Nunca se deve deixar de passar os olhos no que escrevem velhos jornalistas que já tiveram grandes dias, como Janio de Freitas. Quando menos se espera, eles produzem um texto magnífico, trepidante, como que para compensar as dezenas de anódinos entregues para fazer jus a seus salários, sem o fogo sagrado de quem se revolta contra as injustiças e arbitrariedades.
Crimes bem aceitos é o tipo da coluna que Janio de Freitas deveria escrever sempre, não esparsamente. Endosso-a e reproduzo com admiração:
"O ressurgimento das greves e outras manifestações reivindicatórias traz também de volta a vulgarização de uma prática inadmissível no Estado de Direito: a violência da repressão policial, executada com características criminosas. E impune, portanto. Mais ainda: como representação do Estado. Logo, Estado policial.
A ferocidade descarregada pela polícia do Ceará contra professores que pretendiam acompanhar, na Assembleia Legislativa, uma votação do seu interesse, não deveu nada, no propósito e na violência armada contra indefesos, à sanha da polícia, da soldadesca e de seus chefetes na ditadura.
Pessoas arrastadas pelos cabelos, espancadas, chutadas no chão, feridas -cenas assim voltam a repetir-se com frequência. E não suscitam, da parte dos meios de comunicação em geral, mais do que registros banais, quando existem. Da sociedade, organizada ou dispersa, apenas a indiferença abobalhada.
A tucanice já debitou a Dilma Rousseff o ressurgimento e as próprias greves. Mas só a dos Correios é federal, as várias outras são estaduais. Dessa divisão decorre um reflexo agravante. As vítimas costumeiras da repressão criminosa são grevistas e manifestantes de atividades estaduais ou municipais.
A menos que se excedam muito, servidores federais são mais poupados pelos governantes regionais para evitar problema com o governo central. É uma prova a mais do comprometimento desses governantes com a violência criminosa de suas polícias.
A desculpa é sempre a mesma: os grevistas ou manifestantes iniciaram o conflito. Os uniformes e equipamentos atuais das PMs, porém, estão aptos a suportar ilesos e a reprimir sem violência criminosa o que civis desarmados, e expostos na indumentária singela, podem fazer.
A repressão que extravasa perversidade é criminosa. Não pode representar o Estado de Direito, pela simples e forte razão de que o trai. Nega-o. A sempre citada necessidade de formar policiais avessos à corrupção e ao bandidismo é um problema funcional. Há também, no entanto, o problema nunca citado e maior do que qualquer outro, porque na raiz de todos: o problema institucional da falta de civilidade das polícias. Carência básica da seleção, formação e atividade dos policiais.
Carência equivalente existe fora das polícias e em relação a seus métodos: se as práticas de repressão usam de violência perversa, desumana, criminosa, no Estado de Direito devem ser tratadas como tais. Sob leis condenatórias com peso idêntico ao aplicado a civis e até, às vezes, a crimes de policiais fora de serviço.
O 'excesso', como dizem, só é excesso em regime policialesco. No Estado de Direito é crime, e ao processo respectivo devem submeter-se os acusados de praticá-lo e de autorizá-lo. Então, estará dado um passo para a democracia".
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