Guatemala, transformada num inferno na terra, em 1954 e em 1963, quando Kennedy apoiou o golpe militar para evitar a ameaça do retorno da democracia; na República Dominicana, em 1963 e 1965; no Brasil em 1964; no Chile, em 1973, na Argentina, no Panamá, etc. 
...e o gorila boliviano Hugo Banzer.

Grécia, 160 mil mortos; Coreia, 100 mil mortos; Granada, El Salvador, Indochina, Laos, Vietnã, Cambodja, Timor Oriental, mais para a frente Afeganistão, Iraque, centenas de milhares de mortos.

“Nenhum grau de crueldade é suficientemente grande para os sádicos de Washington”, escreveu Chomsky.

“A América Latina é nossa rapaziada”, proclamavam os estrategistas inimigos das flores.

Estudos do economista Edward Herman citados por Chomsky, revelam uma estreita correlação em todo o mundo entre a tortura e a ajuda norte-americana e fornecem uma explicação: ambas se correlacionam com a melhoria das condições de operações das suas empresas. "Em comparação com este guia de princípios morais, assuntos tais como tortura e carnificina caem na insignificância.”

As flores brancas  acenam para a verdade histórica.
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.(por Apollo Natali) 

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