São Paulo está glacial, nesta manhã que é a mais fria do ano para os paulistanos, após a madrugada idem.
Traz-me à lembrança o filme mais assustador a que já assisti sobre o fim da humanidade: Quinteto (1979), do grande Robert Altman.
Nele, não se mostra o mundo logo depois de explosões atômicas, como em O Dia Seguinte (dirigido por Nicholas Meyer, 1983); sobreviventes civilizados lutando contra as hordas do pós-apocalipse, como nos Mad Max II e III (d. George Miller, 1981 e 1985), que geraram um sem-número de derivações; a falta de alimentos agravada a tal ponto que os homens são obrigados ao canibalismo, como em No Mundo de 2020 (d. Richard Fleischer, 1973); ou o último cientista do planeta acossado por mutantes vampiros, como no clássico A Última Esperança da Terra (d. Boris Sagal, 1971) e sua medíocre refilmagem Eu Sou a Lenda (d. Francis Lawrence, 2007).
Quinteto foi na direção oposta, como que inspirado no magistral poema de T. S. Eliot sobre os homens ocos ("É assim que acaba o mundo/ É assim que acaba o mundo/ É assim que acaba o mundo/ Não com um estrondo, mas com um gemido").
Então, Paul Newman perambula por uma Terra a caminho de se tornar um bloco único de gelo. Os últimos humanos refugiam-se no que resta das grandes cidades, enquanto os derradeiros cães disputam as carcaças de quem tomba enregelado nas ruas. Algumas pessoas entregam-se a um jogo macabro, antecipando-se à morte inevitável.
Isto é o que mais assusta: a agonia lenta.
Não é próprio dos homens resignarem-se ao infortúnio, mas lutarem contra ele. Tanto que Paul Newman acaba o filme caminhando para o nada, na vã tentativa de atingir outra cidade que nada lhe oferecerá de melhor, de preferência a ficar simplesmente esperando a chegada da morte.
AS MARILYNS E AS JACQUELINES - Mas, é o cinema também a me aquecer nesta manhã que, de tão fria, faz-me lembrar o pungente lamento de Caetano Veloso no exílio londrino, quando deu novo significado aos versos de Erasmo Carlos ("Só quero que você me aqueça neste inferno/ E que tudo mais vá para o inverno").
Leio um despacho da Agência Efe, dando conta de que foram recuperados e publicados pela revista Life os negativos inéditos de uma sessão fotográfica de marilyn Monroe antes da fama.
Aos 24 anos, Marilyn estava deslumbrante, quando ainda não tinha de forçar a barra para parecer um símbolo sexual em cada tomada e em cada clicada.
Essa moça doce e simples me atrai bem mais do que a Marilyn me-leva-pra-cama que excitava até presidentes.
E a comparação entre a Marilyn antes e depois projeta meu voo da memória noutra direção: as duas Jacquelines Myrnas.
Quando eu tinha 14, 15 anos, essa estrela de programas humorísticos habitava meus devaneios eróticos, assim como o de muitos marmanjões.
Bem feita de corpo, passava-se por uma francesinha delicada, falando um português carregado de sotaque (Arrarraquarra...) e que a tornava muito provocante.
Fez tanto sucesso como símbolo sexual que acabou atuando em dois filmes do refinado Walter Hugo Khoury, além das previsíveis comédias.
E, antecipando-se à Xuxa, ela também tentou obter a proibição judicial de um filme no qual havia aparecido nua antes de alcançar a fama: Superbeldades. Perdeu a parada, é claro. E a publicidade gratuita só fez crescer a bilheteria.
Naquela época em que a restrição dos filmes era cumprida à risca, tive o maior trabalho e levei o maior tempo para conseguir assistir ao Superbeldades, proibido para menores de 18 anos.
Depois de barrado em vários cinemas, encontrei um em que o porteiro acreditou (ou fingiu acreditar) na minha carteirinha escolar falsificada, atribuindo-me três anos mais do que a idade real.
E, como sempre, a expectativa não foi correspondida pela realidade.
O filme não passava de uma interminável sucessão de strip-teases (mal)feitos por aspirantes a modelos e atrizes mal chegadas dos grotões para tentarem a sorte na cidade grande – sempre filmadas no mesmíssimo e paupérrimo cenário...
Embora usasse apenas um pequeno tapa-sexo, aquela Jacqueline ainda por lapidar inspirava menos desejo do que totalmente vestida nos programas de TV.
Embora usasse apenas um pequeno tapa-sexo, aquela Jacqueline ainda por lapidar inspirava menos desejo do que totalmente vestida nos programas de TV.
Ao sair daquele pulgueiro, não só uma ilusão minha se dissipara, como tinha aprendido que as imagens mostradas pelas câmeras são uma falsificação, no bom ou no mau sentido, da realidade ela mesma.
E, em termos mais prosaicos, passei a considerar como uma verdade absoluta a afirmação de Stanislaw Ponte Preta, segundo quem a TV não passava de uma máquina de fazer doido...
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