Este líder de verdade segue os passos do Sócrates |
Nunca atuei no jornalismo esportivo propriamente dito, mas travei contato com alguns craques em épocas de Copa do Mundo, quando as revistas dão mais destaque ao futebol. Principalmente o Rivellino, a quem entrevistei duas vezes, e o Zico.
Pareceram-me dignos, honestos e boa gente (ao contrário dos empresários, políticos e artistas que eu era obrigado a ouvir amiúde). Cordiais mas autênticos, não fazendo nenhum esforço para agradarem, nem tentando me manipular. Sua postura era tão digna de admiração quanto seu talento nos gramados.
O Manfrini, meiocampista de um esquadrão lendário do Fluminense, fora meu colega de ginásio; jogáramos juntos umas poucas vezes, pois eu era só o goleiro reserva. Mais tarde, depois que ele já pendurara as chuteiras, reencontrei-o no Desafio ao Galo da TV Record, como diretor do Parque da Mooca, o timinho de várzea no qual iniciara sua vitoriosa trajetória. Tão gordo que só aguentou disputar o primeiro tempo.
Eu estava lá cobrindo a participação do adversário, a Duratex, pois fazia a revista dessa empresa. No final, o Manfrini me convidou para bater papo com os quatro outros veteranos que ele aliciara para sua equipe, dentre eles o zagueiro Amaral, ex-Corinthians, que chegara a disputar um Mundial pelo Brasil. A efusiva camaradagem entre eles, sem ciumeiras e vedetismo, me chamou a atenção. Tão diferentes dos artistas!
Este falso líder abandonou os liderados no fogo |
Vale lembrar, também, um episódio uruguaio que comprova a firmeza de caráter de um grande boleiro. O capitão da Celeste Olímpica, Obdulio Varela, se tornara uma lenda viva ao encher sua seleção de brios no maracanazo de 1950, levando-a a compensar a inferioridade técnica com esforços sobre-humanos; não se envolvia, contudo, com lutas reivindicatórias.
Certa vez, os cartolas caíram na besteira de declararem à imprensa que o movimento dos jogadores era uma roubada, tanto que até o Obdulio Varela o rechaçara. Furioso por terem invocado seu nome em vão, Varela compareceu à reunião seguinte, passou a liderar os colegas e os guiou para a vitória.
Colegas me contaram que o Nelson Piquet também não bajulava repórteres. Quando apareciam sem convite na casa dele, atendia-os no portão. Fazia questão de preservar sua intimidade. [Nunca entendi a compulsão da maioria das pessoas, de colocarem na vitrine a esfera pessoal de suas existências. Eu só uso o twitter para anunciar os escritos que lanço. Jamais você lerão que estou em tal lugar, fazendo tal coisa. Muito menos encontrarão, em lugar nenhum, revelações sexuais. Abomino a exposição/banalização da vida íntima. Sempre considerei repugnantes os homens que se vangloriam de conquistas amorosas e ficam trombeteando detalhes de suas noitadas e de suas parceiras.]
Enfim, não é surpresa nenhuma para mim que os jogadores do Bom Senso Futebol Clube estejam tão lúcidos e coesos em seu movimento contra os cartolas escravagistas em geral e o capataz da CBF em particular: o nefando José Maria Marin, aquele puxa-saco da ditadura militar que rasgava seda para o delegado Sérgio Fleury e pediu a cabeça dos comunistas da TV Cultura pouco antes de o Vladimir Herzog ser preso e assassinado pelo DOI-Codi.
O que aconteceria se o movimento não fracassasse |
Só lamento que o jovem e bom zagueiro Paulo André, do Corinthians, não tenha a estatura futebolística do Sócrates, pois está seguindo os passos do doutor enquanto líder e, se fosse igualmente um jogador fora de série, sua influência e seu destaque na mídia aumentariam muito.
Também não me surpreendeu o melancólico esfacelamento do Procure Saber, o movimento dos censores acidentais. Constatando a péssima repercussão, o primeiro a pular fora foi exatamente o inspirador e líder, Roberto Carlos, que policia até teses universitárias sobre a Jovem Guarda. RC usou o Fantástico para tirar o dele da reta, dizendo que aprova as biografias não autorizadas e só queria que fossem melhor equacionados alguns detalhes. [Fez lembrar a velha piada de colegiais sobre a virgindade pela metade: não existe...]
O divo Caetano Veloso foi o primeiro a reagir: confessou haver defendido uma tese "estranha" por solidariedade aos outros e se queixou de o rei ter abandonado a todos no fogo.
Resta saber que atitude tomarão os magníficos traídos Chico Buarque e Gilberto Gil.
Como o Bom Senso e o Procure Saber são praticamente simultâneos, faz sentido dizer que, numa comparação moral entre ambos, o placar seria Boleiros 10x0 Pavões.
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